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O Passo da Arte

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Ramon Ribeiro
Repórter

Moradora do Passo da Pátria desde o tempo que as casas eram de papelão e palha, Dona Dilma já se deparou com corpos na rua de casa inúmeras vezes. Agora ela abre a porta de casa e dá de cara com um grafite grande e de tons alegres – para ela, o mais bonito da comunidade, talvez porque a obra a transporte para um lugar distante, não sufocado pelo crime. O grafite é do artista catarinense Digo Cardoso, um dos 20 participantes do INarteurbana, projeto de arte urbana que chega a sua quinta edição no Passo da Pátria. Nos dias que Digo levou para concluir o trabalho, Dona Dilma foi só mimo com ele. “Ela está cuidando de mim, cara. Todo dia ela traz uma fruta, bolacha, me chama pra tomar café”, conta o grafiteiro, que deu a uma de suas personagens os olhos azuis de Dona Dilma.

Artistas de vários lugares vivenciam a relação da arte com a comunidade. O cearense Hirlan, do festival Concreto, traduz a cultura da área


Artistas de vários lugares vivenciam a relação da arte com a
comunidade. O cearense Hirlan, do festival Concreto, traduz a cultura da
área

Essa relação carinhosa também pôde ser vista pela reportagem do VIVER em frente a casa de Dona Creuza. Para ela e as netas, o grafite mais bonito é o do maranhense Rocha. “Todo dia escuto pela janela alguém passando na rua e dizendo ‘olha que massa esse desenho!”’, comenta Creuza, que vai completar 73 anos na próxima sexta-feira. “Vou dar uma festa já aproveitando a pintura. Vamos botar uma iluminação. O povo vai todo fazer foto”.

Um pouco adiante, numa casa em frente ao rio Potengi, o artista Pomb, de Brasília, retratou um pescador da comunidade. Segundo a curadora do projeto, Sayonara Pinheiro, o artista conversou com o pescador, fez uma fotografia dele e pintou algo relacionado à conversa. Em outra situação, um outro pescador que desde as outras edições pedia um peixe no muro de sua casa, desta vez foi atendido. E ele ficou acompanhando o trabalho do grafiteiro com sorriso no rosto.

Se os moradores mais antigos estão gostando dos trabalhos, imagina a meninada! As crianças estão sempre por perto dos artistas, mostrando desenhos e se oferecendo para ajudar na pintura. É assim, por exemplo, no campinho de futebol da comunidade, onde o coletivo carioca Nata Família estava trabalhando, e também no muro colado em que Digo Cardoso fez o seu trabalho.

O artista Rocha pinta enquanto papeia com a moradora


O artista Rocha pinta enquanto papeia com a moradora

“Esse contato com as crianças me influenciou a fazer um segundo grafite. Um dos pilares do meu trabalho são meus filhos, que me trazem um cenário lúdico, por isso gosto de usar bastante cor, bastante alegria nos desenhos, gosto de desenhar crianças”, comenta Digo, que revela estar vivenciando algo único. “Em Chapecó, onde eu moro,  não existe cena do grafite. Agora que está aparecendo uns garotos. E já me envolvi com alguns projetos em periferia, mas não como o que estou vivenciando aqui. Por isso essa sede de viver isso. É uma realidade bem distante pra gente”.

Exposição na Capitania das Artes
Quem também teve um contato muito próximo com a comunidade foi a artista pernambucana Amanda Pietra. Ela se envolveu com a Associação de Mães e de Rezadeiras para desenvolver seu trabalho, que poderá ser visto apenas na exposição do INarteurbana na galeria da Capitania das Artes (Cidade Alta). A abertura será na próxima quinta-feira (13), às 17h, com pocket shows, apresentações de danças e, claro, uma série de obras dos 20 artistas participantes desta edição do projeto. A entrada gratuita.

Com relação ao trabalho de Amanda Pietra, a obra será em foto e vídeo. “Visitei a casa de algumas mães e rezadeiras daqui, sentei para tomar café com elas, conversei horas com algumas, até as acompanhei à igreja. Meu projeto de fotografia vem desse contato”, explica a artista, que é de Garanhuns, e nunca tinha experimentado algo do tipo em uma comunidade carente. “Nunca entrei numa numa área assim. A realidade daqui é completamente diferente de onde moro. Aqui as pessoas todas sabem o que acontece e se preocupam umas com as outras. E eu coloquei minha fotografia no meio de tudo isso. É o que faz sentido pra mim. Eu não estou aqui pra extrair, mas pra captar”.

Trabalho do coletivo Nata Família valoriza cenário simples


Trabalho do coletivo Nata Família valoriza cenário simples
Depois de aberta, a exposição do INarteurbana na Capitania das Artes ficará disponível para visitação até o dia 13 de julho. Integram a mostra Amanda Pietra [PE], Borges [RN], Bruno Otávio [RN], Clara Felix [RN], Digo Cardoso [SC], Erre [RN], Guinr [RS], Gurulino [DF], Iannes [RJ], Karen Dolorez [SP], Moka [AP], Nata Família [RJ], Pomb [DF], Rocha [MA], Toliga [RN], Wes Gama [GO] e Hirlan [CE, convidado pelo Festival Concreto].

De acordo com a produtora do projeto, Agathae Montecinos, a exposição é uma mostra do que é desenvolvido durante os dez dias de residência no Passo da Pátria. Os trabalhos produzidos para a mostra são fiéis ao trabalho de rua e utilizam como suporte materiais encontrados na própria comunidade. O projeto INarteurbana é uma realização da associação franco-brasileira Pixo, e do ponto de cultura e residência artística Casa Vermelha, patrocinado pela Fundação Air France.

Digo Cardoso, de Santa Catarina, se inspirou em Dona Dilma


Digo Cardoso, de Santa Catarina, se inspirou em Dona Dilma
Grafite no Baldo

Quem desce o Viaduto do
Baldo em direção à entrada do Passo da Pátria verá um muro da Cosern
todo grafitado. O trabalho está praticamente pronto e o autor é o
grafiteiro Miguel Carcará. Mas ele faz questão de ressaltar que não fez
tudo sozinho. “Estou aqui com outros cinco garotos. Formamos o Coletivo
08, da [comunidade] África, da Redinha”, conta o artista potiguar.
Também pudera, o muro tem 260 metros de comprimento.

Carcará tem
feito esses trabalhos de grafite nas substações da Cosern, sempre
retratando temas referentes à segurança com a questão elétrica, mas
pontuando com o cenário e aspectos da cidade. “Já fiz três. Mas este sem
dúvidas é o maior que já fiz. Estamos há três semanas aqui. Acredito
que nesta quarta a gente termina”, diz o artista.

Serviço

Exposição INarteurbana na Capitania das Artes (Cidade Alta). Abertura dia 13 de junho, às 17h. Visitação até o dia 13 de julho. Entrada gratuita.
Atualizado às 18h26
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