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O peso da toga

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Erick Wilson Pereira
Professor de Direito da UFRN
Decisões emanadas de magistrados são sempre sujeitas a críticas. Algumas de ordem subjetiva, restritas a uma parte específica; outras que revelam um estado de inconformismo de parcelas ideológicas da sociedade; outras que desbordam dos limites mínimos de urbanidade e cortesia, aproximando-se da afronta ou da ofensa moral ao julgador e a toda magistratura. O fato é que não há como um juiz evitar acusações de parcialidade nas decisões, vinculações injustificadas com outros poderes, decisões políticas e até de desconhecimento da real função social da magistratura.
Há muito se sabe que o comportamento judicial é influenciado – de forma consciente, subconsciente ou inconsciente -, por fatores extrajurídicos que vão desde tipos básicos de personalidade, valores, interesses pessoais, experiências individuais, ideologia e até a opinião pública. O mais prejudicial é o comportamento influenciado pela vindita, pelo ressentimento, pela inveja ou pelo rancor.  
É ingenuidade pensar que o comportamento decisório de um juiz é inteiramente imune a esses fatores por maior que seja a personalidade e o brilhantismo intelectual do magistrado. Daí ser difícil entender por que até parcelas mais instruídas da sociedade tem tanta dificuldade em assumir que, a exemplo de outros profissionais, os juízes são falíveis e influenciáveis e que, apesar disto, o Judiciário pode ser merecedor de respeitável credibilidade. 
Afinal, nenhuma instituição, naturalmente sujeita a limitações, erros, falhas e vieses inerentes à condição humana de seus membros, pode ser julgada por atos isolados de poucos que envergonham a reputação do ato de julgar. A realidade cotidiana nos prova que não somos uma subjetividade individualmente exclusiva. Boaventura de Sousa Campos ensina que somos uma complexa rede de sujeitos em que se combinam uma variedade de subjetividades atinentes às diversas formas básicas de poder circulantes na sociedade.   
Juiz é humano, truísmo vulgar. O que desperta incerteza e dúvida está em julgar, com imparcialidade, seu aliado ou seu desafeto. Aqui, parcialidade implica estado emocional, subjetivo e anímico do julgador. E o uso da toga está cheio de sutilezas, inclusive o abuso. Um deles é não decidir conforme entendimento motivadamente amparado na legislação ou em precedentes jurisprudenciais da matéria aplicada aos fatos concretos. Acrescente-se o comportamento decisório determinado – o que difere de influenciado – por anseios da opinião pública ou de segmento ideológico específico e afim, a exemplo do que costuma apresentar o Ministério Público, ou, pior, motivado por eventual sentimento de vingança ou de raiva. 
Em uma sociedade do espetáculo ninguém pode querer se arvorar em palmatória, pois o mundo já está cheio de neodeslumbrados com o regime de exceção e de plateias de herdeiros de Torquemada que aplaudem as ações hiperbólicas de quem se dispõe a violar garantias individuais e a destruir reputações. Todos somos seres coalhados de defeitos, mas, parodiando La Rochefoucauld, se não tivéssemos defeitos, não teríamos qualquer curiosidade em observá-los nos outros.
Bons magistrados hão de concordar que, para que se alcance o respeito pela toga que vestem, o cumprimento da função judicial exige exercícios de autocrítica, conhecimento dos limites intelectuais, respeito à colegialidade, vigilância contra ideologias, cordialidade com os outros atores da relação jurídica, eficiência no pensamento, presteza nas ações e mostras de maturidade e humildade. Mais que isso, nossos juízes precisam ter consciência de que detém um poder temível, enorme. A missão é grandiosa e árdua, na escalada rumo à superação das ciladas plantadas por vieses cognitivos e imposturas dos sentimentos impróprios.
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