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O soldado boliviano e a cientista

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Tomislav R. Femenick
Historiador

Rogaciano Leite, um pernambucano dublê de cearense, era formado em letras clássicas pela Faculdade de Filosofia do Ceará, além de jornalista, poeta e escritor – em 1950 publicou o livro Carne e Alma, com prefácio de Luís da Câmara Cascudo. Assim como eu, foi também bancário do Banco do Nordeste. Foi nessa circunstância que eu o conheci. Era um prodigo contador de estórias. Entre tantas, gastava de citar uma vivenciada por ele em uma cidade do interior da Bolívia: saindo de uma bebedeira, ele teria visto um soldado da polícia dormindo, certamente também bêbado, em um banco de jardim. Para fazer graça, Rogaciano teria gritado: “se despierta boliviano”. A reação do saldado boliviano foi surpreendente: deu um pulo e gritou: “valei-me meu padim padre Cícero”. O soldado boliviano era cearense e sentou praça naquele país com a credencial que tinha pertencido ao Exército da Borracha, composto de nordestinos que foram para a Amazônia extrair borracha, durante a Segunda Guerra. Dizia Rogaciano que o saldado boliviano-cearense – ou cearense-boliviano – era, de certa forma, o resultado primário da exportação de cérebros brasileiros para exterior.

Nos últimos anos e mutatis mutandis (alterando o que tem que ser alterado), a crise brasileira está impulsionando a transferência de tecnologia e conhecimento do Brasil para o exterior. Podemos tomar como exemplo o esvasiamento do Laboratório de Doenças Neurodegenerativas do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que já perdeu sete pesquisadores (dois doutores e cinco alunos de doutorado) e que já recebeu aviso de que outros dois vão embora.

O problema atinge várias áreas e os exemplos são muitos. A astrônoma Duilia de Mello foi para os Estados Unidos e hoje é pesquisadora do Instituto de Astrofísica da Universidade Católica de Washington e colaboradora da NASA. A neurocientista Suzana Herculano-Houzel deixou a UFRJ e se mudou para a Universidade Vanderbilt, em Nashville. Segundo o cientista (físico teórico) norte-americano Michio Kaku é o sistema de visto conhecido como H-1B, destinado às profissionais qualificados com formação universitária ou experiência de trabalho, que alavanca o desenvolvimento dos Estados Unidos. Isso porque tem por objetivo levar para lá o maior número possível de “cérebros edificantes”, aqueles que fazem, por exemplo, o Vale do Silício.

Mas o fato não se restringe à área acadêmica. Profissionais de todas as áreas estão indo embora. Engenheiros, nutricionistas (entre eles a minha sobrinha Renata Goos, atualmente trabalhando em Houston, no Texas, onde é a supervisora líder de logística da petrolífera Halliburton Company), médicos, geólogos, economistas, agrônomos etc.

Além do mais, não é algo que só acontece agora. Em 1967 publiquei no Diário de Natal, no jornal O Povo (de Fortaleza) e no Diário de Pernambuco, uma entrevista com José Edmilson de Souza, professor da Faculdade de Ciências Econômicas de Mossoró, que regressava de Salt Lake City, capital do Estado de Utah, onde concluiu um curso de especialização na Utah States University. Naquele remoto ano (já lá se vão cinquenta anos), já dizia o Dr. Edmilson:

– “A formação de cientistas e técnicos no estrangeiro oferece dois ângulos bastante diferentes e mesmo antagônicos. Quando um aluno ou professor vai ampliar o seu conhecimento em outro país, a lógica diz que os seus conhecimentos devem ser aplicados no país de origem, usando as condições locais como meio de desenvolvimento. Acontece que às vezes as coisas ocorrem ao contrário e ao invés de se contar um técnico especializado perde-se um elemento que poderia participar da luta pelo desenvolvimento. Diversas são as causas que poderão influir para que um bolsista no exterior não volte ao seu país de origem. Entre elas, e principalmente, está o fator de ali poderem receber melhores salários e ter um melhor nível de vida. É comum o oferecimento de cargos a bolsista por parte de firmas americanas. Quanto mais capacitado for o técnico, maiores serão as ofertas. Por outro lado, há grande atração que, exercem os mestres de renome mundial em diversos campos. Quem não deseja trabalhar com um portador do prêmio Nobel, por exemplo? Além de se trabalhar menos e ganhar mais. Aqui a média é de 40 horas semanais. Nos Estados Unidos, por exemplo, essa média é de 25 horas”.

Todos vão em busca da felicidade, embora longe da terra natal, dos parentes, dos amigos.

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