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Ocidente quer se livrar de Kadafi

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Paisley Dodds – Associated Press

Londres – Quando Muamar Kadafi disse ao mundo que era um homem mudado, alguns líderes mundiais reagiram com ceticismo. Outros, como o britânico Tony Blair, foram mais rápidos em ver os benefícios da reaproximação com o país, rico em petróleo. Agora, em um momento no qual o regime de Kadafi parece ruir, são levantadas perguntas sobre se a Grã-Bretanha, os Estados Unidos e outros países não foram muito rápidos em acolher um déspota volúvel ligado a grupos extremistas e a atos opressivos ao buscarem lucrativos acordos comerciais.

Esses acordos, no valor de bilhões de dólares, estão agora em risco na medida em que a Líbia se dirige para uma guerra civil. A decisão estratégica de construir ligações com líderes como Kadafi, o egípcio Hosni Mubarak e o tunisiano Ben Ali também ameaçam inflamar o sentimento contra o Ocidente no mundo árabe.

O papel de Blair foi particularmente vital na reabilitação internacional de Kadafi. O ex-primeiro-ministro britânico viajou para a Líbia em 2004 e conversou com Kadafi no interior de uma tenda beduína. Ele elogiou o encerramento dos programas de armas nucleares e químicas da Líbia e destacou a necessidade de novas alianças após os ataques de 11 de setembro de 2001 contra os Estados Unidos. Os acordos comerciais com a Grã-Bretanha começaram logo depois.

A Grã-Bretanha vendeu cerca de 40 milhões de libras (US$ 55 milhões) em equipamentos militares no ano encerrado em 30 de setembro de 2010, segundo estatísticas do Ministério de Relações Exteriores britânico. Dentre os itens vendidos estão fuzis de precisão, veículos a prova de balas, munição para contenção de multidões e gás lacrimogêneo. “O que o Ministério de Relações Exteriores pensou que o coronel Kadafi faria com fuzis de precisão e granadas de gás lacrimogêneo? Caças toupeiras?”, questionou o jornal britânico The Guardian.

Embora o atual governo britânico, liderado por David Cameron, tenha revogado dezenas de licenças de exportação para a Líbia após os episódios de violência no país, muitos dizem que os mesmos equipamentos e armas que a Grã-Bretanha vendeu para a Líbia estão sendo usados contra o povo do país.

O Serviço Especial Aéreo (SAS, pela sigla em inglês) da Grã-Bretanha também participou de recentes treinamentos para soldados líbios nos setores de contraterrorismo e vigilância. Robin Horsfall, ex-soldado da SAS, disse na época que o treinamento foi um erro. “Pessoas vão morrer como resultado desta decisão”, advertiu ele.

Desde que a Escócia libertou Abdel Baset al-Megrahi – o único condenado pelo ataque a bomba contra o avião que fazia o voo 130 da Pan Am, que explodiu sobre a cidade de Lockerbie, Escócia -, legisladores norte-americanos têm acusado a Grã-Bretanha de apoiar a libertação do líbio em troca de acordo com petróleo.

Jogo empresarial leva EUA a calar sobre relatórios

Em 2008, o ex-presidente George W. Bush enviou sua principal diplomata, Condoleezza Rice, para a Líbia para conversar com Kadafi. Ela disse que a viagem era “histórica” e afirmou que teve de “superar muita dificuldade, o sofrimento de muitas pessoas que nunca serão esquecidas ou acalmadas”. No mesmo ano, a texana Exxon Mobil assinou um acordo de exploração com a Corporação Nacional de Petróleo da Líbia para explorar hidrocarbonetos na costa do país norte-africano.

A alta comissária da Organização das Nações Unidas para os direitos humanos, Navi Pillay, lembra que líderes norte-americanos a desencorajaram a pressionar a Líbia por causa dos relatórios ruins sobre direitos humanos. “Nos últimos dias (do governo Bush) eu me encontrei com alguns representantes da administração norte-americana”, contou Pillay em entrevista à Associated Press. “Eles disseram que os relatórios da Líbia estavam bem e que não precisaríamos entrar neste assunto.”

Muitos na comunidade de inteligência disseram, na época, que viam a suposta transformação de Kadafi com otimismo cauteloso. “Ele dizia que queria combater o extremismo, o que encaramos mais positivamente do que os norte-americanos”, disse Ilan Mizrahi, que já foi o número dois no comando da agência de inteligência israelense, o Mossad. “Mas também dissemos para serem cautelosos com esses momentos de sanidade.”

Poucos líderes europeus escaparam da ira de editoriais de jornal ou de embaraçosas montagens com fotografias com o excêntrico líder. Os ex-primeiros-ministros britânicos Blair e Gordon Brown, o presidente francês Nicolas Sarkozy, o então chanceler alemão Gerhard Schroeder e o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi estão entre eles. O encontro do Ocidente com Kadafi e outros já irritou alguns manifestantes, que sentiram que as grandes potências mantiveram os opressores no poder e os enriqueceram, enquanto enganavam as pessoas comuns sobre as riquezas que as petrolíferas estrangeiras receberam.

Para a Alemanha, a visita de 2004 de Schroeder ocorreu depois de um acordo da Líbia para pagar indenização para as vítimas de um ataque a bomba em 1986 contra uma discoteca, em Berlim Ocidental. A França também cortejou Kadafi em 2007. Mas para a Grã-Bretanha a revolta na Líbia tem sido ainda mais embaraçosa. Kadafi foi fornecedor do Exército Republicano Irlandês e seguidamente ligado ao ataque em Lockerbie, embora nunca tenham surgido provas para as acusações.  Ainda assim, quando o homem responsabilizado pelo ataque foi libertado em 2009 por razões humanitárias, por padecer de um câncer em estado terminal,  Kadafi e seu filho fizeram uma extravagante festa de boas-vindas em sua casa.

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