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O poema perdido

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Lívio Oliveira
Advogado Público Federal e Escritor

Perdi um poema. Alguns vão dizer: e daí? Mas é que a perda desse poema me fez mal. Deixou-me embaraçado, desconfortável, vazio, com o olhar vagando pelo horizonte. Sei que nem todos podem e nem precisam compreender. Isso é coisa que se passa numa alma sensível, errante e fragilizada diante do esquecimento de palavras que lhe eram essenciais. Essenciais à existência mesma. Como o pão e a água. Como o vinho e o leite derramados.

Não adianta chorar. Talvez não. Talvez não seja preciso. Preciso mesmo é e será sempre navegar. Navegar no poema e na poesia. Navegar numa vida que se quer fazer diferenciada. Uma vida em que se busque o tempo e as condições para ver a lua e o luar, para ver o mar e suas ondas, para ouvir as canções das sereias e tocar nas cores de um arco-íris ao final da chuva fina. A vida, já dizia o poeta, “vem em ondas como o mar.”

É no mar ou num palheiro onde procuro por esse poema perdido, essa agulha, essa fagulha de beleza. Talvez nunca mais o encontre, mas sigo teimando na busca da alegria do reencontro, como quem almeja desesperadamente rever um amor que se foi e que não deu mais sinais e nem esperanças de voltar.

Algum dia o terei entre as mãos e diante dos olhos? Conseguirei transpor em grafite para um pequeno papel amassado e cheio de bolor o poema que de mim se rebelou e fugiu? Não sei. E isso me traz a amargura toda de quem se distanciou do objeto amado, da pequena criação com a qual se conviveu por tão pouco tempo. Tempo precioso. Mesmo que difícil. Mesmo que ingrato.

Tempo, tempo. tempo… Que tempo é esse nosso em que não se luta mais por um poema como se lutaria por um reino ou por uma princesa de longos cabelos sequestrada no alto da torre? Não garanto ser esse o meu tempo. Não me certifico de ser esse o meu país, o meu mundo. Os guerreiros poderosos de hoje lutam por outros objetos de desejo, algo que não considero tão nobre. Notas de dinheiro e moedas de ouro, carruagens brilhosas emplacadas com prata falsa, voos em pássaros metálicos, castelos inexpugnáveis…impermeáveis menos ao sonho. Nada disso supera um poema. E nada disso supera a dor da perda de um poema.

Mantenho, sim, os dois pés no chão. Um chão de barro vermelho, um chão que guarda as raízes de uma mangueira ancestral, um chão em que pisam felinos e passarinhos colhendo alimentos, um chão em que deitarei minhas cinzas e minhas palavras quando todas as palavras e poemas forem, então e definitivamente, esquecidos.

Talvez seja o caso de colocar um anúncio em algum jornal à procura do meu poema perdido. Deixa pra lá! Alguém disse que o encontrarei, em algum momento, mesmo que longínquo dentro de mim mesmo. Alguém também disse que se a poesia não se perdeu, o poema também nunca se faria perdido, apenas estaria esperando em algum lugar remoto, nos últimos escaninhos da memória e da sensibilidade. Perder um poema pode ser doloroso, angustiante, mas perder a poesia seria muito pior. E essa é minha amiga dileta. Nunca a perderei de vista. Nunca me afastarei.

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