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O rock nas entranhas de Brasília

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Yuno Silva – Repórter

A abertura oficial da 21ª edição do Festival de Cinema de Natal, ocorrida na manhã de ontem na Fundação Capitania das Artes, reativou a galeria de homenageados do evento e uma nova placa foi descerrada com o nome de Vladimir Carvalho, documentarista experiente que trouxe pessoalmente a Natal o premiado “Rock Brasília – Era de Ouro”. O documentário, exibido na Mostra Vidas na Tela, completa a trilogia iniciada por Vladimir em 1991 sobre a capital federal e trata do principal produto cultural exportado durante os anos oitenta pelas bandas Plebe Rude, Capital Inicial e Legião Urbana.
Em Natal para receber homenagem e lançar o seu Rock Brasília: A Era de Ouro, Vladimir Carvalho conta como acompanhou de perto a geração que mudou a cara da música nos anos 80
Ao lado da comédia “Família Vende Tudo”, a produção abriu a programação competitiva do FestNatal, que permanece em cartaz até o próximo dia 11 nas salas 1 e 3 do Moviecom em Ponta Negra. Hoje, o público confere a ficção “Malu de bicicleta” e os documentários “O sonho Bollywoodiano” e “Prova de Artista”.

Simpático e visivelmente emocionado, Vladimir Carvalho agradeceu a homenagem e fez questão de lembrar que frequenta Natal há décadas. “Tenho uma foto ao lado de Câmara Cascudo, sempre passava aqui por Natal para ouvir os conselhos do mestre. Essa imagem está na minha sala”, disse o cineasta paraibano radicado em Brasília desde a década de setenta. Ele dirigiu entre outros, “O Engenho de Zé Lins” e a trilogia sobre Brasília. Professor aposentado do curso de cinema da Universidade de Brasília, Vladimir – irmão mais velho do também cineasta Walter Carvalho – ficou surpreso com a situação de inércia do cinema potiguar. Ele disse que acompanha as coisas daqui, e que sempre ouviu o interesse dos realizadores potiguares em se criar um pólo de cinema em Natal. “Pelo visto continuam adiando. Os empresários, os políticos precisam apoiar o segmento audiovisual. É um negócio, dá lucro, e rende dividendos políticos”, frisou, ressaltando que é amigo de longa data de Valério Andrade e do diretor de fotografia Carlos Tourinho. Sobre o “Rock Brasília”, disse ser uma “história de perseverança”. Vladimir revela no documentário passagens que entraram para a história do rock brasileiro como o desastroso show da Legião Urbana em Brasília, em 1988, quando Renato Russo entrou em confronto com o público e a apresentação acabou interrompida pela polícia.

#ALBUM-3163# Para falar sobre esse e outros assuntos, Vladimir Carvalho concedeu a seguinte entrevista a TRIBUNA DO NORTE:

Vladimir, a partir de que momento percebeu que a cena musical de Brasília era importante registrar? Quando nasceu a ideia de Rock Brasília – Época de Ouro?

Antes de mais nada, é importante frisar que ninguém vive em uma cidade, por mais de 40 anos como é meu caso, impunemente. De repente você passa a entender melhor aquela comunidade, aquela situação histórica, política, e no início dos anos 1980 comecei a notar a presença do rock em Brasília. Tinham cerca de 200 bandas, onde ia era aquela barulheira infernal e aquilo chamou minha atenção. Quando as principais bandas,  Plebe Rude, Capital Inicial e sobretudo Legião Urbana começaram a sair de Brasília, aparecer na mídia e voltavam dizendo ‘tô aqui, eu sou aquele’, disse: ‘tenho obrigação, por dever de ofício, de registrar isso’. E comecei a gravar imagens em betacam a partir de 1987. Primeiro foi o Capital, que abriu um show para o Sting; no ano seguinte filmei a Plebe Rude e finalmente, quase como uma dádiva, um presente que recebi, gravei aquele fatídico show da Legião Urbana onde a banda se desentendeu com o público no Estádio Mané Garrincha.

Lembro desse episódio, foi histórico. É bacana como o documentário contextualiza aquele momento: a apresentação aconteceu após um dia inteiro de protestos…

Exatamente, era a banda certa na hora errada, e temos que fazer a seguinte leitura: o Brasil estava em lua-de-mel com a volta do estado de direito, e aquela moçada queria participar, se mostrar, estavam liberados e não era o Renato Russo que iria comandar. Já vinham quebrando e incendiando ônibus durante todo o dia e o Renato não percebeu isso, começou a provocar o público. Enfim, eu meio que peguei uma carona no rock para continuar contando a história de Brasília, por isso que considero o ‘Rock Brasília – Era de Ouro’ o fechamento da trilogia sobre a capital federal: ‘Conterrâneos Velhos de Guerra’ (1991) fala da construção, ‘Barra 68’ (2000) conta a repressão Militar e este filme trata do produto cultural.

E quando decidiu que era hora de começar a montar o quebra-cabeças?

Quando assisti aquele show em 2008 na Esplanada dos Ministérios, com o Capital Inicial cantando ‘Que país é esse?’ para um milhão de pessoas que respondiam ‘é a porra do Brasil!’ aí eu disse: ‘eu tenho que fazer esse filme’. Não teve mais jeito’.

Houve dificuldade na produção?

Vou lhe dizer uma coisa, foi dos filmes que menos enfrentei dificuldades em convencer as pessoas a falar. Tava todo mundo a favor, pais e filhos, louco para contar sua própria história.

E imagens de arquivo?

Aí sim tive uma certa dificuldade. O Brasil, do ponto de vista audiovisual, é desmemoriado. Não soubemos preservar a memória. Você vai atrás de alguma coisa que aconteceu há vinte anos e não tem mais nada, gravaram por cima. Da banda Aborto Elétrico, por exemplo, que deu origem ao Capital e a Legião, não há imagens em movimento – era o Renato Russo que obrigava a tirar fotografia, ele dizia: ‘é pra gente contar a história da nossa turma’. O cara pensava em tudo, era fora de série.

Como vê a presença dos documentários nos cinemas brasileiros atualmente (em Gramado, por exemplo, eram 3 na mostra oficial)?

#saibamais#Hoje o documentário brasileiro tem um significado e um peso enorme, principalmente nos últimos.  dentro da cinematografia brasileira. E digo o seguinte, o documentário brasileiro sempre foi muito bom. Nos últimos dez anos, o público passou a se interessar, assistir com muito gosto, se identificou. Por que isso? Por que são inúmeros os cineclubes, os programas de cinemateca, programas didáticos, debates com os autores dos filmes, a contribuição de um Eduardo Coutinho, João Moreira Salles, do Sílvio Tendler, isso tem um peso enorme, debruçados sobre a realidade brasileira, sobre personagens, o processo da civilização brasileira… isso tudo está representado nos documentários. Isso levou ao interesse do público, que passou a frequentar as salas de cinema e disputar de igual para igual com os filmes de ficção. Não é à toa que hoje em dia para você determinar se um filme é só documentário ou só ficção tem uma certa dificuldade pois as linguagens se interpenetraram as duas posturas. E a realidade é tudo que está aí, ela é difusa, chamamos de realidade para simplificar, está em volta de nós e a gente faz uma síntese dela.

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