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O orientador sexual

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Ivan Maciel de Andrade – Advogado

Recomendando o uso da camisinha, Lula fez uma constatação cercada do espalhafato de quem descobre a pólvora, como é do seu feitio: “Sexo é uma coisa de que quase todo mundo gosta”. Infelizmente, ele não teve a oportunidade de ler, nem tampouco ninguém lhe contou, a revelação que Stanislaw Ponte Preta já fizera, nas “Máximas inéditas de Tia Zulmira” (com ilustrações de Jaguar): “Entre as três coisas melhores desta vida, comer está em segundo e dormir em terceiro”. Qual o objetivo de Lula com a sua sábia e original observação? Segundo divulgado, pretendeu contrapor-se à recusa da Igreja em admitir o uso da camisinha por seus fiéis, embora ela sirva, como está comprovado, para evitar a Aids e a chamada gravidez precoce. O Vaticano condena o uso do preservativo porque, na opinião dos teólogos, reduz a atividade sexual a um fim em si mesmo, retirando-lhe o “nobre” sentido da procriação. Lula quis, então, ao bolar o seu criativo argumento, educar as famílias brasileiras sobre comportamento sexual. Uma forma de demonstrar a preocupação de seu governo com os problemas sociais e o desprezo ao preconceito religioso.

Lembrei-me de antigas leituras que muito me impressionaram. Como, por exemplo, o livro do zoólogo inglês Desmond Morris – “O Macaco Nu” – que, nos idos de 60, vendeu mais de dez milhões de exemplares em todo o mundo. Desmond Morris analisa as inter-relações entre o comportamento humano e a biologia. Também me lembrei do pansexualismo de Freud, que confere à sexualidade uma enorme amplitude, condicionante tanto do psiquismo como das relações humanas, desde a infância. A sexualidade seria censurada e recalcada pelos padrões culturais.

Fui mais longe. Pensei nas resistências que persistem a livros que enfrentam temas-tabus como é o caso de “Lolita”, de Vladimir Nabokov. É uma história de pedofilia? É sim a história da grande paixão de um homem maduro por uma ninfeta, uma menina de doze anos. Mas Lolita não é uma simples menina. Precisa-se conhecê-la e compreendê-la verdadeiramente, o que só é possível acompanhando a sucessão de fatos que constituem a história. Nem o narrador pode ser simplificado sob o rótulo de intelectual “tarado”. Torna-se também indispensável conhecê-lo, sem a preocupação de julgá-lo, mesmo quando ele se auto-acusa. O livro é uma longa, dilacerada, devastadora confissão. Poucos romances da literatura contemporânea tão magnificamente construídos, na técnica ficcional, no estilo, na descrição dos personagens. Como deixar de lê-lo?

A hipocrisia em matéria de sexo está emblematicamente retratada no conto “Chuva”, de Somerset Maugham. É uma história que se passa numa ilha ao sul do Oceano Pacífico. O navio em que viajam o rev. Davidson e sua mulher precisa aportar nessa ilha. O rev. Davidson fica sabendo que, entre os passageiros, há uma jovem prostituta, Miss Thompson. O reverendo é um homem obcecado em combater o mal. Vai às autoridades da ilha e convence-as a punir a moça. Intimidada, ela promete mudar de vida. Davidson passa as noites no quarto da prostituta, rezando por sua salvação. Para surpresa geral, o reverendo se suicida. Descobre-se a razão: Davidson cedera às tentações de Miss Thompson e não pôde conviver com o sentimento de culpa por essa fraqueza.  

Há uma cena enigmática e ao mesmo tempo cômica em “O Processo” de Kafka: Josef K., ao fazer sua defesa perante uma assembléia presidida pelo juiz de instrução, é interrompido por um casal que entra na sala e vai fazer sexo a um “canto perto da porta”. K. compreende que a intenção desse ato é neutralizar a “seriedade” que ele “introduzira” na assembléia. Ficam evidentes a inutilidade da luta contra o processo (sobre o qual nada sabe) e o amoralismo dos seus julgadores.                    

Voltando ao ponto inicial: é mais fácil e agradável para Lula bancar o orientador sexual do que ocupar-se com problemas graves e angustiantes, como a violência e o baixo crescimento da nossa economia, que exigem do governo medidas imediatas, concretas, corajosas, inovadoras.

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