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O mel redondo do arapuá

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Woden Madruga [[email protected]]

O doutor Paulo  Balá continua na sua faina – lá se vão muitos anos e muita ciência – de catador de atos e fatos do Sertão, seguindo as mesmas pegadas de outros mestres sertanistas como  os irmãos Felipe e Teóphilo Guerra, Manoel Dantas, José Augusto Bezerra de Medeiros, Eloy de Souza, Juvenal Lamartine de Faria,  Manoel Rodrigues de Melo e Oswaldo Lamartine, dos que vou me  lembrando agora quando acabo de ler a carta que o ilustre missivista me mandou, nesta semana de boas chuvas,  tratando da abelha arapuá que , se tem casa própria  nas  matas do Seridó,  também voam pelos matos das Queimadas, ribeiras do Potengi, mormente quando é tempo  de seriguelas, umbus   e umbuguelas, dulcíssimas. É sempre um deleite ler a prosa do doutor Paulo Bezerra. Confira:

“Em 1963, Oswaldo Lamartine de Faria elaborou uma tábua analítica da apifauna seridoense após solicitar informações a um e a outro e às prefeituras municipais não obtendo, porém, respostas consistentes ao seu questionamento. Daí haver catalogado, com a ajuda do sobrinho Pery, dezessete espécies de abelhas nativas espalhadas em dezesseis municípios da região. Delas as mais comuns foram a amarela, o arapuá, o canudo, o enxu, o zamboque, não  tendo sido encontrado nenhuma colmeia de uruçu. Nos dias de hoje, em algum ponto onde mereje ou junte água, alguma abelha pode ser vista como a do arapuá, a da “ouropa” (‘Apis melífera’), a do enxu (‘Protonactarina sylveirae’), a da amarela (‘Friscomelitta varia’).

O arapuá (‘Trigona spinipes’) é uma abelha selvagem, pequena, entre seis e sete milímetros cujo nome deriva do tupi, significando “mel redondo” de “ira” – mel e “puá” – redondo, pelo fato dela depositar seu mel em alvéolos. O ninho volumoso escanchado sempre no alto da forquilha das árvores, alongado e de cor puxada para o marrom, chega a medir cerca de meio metro de diâmetro. Em seu interior há uma massa consistente de material diverso como restos florais, madeira apodrecida, excrementos e resinas.

De hábito invade o ninho de nossas abelhas matando a colmeia ou pondo a correr a família ali existente. Também, na época da floração na busca do pólen para fazer o mel, estragam o broto das plantas destruindo-o. Do seu mel que dizem ser medicinal, também dizem ser tóxico, a ponto de matar. Sua agressividade se caracteriza pelo ataque quando incomodada, se envolvendo nos cabelos da pessoa com fúria e em quantidade, daí ser também conhecida pelo nome de “enrola-cabelo”. Tem o corpo protegido por resinas vegetais, penetra nos ouvidos e pelo nariz com muita avidez e até se diz que quando esmagada rescende um cheiro que incita as outras.

Seu controle, para proteger outras abelhas e plantações, é difícil no sentido de não haver produtos químicos eficientes no combate. O meio usual tem sido o fogo embocado pela boca oval da colmeia. Cuida-se de não dar começo a incêndio no entorno. O ninho queima por ser feito de resinas e fibras vegetais. Em cada colmeia há várias rainhas mas só uma reproduz, há zangões e numerosa população de operárias.

Google registra a queda de um ninho de arapuá em Gameleira, na Camboinha, sobre a casa da anciã Maria de Fátima, 72 anos, em julho de 2010, matando-a. Já sobre o cortador de árvores, no distrito de Icaraí, município de Nova Canaã – Bahia, desabou um ninho de meio metro de diâmetro sobre Ademilton de Jesus Santos (o Dé), de 36 anos, atingindo-o na cabeça e levando-o à morte. O corpo foi levado a Itapetinga (DPT) e depois a Vitória da Conquista – IML – Serviço de Verificação de Óbito, em 14.10.2014. Restou a viúva e três filhos menores.

Na era de 1950 a produção de banana e dos cortiços começou a diminuir em virtude do ataque das abelhas de arapuá. Meu pai (1891-1958) convocou Manuel Vermelho (Manuel Pereira da Silva, *6 de janeiro de 1931), morador no Saco do Pereira, anexo às Pinturas, pera dar-lhes combate utilizando o meio mais eficaz que era e continua a ser o fogo. À tarde partiam para a empreitada montados e tangendo um jumento com cangalha, caçuá, porção de querosene, foice, machado, enxada, vara comprida, molambo, lata, peneira, caixa de fósforos e um saco com sementes chatas e aladas da craibeira, que se dispersam pelo vento, para iniciar o serviço à boca da noite, quando todo o enxame se recolhera.  Na ponta da vara prendia o facho de molambo ao qual ateava fogo depois de molhado com querosene dirigindo-se à boca do ninho que, dada a sua constituição de fibras e esterco, logo se espalhavam queimando ate o fim. Uma vez recolheram por encomenda para uso medicinal o mel passado na peneira que se mostrou, no entanto, muito amargo ao gosto.

A par disso plantaram muitas covas com sementes de craibeira o mesmo que ipê amarelo do cerrado (‘Tatebuia aurea’) nas curvas dos córregos, no aluvião dos riachos e nas margens de veredas e caminhos, que tanto embelezam os sertões do Seridó como amarelo dourado das suas flores. Por fim, uma constatação: enquanto o número de craibeiras vai aumentando  e em Serra Negra foram plantadas nos canteiros centrais e na chegada da cidade, as nossas abelhas silvestres vão sumindo por culpa de um magote de fatores como as estiagens, o desmatamento, a ação de predadores naturais, a competição de outras abelhas e o desempenho nefasto do próprio homem.

Aqui fica o seu informante, um catador de atos e fataos do Sertão, um maranganha por parte de pai e cauanzeiro por parte de mãe, cidadão mestiço das três raças formadoras da nossa etnia, como seja do negro vindo da Guiné depois de 1600, dos brancos da Península Ibérica, muitos deles cristãos  novos corridos pelas Diásporas e dos ameríndios daqui mesmo, a indiada seminua, que de todos recebemos hábitos e costumes.

Que chova nos nossos roçados tanto quanto precisamos.

Pinturas, 24 de março 2015.

Paulo Balá”

Poesia  
“Casaca-de-couro é pequeno/ Quase indefeso e faz ninho/ Tamanho de um arapuá…/ Concliz que é vadio não trabalha/ Tem força no bico, nas garras/ É forte – bonito todo vermelho e preto -/ Toma o ninho do casaca-de-couro de uma bicada… // Casaca-de-couro faz outro às pressas/ Num galho bem fino e só de gravetos… // Concliz senhor do ninho novo e grande/ Canta  contente da conquista que fez… // O gavião que é a fera de asas/ Vem bebe os ovos do concliz/ E desmancha o ninho limpando o bico nas palhas…/ Casaca-de-couro vinga-se da sua porta mal feita/ Cantando sua cantiga muito feia…” (Do poema ‘Casaca-de-couro’, de Jorge Fernandes, em seu “Livro de Poemas”).

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