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O prazer de se descobrir uma criança

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TÊNIS -  Crianças têm contato com esporte considerado de elite

O discurso é uníssono: é necessário acabar com a exploração e o trabalho infantil. Mas as palavras escritas em bom português parecem ser transformadas em hieróglifos na tentativa de transformá-las em prática. Entre os dois extremos para tornar a medida viável existe um abismo, que passa pela falta de compreensão da sociedade e de compromisso da classe empresarial do País, em particular no Rio Grande do Norte, para quem a obrigação de desenvolvimento de políticas sócias é exclusivamente do poder público.

Prova disso foi a ação de Fernando Ricco, que passou três anos tentando implantar seu projeto de ensinar tênis às crianças carentes, mas por não ter sucesso na busca de patrocínio foi obrigado a adiar seus planos até a última quinta-feira, dia 13 julho, quando, enfim, pôde dar início ao projeto de extensão de escolinhas de tênis para membros de comunidades carentes. “Esse projeto é antigo, mas tentei buscar patrocínio de todas as formas possíveis e sempre me fecharam as portas. Então decidi enfrentar o problema de frente e graças a Deus estou podendo cumprir com o meu objetivo, mesmo que nenhum empresário tenha se sensibilizado com a causa”, revelou o professor de tênis do Aeroclube.

Ricco conseguiu reunir um grupo de 30 crianças com idade variando entre 8 e 16 anos, para o primeiro contato com o mundo de um esporte considerado de elite, mas que com a boa-vontade de uns pode ser estendido a quem a vida, desde o nascimento, tratou de privar de certos tipos de “privilégios” e que vivem num mundo onde tudo é difícil, menos o atalho para os caminhos tortos do destino. “Estamos conseguindo implantar esse projeto junto às crianças atendidas pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) graças à colaboração de um grupo de amigos, na verdade 36, que com a doação de R$ 20 ao mês estão conseguindo proporcionar essa oportunidade nova a estes meninos”, salientou, “só tenho de agradecer muito a eles e a diretoria do Aeroclube que está cedendo o seu espaço gratuitamente para o desenvolvimento desse projeto “Adote um Tenista”, através do qual nós vamos procurar ocupar crianças exploradas e retirá-las da rua”, destacou Ricco.

Se o material para prática do esporte é caro, nada que o famoso “jeitinho” brasileiro não resolva. Através da recuperação de raquetes usadas e bolas doadas foram criadas as condições para receber a turma de alunos especiais. No primeiro contato professor-aluno, a evidente preocupação foi mostrar a importância do zelo com equipamento: “Olha pessoal vocês podem ficar a vontade com as raquetes e com as bolas, mas é preciso que tomem cuidado para não danificar o material que é para não tirar de um colega, a mesma chance que vocês estão tendo hoje.”

Fernando Ricco recrutou amigos, funcionários do Aeroclube e alunos da Escola de Tênis para trabalho voluntário com as crianças do Peti, onde a meninada gozará do mesmo tratamento dado aos alunos que pagam para receber aulas. “Eles terão direito a dois dias de treino na semana, com meia hora de aula individual cada um. Pode ser que daqui não saia nenhum jogador de tênis, mas já vou me dar por satisfeito por estar dando oportunidade a essas crianças que, estando aqui, não vão ficar sujeita a exploração nas ruas.”

A idéia é chegar ao ano de 2007 atendendo até 200 alunos abrangidos pelo Peti. Do projeto “Adote um Atleta” foi plantada apenas uma semente, que Ricco deseja ver germinar e envolver um número muito maior de pessoas. “Basta um pouco de boa vontade. R$ 2 mil por mês já seriam suficiente para tocar um projeto desse tipo, espero atingir a sensibilidade da nossa classe empresarial e mostrar a importância de se investir num futuro melhor para as nossas crianças”, afirmou.

Na quadra, talento faz a diferença

Se depender de apoio as crianças atendidas pelo Peti vão encontrar todas as portas do Aeroclube abertas. A promessa é do presidente, Moab Rodrigues, que pretende garantir espaços aqueles que se destacarem no aprendizado em competições de nível nacional e estadual, nas suas respectivas categorias. O princípio é o de que na quadra, vence aquele que possuir o maior talento para esporte, que nem sempre é aquele que possui a melhor condição de vida. Ou seja, no campo esportivo as diferenças sociais inexistem.

Moab que também é vice-presidente da Federação Norte-rio-grandense de Tênis, deposita uma confiança muito grande no projeto desenvolvido pelo professor Fernando Ricco e salienta que o tempo irá vencer o “preconceito” de primeiro momento dos patrocinadores, já que as necessidades de atendimento serão muitas, como comprovou o contato inicial com a nova turma de alunos. Poucos se encontravam calçados com tênis, um adereço importante para prática do esporte.

“Na medida do possível vamos procurar atender a necessidade de todos. Tentaremos providenciar calçados apropriados para aqueles que não têm, bem como providenciar transportes para buscar os alunos em suas unidades de ensino”, afirmou Fernando.

A diretoria do Aeroclube está satisfeita com engajamento de seus associados ao programa “Adote um Tenistas”, a quem contempla com a fama de grande mola motora de toda essa engrenagem. “O trabalho da direção do Aeroclube é o mínimo possível, estamos apenas disponibilizando os nossos espaços. Mas os nossos associados estão de parabéns”, ressaltou. “Nós queremos mesmo que essa criançada se divirta e aproveitem nossos espaços da melhor forma possível e vamos torcer que surjam muitos bons valores para o Tênis do Rio Grande do Norte.”

Beneficiados moram em áreas de risco

Os trinta alunos que iniciaram a escolinha de tênis são oriundos dos núcleos do Peti dos bairros das Rocas e de Brasília Teimosa, duas das áreas mais violentas de Natal. A grande luta dos coordenadores do projeto é ocupar a garotada para não deixa-los a mercê das facilidades encontradas para o ingresso no mundo do crime.

Grande maioria dos beneficiários, convivem em clima familiar desfavoráveis e são obrigados a passar por um processo de reeducação para conviver com os demais dependentes do programa do Governo Federal. “É uma preocupação constante do nosso corpo de instrutores a facilidade que esses garotos encontram para se desvirtuarem na vida. Na maioria das vezes o mau exemplo parte de casa, onde as crianças vivem em estado de abandono e, com alguma, constância vêem os pais consumindo bebidas alcoólicas e até drogas. Se ninguém fizer nada para mudar isso, que futuro um garoto desse terá?”, questiona Luiz Antônio Miranda, 45 anos, coordenador do núcleo do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, em Brasília Teimosa.

Existem casos em que os meninos pedem para não levar nenhum material para casa, com receio que este seja vendido pelos pais como forma de arranjar dinheiro para consumir drogas. O dinheiro de programas como o Bolsa Família, cerca de R$ 40/mês, em algumas situações é desviado da alimentação dos meninos para compra de bebidas. “Nós fazemos uma vigilância constante e cobramos responsabilidade aos pais dessas crianças. Caso não haja correção, o fato é comunicado a diretoria e o aluno perde o direito a verba”, explicou.

Numa rápida avaliação do trabalho realizado, Luiz Antônio considera que o resultado está sendo bom e aponta os exemplos de duas crianças, que antes passavam o dia divididos entre ajudar os país ou avós e estudar. Emerson Pereira da Trindade, de 9 anos e Juliana Bezerra da Silva, 8 anos, hoje tem uma vida muito menos atribulada, gastando o tempo com atividades ocupacionais e com estudo. “Emerson vivia catando lixo, ajudando a avó que trabalha como lavadeira, vendendo picolés e fazendo mandado de um e de outro para receber alguns trocados. Agora não, conosco recebe aula de reforço escolar, participa de escolinhas de capoeira e de tênis, assim como a Juliana que também faz aulas de dança em nosso núcleo”, informou o coordenador.

A vida com pouco tempo para brincadeira foi confirmada pela menina, que antes de sair para escola tinha a tarefa de ajudar a mãe nos serviços domésticos, como limpar a casa e lavar a louça diariamente. “Agora eu só brinco e estudo, minha vida agora ficou melhor”, festejou Juliana, que teve a oportunidade de entrar num clube para brincar pela primeira vez na sua vida.

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