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“O político é visto hoje como um picareta”

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O atual momento político vivido pelo Brasil, com diversos escândalos públicos de corrupção, é um dos sinais mais concretos do amadurecimento democrático do país. A análise é do jornalista Gilberto Dimenstein, integrante do Conselho Editorial da Folha de São Paulo.

Para ele, o país está com sistemas de fiscalização modernos e um sistema político velho. Qual o resultado dessa equação? “É um escândalo por semana. E o pior de tudo é que você vai desmoralizando a classe política. E as pessoas olham para o político como um picareta ou um candidato a picareta”, observa Dimenstein, que esteve em Natal para participar da Bienal Nacional do Livro.

Dimenstein é um jornalista preocupado com a educação; prova é que criou a organização não governamental Cidade Escola Aprendiz. Com o recém lançado Plano de Desenvolvimento da Educação ele se mostra empolgado e diz não temer o fato de que os próximos Governos poderão não dar continuidade ao Plano. Para o jornalista, no atual estágio da educação brasileira só há uma alternativa: um plano a longo prazo com metas rigorosas.

O convidado do 3 por 4 de hoje é um jornalista com olhar crônico e crítico sobre o mundo contemporâneo. Gilberto Dimenstein é sério no trato e nas palavras, mas nem por isso deixa de ser um mestre. Para o leitor, um pouco da visão de Gilberto Dimentein.

Recentemente você escreveu um artigo relacionando os efeitos da propaganda na educação. Qual o perigo que você vê da publicidade para a educação do jovem?
Quero dizer que não tenho o menor problema com as empresas que fazem propaganda e visam o lucro. Acho que já está provado que as sociedades que são mais iguais, mais democráticas, são as sociedades capitalistas. Não vai aqui nenhum foco ideológico com a busca do lucro. O que me incomoda  um pouco na publicidade não é a questão da manipulação, porque a publicidade de alguma forma é a capacidade de encantar e emocionar as pessoas para elas consumirem determinada idéia ou determinado produto. Agora a questão que me incomoda é quando a publicidade implica ou estimula atitudes arriscadas para a sociedade e para o jovem em geral. Há uma abundância de pesquisa mostrando a relação entre o álcool e a violência. No Brasil morrem 30 mil pessoas só no trânsito e boa parte tem relação com o álcool. E aí você tem grande parte dos assassinatos relacionados com o álcool. Vários tipos de doença também estão vinculadas com o álcool. Num país como esse, que tem boa parte da juventude marginalizada, e você ainda joga na televisão a ligação do álcool com o sucesso, com a saúde, com o esporte. Só posso dizer que há um perigo que precisa ser acompanhado. Está provado que o sistema de auto-regulamentação não funciona. É proibido fazer propaganda de álcool associada ao elitismo, mas a Juliana Paes não aparece como madre Tereza de Calcutá, tanto que é considerada “a boa”. Não quero ser moralista, mas digo que tem pessoas morrendo, jovens adoecendo. A propaganda do álcool está levando a isso.

Você defenderia um rigor maior, um controle mais efetivo para a propaganda do álcool?
Se dependesse de mim não teria propaganda do álcool e também do cigarro. Mas acho que isso é utópico. É preciso mexer no horário que essas propagandas passam. Eu acho até que o álcool tem um lado positivo. Uma dose de vinho por dia está provado que faz bem para o coração. A publicidade tem que ser controlada. Não sei como isso poderia ser feito. Mas digo que me incomoda ver no jornal, na revista, na televisão o tempo todo a relação que cerveja é igual a sucesso, mulheres e felicidade. Se dependesse de mim não teria publicidade.

E a televisão pública criada pelo Governo? É uma alternativa de educação para a população?
A minha opinião é que encontraram uma boa forma de jogar dinheiro fora. Realmente uma bela forma de jogar dinheiro. Primeiro que se o Lula quisesse fazer uma televisão pública de fato, com programas culturais – não sou contra televisão pública – ele deveria fortalecer as que já existem. Ele poderia fortalecer a TV Cultura por exemplo, as tvs Educativas. O que vai ocorrer no final é uma televisão do Executivo, feita com meu dinheiro e depois sempre terá um toque eleitoral. Mesmo que eles não digam isso, é o que vai ocorrer. A tv pública começa gastando o dinheiro público. Tenho certeza que tem pessoas sérias nessa televisão, mas precisa é colocar o dinheiro nas TVs que já existem. Tem exemplos bons de tv pública no mundo, como a BBC. Mas será que a gente vai ter uma BBC? Estão falando em gastar R$ 350 milhões no mundo.

Por falar em televisão pública, qual avaliação você faz dessas emissoras segmentadas como TV Câmara, TV Senado, TV Justiça?
Sabe que uma coisa interessante, na época das CPIs é interessante colocar o e-mail dos parlamentares. Acho que é um meio de comunicação interessante. Tem pessoas que gostam, se interessam. É uma democratização. Mas quanto custa eu não sei. É diferente dessa tv pública que vão gastar R$ 350 milhões por ano. Vejo alguns momentos positivos de emissoras como TV Senado. O povo vê o plenário, o parlamentar falando. Antigamente as pessoas iam para o plenário, tinha uma vertente democrática. Hoje já não tem. Mas a televisão cumpre o papel de tornar o debate democrático.

Por falar em democratização, que momento político é esse que o Brasil vive com tantos escândalos?
Eu não sou pessimista. O que está acontecendo no Brasil é o apefeiçoamento da democracia e o processo transparente. Antigamente não tinha o Ministério Público que temos hoje, a Polícia Federal, uma imprensa tão exigente, sistemas de comunicação que temos hoje. Ao mesmo tempo que você tem essa modernidade, com blog, internet, mas os sistemas políticos são velhos. E velho eu falo o sistema de financiamento de campanha, por exemplo. Empresário não dá dinheiro para político por filantropia. Ele dá por interesse. E o interesse que ele tem é em obras, em contratos com o Governo. E aí você cria as emendas. Os partidos são um amontoado de pessoas, cada qual com seu interesse. Cada um barganha como pode. Se a gente não modernizar esse sistema político, será um escândalo por mês. O político para se eleger precisa de dinheiro e o dinheiro vem no caixa 2. O problema é que esse debate fica só nas pessoas e não nas instituições que geram as mudanças.

O sistema político velho com sistemas modernos de transparência e fiscalização. Qual o resultado dessa equação?
É um escândalo por semana. E o pior de tudo é que você vai desmoralizando a classe política. E as pessoas olham para o político como um picareta ou um candidato a picareta.

Essa percepção das pessoas coloca em xeque os políticos ou as instituições?
Coloca tudo em xeque. A sociedade está mais moderna do que a sua representação. Falo de sociedade mais moderna porque os métodos estão mais precisos de negócios, instrumentos vocacionados para o interesse público, voluntários do terceiro setor. Veja quantos políticos falam e você se sente representada. Isso forma um hiato. Por outro lado você vai distanciando cada vez mais Brasília do Brasil. No futuro cada vez mais as cidades terão determinações nas políticas sociais. O que hoje é meio utópico, você verá a eficiência pública das comunidades.

A solução para esse sistema político velho passa pela reforma política? Você acredita que esse Congresso fará uma reforma política?
Eu não sei. Mas passa por programas sólidos de fidelidade partidária, voto distrital, regulação dos direitos dos parlamentares fazerem emendas, sistemas eletrônicos de compras de serviço. Teremos que andar com isso. A sociedade vai exigindo, cobrando, apontando. Se você pegar nos últimos 10 ou 15 anos verá quantas pessoas não perderam votos e acabaram presas. O que me incomoda mais é tirar pessoas de bem na política.

Qual o papel da imprensa nesse momento de escândalos e choque entre o sistema político velho e os sistemas modernos de fiscalização?
Acho que a imprensa está cumprindo seu papel. Tenho 50 anos de idade e mais de 30 de imprensa. A imprensa independente era exceção. Com os novos meios de comunicação, principalmente com a Internet e TV a cabo, você democratiza os meios de comunicação. Isso trouxe uma imprensa mais investigativa. O repórter melhorou de qualidade e no geral a imprensa melhorou. Ela ainda falta cumprir uma agenda mais contemporânea, ligada ao cidadão, com temas como saúde, educação, meio ambiente. Nisso ainda falta um longo trabalho.

Falando de educação, você acredita no Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação, lançado pelo presidente Lula?
Sinceramente, acho que foi um avanço. Não é só de governo, muito da idéia de indicador, era muito germinado na sociedade. Tem meta para 2022, meta para indicadores, desempenho de notas, repetência, meta para condicionar verbas para os municípios, meta para criar sistema de educação vinculado a saúde. Vai demorar muito tempo, mas não dá para ser pessimista. Acho que temos um norte para melhorar a educação pública.

A solução da educação no país passaria por esse plano?
Se você imaginar que esse plano vai envolver todos os níveis de Governo e no futuro resultará em aumento da jornada escolar, é bom.

Mas um plano a longo prazo não é perigoso, já que os governantes não costumam continuar projetos iniciados por gestões passadas?
Não tem jeito. Você não tem alternativa a não ser fazer a longo prazo. Envolve muitas variáveis, família, comunidade, montagem da política, pais. É complexo mesmo. Nenhuma nação tem facilidade de trabalhar isso aí. Eu sinto que o Lula deu um salto interessante.

Você criou uma ong chamada Cidade Escola Aprendiz? Quem é aprendiz a escola ou a cidade?
O que fizemos foi criar um modelo que está sendo implantado no Brasil todo que é o bairro-escola, nada mais é do que organizar tudo que existe em torno da escola, programa de saúde, segurança, assistente social. Você transforma essa rede na proteção a infância. A partir do próximo mês passa a ser uma da matriz do Governo Federal.

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