A predominante ausência de solidariedade, fraternidade, humildade e humanidade nos dias de hoje, em escala planetária, deve reanimar, como nos primórdios da cristandade, a disponibilidade individual e coletiva para crescer no amor, na paz, em harmonia com todas as coisas da Criação. A beleza está dentro e em redor de nós. Do nascer ao último instante da vida humana e racional. Como sempre, tendemos a ignorar o óbvio. É uma fragilidade anímica. Recusamo-nos a partilhar e desfrutar da beleza na qual estamos inseridos: “Olhai os lírios dos campos. Eles não fiam, nem tecem. Eu, contudo, vos afirmo, que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva que hoje está no campo e amanhã é lançada no forno, quanto mais tratando-se de vós, homens de pouca fé” (Lucas12,27). Eis o desafio da fé. Descobrir dentro de nós o próprio Deus. Senti-Lo e amá-Lo. O homem foi contemplado, especial e exclusivamente, com essa manifestação de amor: “Não vem o reino de Deus com visível aparência. Nem dirão: Ei-lo aqui. Ou: Lá está! Porque o reino de Deus está dentro de vós” (Lucas 17,22). No mundo de hoje se alastra a concepção, através da internet e pela televisão, de que ser bom, ser generoso, ser humilde, ser sincero, ser honesto, ser coerente, ser crédulo, ser justo, ser solidário, ser pacífico, é ser ingênuo, medroso, fraco e derrotado. Ledo engano. Esses são os vitoriosos, bem-aventurados, que desfrutam verdadeiramente de sua filiação com Deus. São cordeiros no meio de lobos. Que se elevam pela pureza dos seus sentimentos: “Em verdade vos digo: Quem não receber o reino de Deus como uma criança de maneira alguma entrará nele” (Lucas 18,17). Isso é renascer, disse Jesus a Nicodemos. Nascer sempre…
Entretanto agitações, violências, maldades, contradições, perplexidades e incertezas, cada vez mais dominantes nos dias atuais, remetem o cidadão comum a uma série de indagações sobre o sentido da própria vida. Muito provavelmente além do que foi refletido, previsto e questionado por sábios e filósofos anteriormente em toda vertente dos tempos. Abate-se sobre a humanidade a pior de todas as crises: a crise de espiritualidade, que debilita, aqui e ali, a esperança em âmbito pessoal e coletivo. Em outros tempos se dizia que as novas gerações carregavam, no âmago do espírito e do coração, um renovar-se de esperanças. Que contagiava uns e outros de maneira interdependente, realimentando crenças, valores, ideais, sentimentos e motivações dos mais velhos. Paradoxalmente, a velhice, tempo de paz, serenidade, equilíbrio, compreensão, paciência, tolerância, despojamento, enfim, de saber vivido, detecta, em escala planetária, as vibrações desse “tsunami” humano, social e cultural. Há uma ruptura em curso, com extensão maior ou menor em cada país, nação, região, lugar. O “admirável mundo novo”, moldado, plasmado e consagrado na “aldeia global”, emerge, sobretudo e principalmente, da internet e da televisão globalizadas. Esses dois notáveis instrumentos de comunicação social olvidam ou ignoram seus compromissos éticos e sociais. Responsabilidade que não lhes é imposta, mas nasce e decorre de sua origem e do seu fim: servir à humanidade e ampliar laços que estreitem os homens entre si. Na espiral de desumanidade por elas difundida e realimentada, as nações se estiolam ante a perda gradual de valores e ideais que as formaram. A deterioração das condições ambientais em todo o mundo, fruto principalmente da inoperância e despreparo de governantes e da ganância de poderosos, remete a questão a um patamar apocalíptico, incontrolável, imprevisível e devastador. Alastra-se a cultura do egoísmo e da indiferença, ceifando a solidariedade internacional. Irrompem surtos de fanatismo e ódio, que desagregam nações tradicionalmente pacíficas e conciliadoras. A política está submetida à mediocridade, ao radicalismo e à falta de espírito público. O quê dizer?