quinta-feira, 25 de abril, 2024
32.1 C
Natal
quinta-feira, 25 de abril, 2024

O sentido das coisas

- Publicidade -
Cláudio Emerenciano
Professor da UFRN
Tudo tem sentido. Nada, nesse mundo tão vasto e complexo, heterogêneo e deslumbrante, enigmático e arrebatador, devassável e oculto, perceptível e desconhecido, deixa de ter sentido. Tudo é manifestação da beleza infinita de Deus. Do seu amor eterno, sem começo nem fim. As contradições, iniqüidades, violências e injustiças humanas são antíteses, que explicitam a contínua e renovada “queda dos anjos” dentro de nós. E as misérias? O nascer e viver nas sarjetas das cidades e dos campos? Como explicar? Como entender?  Não há como justificar ou compreender. São, infelizmente, ensinou o gênio, o saber, a luminosidade e a santidade de Tomás de Aquino, conseqüências e desdobramentos do pecado social, o “pecado de todos nós”. Das gerações passadas, presentes e futuras. Essa não é uma visão fatalista, amarga, sombria, destituída de fé e esperança na condição humana. Pelo contrário. A previsão de futuro não ultrapassa uma geração. Pois as coisas do mundo e da vida se transformam, modificam-se, evoluem e ascendem a Deus e à sua Luz.

A predominante ausência de solidariedade, fraternidade, humildade e humanidade nos dias de hoje, em escala planetária, deve reanimar, como nos primórdios da cristandade, a disponibilidade individual e coletiva para crescer no amor, na paz, em harmonia com todas as coisas da Criação. A beleza está dentro e em redor de nós. Do nascer ao último instante da vida humana e racional. Como sempre, tendemos a ignorar o óbvio. É uma fragilidade anímica. Recusamo-nos a partilhar e desfrutar da beleza na qual estamos inseridos: “Olhai os lírios dos campos. Eles não fiam, nem tecem. Eu, contudo, vos afirmo, que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva que hoje está no campo e amanhã é lançada no forno, quanto mais tratando-se de vós, homens de pouca fé” (Lucas12,27). Eis o desafio da fé. Descobrir dentro de nós o próprio Deus. Senti-Lo e amá-Lo. O homem foi contemplado, especial e exclusivamente, com essa manifestação de amor: “Não vem o reino de Deus com visível aparência. Nem dirão: Ei-lo aqui. Ou: Lá está! Porque o reino de Deus está dentro de vós” (Lucas 17,22). No mundo de hoje se alastra a concepção,  através da internet e pela televisão, de que ser bom, ser generoso, ser humilde, ser sincero, ser honesto, ser coerente, ser crédulo, ser justo, ser solidário, ser pacífico, é ser ingênuo, medroso, fraco e derrotado. Ledo engano. Esses são os vitoriosos, bem-aventurados, que desfrutam verdadeiramente de sua filiação com Deus. São cordeiros no meio de lobos. Que se elevam pela pureza dos seus sentimentos: “Em verdade vos digo: Quem não receber o reino de Deus como uma criança de maneira alguma entrará nele” (Lucas 18,17). Isso é renascer, disse Jesus a Nicodemos. Nascer sempre…

Entretanto agitações, violências, maldades, contradições, perplexidades e incertezas, cada vez mais dominantes nos dias atuais, remetem o cidadão comum a uma série de indagações sobre o sentido da própria vida. Muito provavelmente além do que foi refletido, previsto e questionado por sábios e filósofos anteriormente em toda vertente dos tempos. Abate-se sobre a humanidade a pior de todas as crises: a crise de espiritualidade, que debilita, aqui e ali, a esperança em âmbito pessoal e coletivo. Em outros tempos se dizia que as novas gerações carregavam, no âmago do espírito e do coração, um renovar-se de esperanças. Que contagiava uns e outros de maneira interdependente, realimentando crenças, valores, ideais, sentimentos e motivações dos mais velhos. Paradoxalmente, a velhice, tempo de paz, serenidade, equilíbrio, compreensão, paciência, tolerância, despojamento, enfim, de saber vivido, detecta, em escala planetária, as vibrações desse “tsunami” humano, social e cultural. Há uma ruptura em curso, com extensão maior ou menor em cada país, nação, região, lugar. O “admirável mundo novo”, moldado, plasmado e consagrado na “aldeia global”, emerge, sobretudo e principalmente, da internet e da televisão globalizadas. Esses dois notáveis instrumentos de comunicação social olvidam ou ignoram seus compromissos éticos e sociais. Responsabilidade que não lhes é imposta, mas nasce e decorre de sua origem e do seu fim: servir à humanidade e ampliar laços que estreitem os homens entre si. Na espiral de desumanidade por elas difundida e realimentada, as nações se estiolam ante a perda gradual de valores e ideais que as formaram. A deterioração das condições ambientais em todo o mundo, fruto principalmente da inoperância e despreparo de governantes e da ganância de poderosos, remete a questão a um patamar apocalíptico, incontrolável, imprevisível e devastador. Alastra-se a cultura do egoísmo e da indiferença, ceifando a solidariedade internacional. Irrompem surtos de fanatismo e ódio, que desagregam nações tradicionalmente  pacíficas e conciliadoras. A política está submetida à mediocridade, ao radicalismo e à falta de espírito público. O quê dizer?  

Mas não esqueçamos o passado, que ainda sobrevive no presente. Ludwig van Beethoven foi um gênio da música e da humanidade. Em 1816, aos 46 anos, ficou completamente surdo. Mesmo assim, compôs a genial 9ª. Sinfonia. Que inovou também por incorporar coro. Eis o que ele disse ao maestro Umlauf, que a regeu em seu lugar: “As vibrações no ar são o sopro de Deus falando à alma dos homens. A música é o idioma de Deus. Os músicos são aqueles homens que mais se aproximam de Deus. Nós ouvimos a sua voz, nós lemos seus lábios. Nós damos à luz os filhos Dele, que o glorificam. Os músicos são assim. Se não formos assim não somos nada”. Nesses momentos de beleza e ternura, os homens falam com Deus. Assim seja…  

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas