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“O terror não está de volta à Italia”

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Por André Lachini – da Agência Estado

SÃO PAULO – Os atos violentos que ocorreram recentemente na Itália, com ataques aos escritórios da Equitalia – agência fiscal do governo que recebe impostos – e atentados a bomba em escolas, não representam a volta do terrorismo de esquerda e de direita que atingiu o país na década de 1970. Essa é a avaliação do diretor da Escola de Ciências Políticas da Universidade de Siena, professor Maurizio Cotta, baseado na região da Toscana, Itália central. Cotta afirma que a sociedade italiana, mesmo atingida pela crise, não aceita mais a violência política.
Maurizio Cotta, diretor da Escola de Ciências Políticas da Universidade de Siena: Os ataques recentes combinam dois fatores: a política contra a evasão fiscal e a crise econômica.
O ataque a bomba contra a escola secundária Francesca Falconi, que ocorreu dia 19 em Brindisi, na região da Puglia, matou a estudante Melissa Bassi, de 16 anos, e feriu outrras cinco adolescentes. O ataque é investigado e existem suspeitas que possa ter sido feito pela máfia local, a Sacra Corona Unita – a violência não estaria vinculada a grupos políticos de esquerda ou de direita.

Em entrevista exclusiva à Agência Estado, Cotta acredita que vários grupos civis, que representam funcionários públicos, alguns setores do empresariado e até profissionais organizados, como taxistas, impedem que a Itália se modernize mais rapidamente e supere os problemas sociais que ainda existem. Na política, entretanto, ele acredita que possa estar ocorrendo uma mudança, com as lideranças de Silvio Berlusconi e Umberto Bossi na centro-direita e a direita na Itália nas últimas duas décadas chegando ao ocaso. Leia os principais trechos da entrevista a seguir:

AE – Recentemente, houve ataques a bomba contra escritórios fiscais da Equitalia em algumas cidades italianas. Esses ataques são uma consequência da crise econômica que atinge o país?

Cotta – Os ataques contra a Equitalia refletem provavelmente a combinação de dois fatores. O primeiro é a política cada vez mais forte do Estado contra a evasão fiscal, que é muito difundida na Itália. Essa ação já havia começado nos últimos anos do governo Berlusconi, conduzida pelo então ministro das Finanças Giulio Tremonti, mas foi reforçada e propagandeada pelo governo Monti. O segundo fator é a crise econômica, que colocou em dificuldades muitos pequenos empresários que então passaram a ter de pagar os impostos. Eles não estavam acostumados a isso em um momento difícil.

O primeiro-ministro da Itália, Mario Monti, disse na semana passada que agora é preciso passar à “fase dois” do plano econômico, ou seja, a fase do crescimento da economia. Monti pode ter feito essa declaração por temer o efeito do contágio da potencial saída da Grécia da zona do euro sobre a economia italiana?

Foi o temor do contágio grego a mola propulsora que levou Monti ao governo em novembro de 2011. Esse temor permanece presente até agora, apesar de alguma melhora na situação italiana. A resposta a esse medo foi sobretudo dada pela melhora do orçamento público italiano, com o aumento dos impostos sobre os imóveis (na prática, uma taxa sobre o patrimônio) e pela reforma da previdência. A ação para o crescimento é o outro instrumento do governo Monti, mas até agora se revelou bem mais difícil do que o outro.

Que efeito pode ter a vitória do candidato socialista François Hollande nas eleições presidenciais francesas sobre a esquerda italiana? Existe um significado, qual o sinal vindo de Paris para a Itália?

Certamente os políticos da esquerda italiana podem esperar um certo “contágio francês” que leve a opinião pública a olhar positivamente nessa direção política. Mas em geral os partidos na Itália esperam que uma ação conjunta da Itália com a França possa convencer a Alemanha a adotar uma política para o crescimento econômico.

Existem episódios de desespero na Itália com a crise O senhor diria que os suicídios de empresários que ocorreram no norte da Itália fazem parte desse cenário? Em que medida a sociedade italiana, que era muito próspera nos anos 1980-90, foi golpeada pela crise?

Naturalmente, seria necessário ter dados estatísticos precisos para entender o quanto cresceram os suicídios, mas é bem provável que a crise e as dificuldades dos pagamentos sejam a razão que empurra sobretudo os micro e pequenos empresários ao suicídio.

O senhor acredita que Mario Monti enfrenta fortes interesses políticos na Itália? Quais são os grupos que atualmente representam esses interesses? Os industriais da Cofindustria, os sindicatos, ou os funcionários públicos?

Os grupos de interesse que tornam difícil uma ação modernizadora da Itália e uma liberalização da economia do país que favoreça o crescimento econômico são vários. Certamente incluem os sindicatos, principalmente os de funcionários públicos, e a Cofindustria, que pede reformas, mas que ao mesmo tempo defende muitos privilégios, situações de monopólio, etc. Mas (inclui) também as categorias profissionais mais bem organizadas, como taxistas, notários, médicos, juízes.

A centro-esquerda venceu as eleições locais em várias cidades italianas em 6 e 7 de maio. O senhor acredita que essa é uma tendência que se repetirá nas eleições gerais de 2013?

Esta tendência pode se repetir em 2013, mas a centro-esquerda terá, de qualquer forma, grandes problemas pela frente, porque essas eleições sinalizarão também uma fragmentação do campo político, com novas forças como o movimento de Beppe Grillo (humorista) e que não tendem a formar alianças. (Beppe Grillo fundou e lidera um movimento contra a política tradicional. O movimetno de Grillo conquistou a Prefeitura de Parma nas eleições municipais de 6 e 7 de maio)

O secretário do PDL (Povo do Povo da Liberdade, de Silvio Berlusconi), Angelino Alfano,  admitiu a derrota eleitoral em 6 e 7 de maio. O senhor acredita que a centro-direita na Itália perdeu grande parte do apoio popular? Isso ocorreu apenas por causa da crise econômica ou Berlusconi sofreu uma forte perda de carisma?

Os dois maiores partidos da centro-direita – O PDL e a Liga do Norte – estão em grandes dificuldades. Antes de mais nada porque faziam parte do governo durante o auge da crise e mostraram escassa capacidade de enfrentá-la com decisão; em segundo lugar porque ambos eram partidos dominados por líderes em queda, Berlusconi no PDL e Uberto Bossi na Liga. Os dois líderes chegaram ao ocaso da vida política. Os dois partidos terão de se reinventar, mas isso é difícil porque faltam – sobretudo no PDL – líderes com credibilidade e com capacidade inovadora.

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