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O samba que mora no rio

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Ramon Ribeiro
Repórter

“Nasci e me criei nas Rocas. Só saí pra estudar. Fiz o ginasial no colégio agrícola de Ceará-mirim. Depois voltei pra não sair mais”, afirma Carlos Antônio Ramos, o sambista Debinha Ramos, de 57 anos, que para ilustrar sua relação com o bairro cantarola os versos da música “Meu Samba é das Rocas”, composta pelo amigo Carlos Zens: “Foi lá onde eu me criei, ouvindo samba, cantando samba. Foi lá onde os malandros do samba, no balanço do morro, eu avistava. Eu sai na minha escola. E para a minha alegria, eu canto agora”.

Debinha viveu no bairro o tempo áureo do samba local. Foi iniciado na música a partir de bambas como Lucarino, Antônio Melé, Aluízio Pereira, dentre outros.  Já na adolescência percebeu que seu destino não seria outro que não fosse o de se tornar sambista. Integrou vários grupos de samba de Natal, participou das duas principais escolas de samba do bairro – primeiro a Balanço do Morro, depois a Malandros do Samba –, chegando a se sagrar campeão com as duas. Sambista de raiz, hoje desenvolve sua carreira solo defendendo a música autoral.
Debinha Ramos | Sambista
Debinha Ramos | Sambista

Nesta entrevista para a TRIBUNA DO NORTE, Debinha lembrou de uma Rocas em que a meninada caia nas águas do Potengi sem medo, os moradores compravam peixe direito com os pescadores, na chegada dos barcos. Uma Rocas do início dos anos 1970, quando o bairro vivia uma ebulição musical, com diversas rodas de sambas nas esquinas. Tamanha efervescência daquela época levou ao desenvolvimento de duas grandes escolas de samba, quando escolas de samba eram um dos mais queridos atrativos do Carnaval de Natal. Balanco do Morro e Malandros do Samba viveram anos de forte rivalidade sadia.

Debinha lembra desse tempo mas reforça os predicados atuais do bairro. Como a gastronomia pesqueira, a cultura popular, o esporte e, claro, a música.

Futebol com Martinho da Vila

Tive uma infância cercada de praia e futebol. Certa vez, na Praia do Meio, eu e um grupo de amigos íamos bater uma bolinha quando vimos o Martinho da Vila sentado num banco. Fomos todos lá cumprimenta-lo. Ele estava numa casa de um empresário que o trouxe para shows no Teatro Alberto Maranhão. Ele bateu pelada com a gente e pagou picolé pra todo mundo. Eu tinha uns 13 anos nessa época. Cheguei em casa tarde, fui explicar pro meu pai que tinha visto o Martinho e apanhei duas vezes: por chegar atrasado e “mentir”. Depois chamei meus amigos pra comprovar a história.

Rio Potengi

Quando era menino, a gente brincava demais no rio Potengi. Os moradores iam comprar peixe na chegada dos barcos e a meninada pulava na água pra tomar banho. Também atravessávamos o rio, íamos até a Gamboa pegar caranguejo. Antes se contava histórias que se passavam no Potengi. Esse tipo de relação com rio se perdeu muito. Até porque o rio no estado que está fica difícil de tomar banho.

Convivência com os bambas

Meu primeiro contato com o samba foi por intermédio de Raimundo Menezes, grande sambista, mestre de bateria e cantor da roda de João Orestes. Raimundo era meu vizinho na rua Café Filho e costumava se juntar com uns amigos pra fazer samba na rua. Eu e a garotada ficava acompanhando aquilo. Depois veio o batuque da bateria da malandros do samba. A gente ia assistir os ensaios e daí começou o meu amor pelo samba. Depois fui conhecendo outros mestres, como Antônio Melé. Ver ele puxando sua escola me encantava. Outros bambas também foram de grande referência pra mim, como Lucarino, Farrapo, Djalma Setúbal, Chico Trunfa, Seu Aluizio Pereira.

Balanço do Morro

Das escolas de samba, cheguei primeiro na Balanço do Morro, em 1980. Mestre Lucarino me deu a oportunidade de compor o samba enredo da escola para o carnaval de 82, juntamente com ele, João Galvão e Jotabe: “Chove prata no reino do carnaval”. A Balanço sagrou-se campeã do carnaval com esse enredo. Lucarino foi o grande inspirador para que eu me tornasse sambista.

Malandros do Samba

Em 1983 eu fui morar próximo à sede da Malandros do Samba e comecei a frequentar a escola. Rolava um samba nos fins de semana e eu tava lá participando. Em seguida fui convidado pra ajudar na equipe de intérpretes. Nesse ritmo fui me identificando com o pessoal da escola e formei dupla de puxadores com Miguel, grande intérprete e puxador por muitos carnavais.

Rivalidade

A relação dos moradores com as escolas de samba já foi maior. Antigamente, na época do carnaval, as Rocas se dividia ao meio. Era um amor imenso pelas escolas, uma torcida enorme por ambas. Ainda existe toda essa rivalidade, mas não tem o mesmo apelo de outras épocas. Balanço do Morro e Malandros do Samba são as maiores até hoje, mas poderia ser diferente se tivesse havido uma política de inserção dos jovens e crianças nas nossas escolas. Outros ritmos de massa surgiram e com o passar do tempo, o samba foi ficando adormecido, infelizmente.

As escolas

Tenho grande respeito por Dona Dorinha, viúva do mestre Lucarino e presidente de honra da Balanço, como também por Seu Aluizio Pereira,  baluarte e primeiro presidente da Malandros. Além das duas escolas, já compus enredo para a Imperatriz Alecrinense, Em Cima da Hora,  Crioulos Fantásticos, Caprichosos do Areal. Mas meu amor mesmo é pela Balanço e pela Malandros. Tenho essa bigamia no samba.

Samba sobre as Rocas

Nunca tive a oportunidade de compor samba enredo sobre as Rocas. Nenhuma escola até agora saiu falando exclusivamente do bairro. No carnaval deste ano, a Malandros homenageou o centenário do samba e eu compus, juntamente com Gerson, Anna Fernandez e Marieta Maia, o samba cujo o refrão citava o nosso bairro. “Eu sou das Rocas, berço de bambas, sou a malandragem do samba, o meu batuque é do mar, é de maré, vem da raiz, vem do axé, eu sou Malandros do Samba no pé, no jogo das cartas, eu sou Melé”. Espero que um dia uma escola das Rocas homenageie  seu próprio berço.

Blocos de Rua

O carnaval das Rocas sempre foi feito pelas escolas, blocos, charangas e orquestras de frevo. Teve uma época onde o folião viajava paras as praias e deixava o bairro meio vazio, mas isso vem mudando nos últimos anos. Exemplo disso são os blocos As Guerreiras, que existe há 28 anos e leva uma multidão de foliões às ruas. Mas também outros blocos, como a Banda Carcará, o Pinto Pelado, Bloco do PV (que é o mais antigo do bairro), Os Grávidos, o Bloco dos Idosos, Zé Buceta,  entre outros. Apesar das melhoras, ainda falta um investimento maior por parte do órgão gestor da cultura do município para melhorias no pólo.

Rodas de Samba o ano inteiro

As rodas de samba no bairro acontecem no quintal da Balanço do Morro, aos domingos, sob o comando de Rogerinho, filho do mestre Lucarino. Na sede do Racing, na Rua do Areal, outra roda, desta vez com o grupo Amantes do Samba. Na sede do Palmeiras a galera do roda de bambas também costuma se reunir pra tocar e tomar umas.

Cultura e Lazer

Dentre os espaços de lazer temos o estádio sen. João Câmara e o campus do IFRN que abre suas portas pra comunidade em datas comemorativas. Na cultura o bairro conta com os espaços da Balanço do Morro, Malandros do Samba, Araruna, Axé Obá e o antigo Hospital dos Pescadores, que hoje funciona como centro de convivência, com atividades de dança, música e artes plásticas.

Valorização da cultura do bairro

A juventude hoje está muito ociosa. Não só lá, mas na cidade inteira. O que falta para melhorar o bairro é uma política mais incisiva para os jovens terem oportunidades. Tanto na parte de cultura como esportiva. Os meninos nas Rocas já nascem com uma bagagem cultural que é própria do bairro. Rocas é um berço de cultura, uma referência pra cidade. Seria importante investir nisso, nas escolas, oferecer aulas de música, palestras.

Relação de altos e baixos

Samba passou por revezes durante anos, não foi privilégio só das Rocas. A história conta muito bem isso. O que ocorreu é que o sambista era tratado como malandro, vagabundo e vivia à margem da sociedade. Até porque a origem do samba é na periferia. O pai não queria que sua filha namorasse um sambista, então o jeito era roubar a moça pra casar. Tem um samba de Melé que trata disso: “malandro é filosofia dentro do samba. Ele é malandro, nunca foi vagabundo, guarda toda economia para gastar na festa maior deste mundo”.

Rocas no Carnaval de Natal

 Principalmente no apoio aos blocos que desfilam pelas ruas nos dias de carnaval. Se acena para 2018 essa possibilidade de crescimento. O secretário Dácio Galvão (Fundação Capitania das Artes) vai sentar nos próximos dias com os blocos do bairro para fecharmos uma programação onde o folião das Rocas não precise se deslocar do bairro pra brincar seu carnaval. Além dos shows de palco, temos uma orla convidativa.

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