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O STF pode tudo?

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Merval Pereira

O Supremo Tribunal Federal (STF) julga hoje, sob pressão da opinião pública, a liminar que seu presidente, ministro Dias Toffoli, deu em julho passado suspendendo todos os inquéritos baseados em informações do antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e da Receita Federal.
A decisão foi tomada a pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro, que alegou que a investigação do Ministério Público do Rio sobre sua vida financeira fora baseada em informações detalhadas fornecidas pelo Coaf, o que representaria uma quebra ilegal de seu sigilo bancário.

Além de paralisar mais de 900 inquéritos por todo o país, a atitude de Toffoli teve consequências graves: três meses depois da liminar, o presidente do STF requisitou ao Coaf (atual Unidade de Inteligência Financeira) e à Receita Federal todos os inquéritos existentes nesses órgãos, mais tarde exigindo o nome dos auditores que tinham acesso àquelas informações.

Embora tenha revogado sua própria decisão, até anteontem ele tinha possibilidade de acesso a dados de 600 mil pessoas com detalhamento de todas as informações que ele considerou ilegais na liminar. Não os deve ter acessado, porque o Coaf os enviou digitalizados, juntamente com uma senha que identificaria quem no STF os consultou.

Mas a Receita Federal enviou os documentos em papel, e Toffoli esqueceu-se, num primeiro momento, de devolver também esses dados, só o fazendo ontem. Revogou essas medidas escandalosas porque não teria como defendê-las no plenário na sessão de hoje.

Em manifestação encaminhada aos ministros do STF, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu que seja revogada a decisão liminar de Toffoli. O procurador-geral explicou ainda que órgãos de persecução penal (Polícia Judiciária e Ministério Público) não têm acesso à integralidade dos dados fiscais e bancários dos contribuintes, mas, apenas, àqueles específicos cujo repasse se faça necessário para possibilitar que o Estado atue na prevenção e repressão de ilícitos penais.

Vivemos no Brasil um paradoxo terrível. O Judiciário, através do presidente do STF, diz que o Tribunal é que garante o combate à corrupção. Verdade que teve posição muito importante no mensalão, que deu origem à devassa que acabou no petrolão. Mas o que se vê no momento é um colocar de dificuldade para apuração de lavagem de dinheiro e corrupção.

É um absurdo proibir o Coaf de trabalhar nos moldes internacionais, como vinha sendo feito há anos. O jurista americano Jack de Kluiver, ex-integrante do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi ), que atua globalmente no combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, diz que exigir uma autorização judicial para que uma unidade como o Coaf compartilhe informações com os órgãos de investigação “não é um padrão internacional”.

Segundo ele, unidades de inteligência financeira precisam ser independentes, e ter acesso a dados detalhados sobre movimentação bancária. A princípio, o plenário do STF ficaria dividido em decisão polêmica como essa, mas é preciso levar em conta que se estará julgando uma decisão do próprio presidente.

Os recuos de Toffoli indicariam que ele não conta com o apoio da maioria nessa sua cruzada, e estaria tentando minimizar os danos. A única explicação para as atitudes de Toffoli é que informação é poder. O STF está ganhando poderes que não são dele, porque há um vácuo de poder no país.

Um Executivo disfuncional faz com que os outros poderes, como o Congresso e o Judiciário, assumam para si poderes que não lhes pertencem, inclusive de blindagem do presidente Bolsonaro e sua família, a pretexto de viabilizar a governabilidade. O Congresso e o STF, ao contrário, deveriam atuar para garantir os direitos dos cidadãos contra investidas antidemocráticas.

Um Supremo superpoderoso não funciona numa democracia, e por isso governos autoritários tentam dominar as Cortes Superiores, como fizeram na Bolívia, na Venezuela. No Brasil, vivemos uma situação extraordinária, onde o próprio Supremo arvora-se em partícipe do jogo político nacional, com poderes acima dos demais.

Mas votar contra essa situação é ir contra a própria corporação. Se houver uma visão crítica das atitudes do presidente do STF, será uma reunião plenária conflituosa. Veremos o que vai prevalecer, o corporativismo, ou a preservação de um espaço democrático onde, mesmo quem pode muito, não pode tudo.

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