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O rumar da humanidade

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Cláudio Emerenciano [ Professor da UFRN]

Este texto nasceu após conversa com meus netos mais velhos. João Paulo (22 anos) e Gabriel (19) não escondem suas perplexidades com o Brasil e o mundo. Relembrei, então, um ensinamento do presidente americano Franklin Roosevelt, uma das minhas admirações: “Nem sempre podemos construir o futuro para nossa juventude. Mas podemos construir nossa juventude para o futuro”. É preciso que os mais velhos abram seus corações e ideais aos mais jovens. Pensar, amar e sonhar são dons da humanidade.

O homem se supera em cada instante. Avança, inova, amplia, descobre e renasce. Tudo na vida é um novo passo, uma etapa que agrega, individual e coletivamente, a elevação da condição humana. Há retrocessos, contradições, iniquidades, misérias, injustiças, desencantos, atos insanos de violência e estupidez. Mas essa torrente de negação do sentido da vida não inviabiliza, em tempo algum, a ascensão espiritual, cultural, ética e moral do gênero humano. Viver é nascer continuamente; renascer incontidamente. Não é a civilização que define o homem. É o homem que sedimenta o teor e o peso de uma civilização. Uma iluminação transcendental, inesgotável, presença de Deus entre os homens, projetando para cada pessoa o caminho das estrelas, isto é, a visão e a perspectiva do infinito. O Eclesiastes é imutável e irrevogável. Cabe-nos captar e entender seu sentido, atualizando-o: “Não há nada de novo abaixo do sol”. Sendo assim, o homem jamais pode renunciar ao seu atributo natural e legítimo de avaliar, questionar, buscar, desvendar, sonhar e desejar. A marcha do homem não é destino. Tampouco o “déjà vu” ou fatalidade. É construção. É busca sem fim do amor. Busca de Deus.

Os tempos atuais, segunda década de um século e ainda prelúdio de um novo milênio, suscitam novos desafios. Exibem antigos e novos enigmas, germinando dúvidas e ansiedades. Também semeiam incertezas e estupefações. As respostas, paradoxalmente, emergem muito mais dos sentimentos do que da razão, da alma e dos corações dos homens do que da posse de coisas materiais, de valores do que de posições, do ato de partilha e distribuir do que do usufruto de ter e conquistar; da solidariedade em atitudes e sentimentos do que da submissão a bens e riquezas. Não estamos enveredando num novo regresso. Não voltamos ao passado. Mas o passado se converte em presente para apontar e entrever os trajetos de sublimação da condição humana. O passado, de certo modo, não deixa de clarificar caminhos, encruzilhadas e veredas. O gênio de Goethe vislumbrou, no último momento de sua vida, a dimensão dessa identidade entre Deus e os homens, entre a origem e a vocação da humanidade. Proclamou que toda e qualquer solução para todos os conflitos e antagonismos à vida humana revela a supremacia da luz sobre as trevas, da luminosidade sobre a escuridão, da vida sobre a morte, da paz sobre a guerra, do amor sobre todos os egoísmos e violências. Essa consciência ensejaria melhor utilização das inovações científicas e tecnológicas. Sedimentaria na alma humana, irreversivelmente, o verdadeiro discernimento dos desafios existenciais: o primado da lucidez, da serenidade, da justiça, da retidão e do respeito irrevogável à dignidade humana.

 Thomas Merton muito jovem renunciou à fortuna, ao luxo, à notoriedade e às paixões do mundo. Misto de pensador e homem de fé, escritor notável, depois frade trapista, em “A montanha dos sete patamares” evoca à humanidade que Jesus Cristo dimensionou o papel da verdade na vida do homem: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. Caminho, verdade e vida se integram, misturam-se, harmonizam-se, inserindo-se no sentido da Criação. São um amálgama perfeito, fusão indestrutível, divina e infinita. O medo, a ansiedade e a insegurança dos nossos dias refletem ausência e abdicação de ações e valores, que emanam da verdadeira substância da vida. Os homens podem e devem identificar dentro de si mesmos o que os torna grandes, intemporais, criadores e permanentes. Em todos os lugares do mundo, nas cidades cosmopolitas ou nas aldeias mais esquecidas e perdidas em todos os continentes, o gênero humano reclama a restauração de valores éticos e morais que o dignifiquem sem fim. Há milênios atrás, na Atenas do helenismo, Péricles, em discurso monumental, que chegou até nós, disse que o reconhecimento aos que engrandecem a coletividade não é um direito, mas um dever. Dever de gratidão, mas principalmente dever de dar continuidade aos sonhos e ideais da alma coletiva, pelos elos que se irradiam dessas atitudes e desses exemplos. André Malraux, na oração fúnebre de Charles de Gaulle, intitulada “Quando os carvalhos se abatem”, disse que a civilização se perpetua por atitudes e sonhos de pessoas incomuns, cujas vidas inspiram o caminhar das novas gerações. Essas reflexões foram precedidas, muito antes, em dois romances geniais: “A condição humana” e “A Esperança”. O primeiro transcorre em ambiente de degradantes misérias e injustiças no Vietnã sob domínio colonial da França. O outro, em cerco da cidade de Toledo, em plena guerra civil espanhola (1936/39); mergulhando nas motivações, nas ansiedades, nas angústias e nas esperanças dos combatentes, especialmente dos republicanos, que defendiam, brava e estoicamente, aquela cidade histórica, milenar, patrimônio da civilização. Passado e presente não se contrapõem. No âmbito cultural, antropológico, são desdobramentos um do outro. Seiva que faz do passado um legado vigoroso de sonhos, ideais, hábitos, costumes, tradições e instituições. É uma vertente que transpõe culturas e tempos. Pois as loucuras do mundo são efêmeras. O mal e o arbítrio não sobrevivem indefinidamente. Mas o amor, a justiça e a paz transcendem. É o rumar da humanidade… 

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