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Oh! Que saudade!

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Diógenes da Cunha Lima 
Escritor, advogado e presidente da ANL
Infância lúdica e linda, infância que, mesmo longe, continua em mim ainda, parodiando Vinícius de Moraes.

Para onde vou, andam comigo os meus pais, irmãos, amigos, a Igreja matriz, o rio Curimataú.

Toda manhã, éramos acordados por nosso pai para tomar um copo de leite e… dormir de novo. Meu pai, com a toalha no pescoço e antes do banho, recitava poetas de sua predileção, entre os quais Guerra Junqueiro e Augusto dos Anjos. Às vezes, uma palavrinha sobre escritores como José Lins do Rego e Câmara Cascudo.

A famosa feira de Nova Cruz era também dos cantadores, talentos da improvisação, rimas e histórias que encantavam o menino.

No quarto dos meninos, meu e de Daladier, via-se um anjo da guarda que nos protegia. Só não conseguia nos proteger das apavorantes histórias de Lúcia, a babá. A “Anta Esfolada”, ao mesmo tempo, assombrava e encantava. Outra história de assombração que ficava em cima da parede tinha voz rouca e dizia “eu caio”. E caía a cabeça. Eu caio e caía um braço. O menino fechava os olhos para não ver as futuras quedas. Com a babá, aprendemos a palavra “suicídio”. Acordou-nos na madrugada para dizer do suicídio do meu tio Dimóstenes, o pai de Ronaldo e outros dez primos.

As pessoas eram, ou melhor, pareciam eternas. O comerciante Pedro Ferreira, de careca brilhante, multiplicava qualquer número de forma mais ágil do que qualquer calculadora; o médico Otacílio Lira receitava quase sorrindo, o dentista Gilberto Tinoco tinha uma ameaçadora máquina zunideira acionada por pedal; O imponente deputado Lauro Arruda Câmara radicalizava, enquanto Dona Joanita sorria e praticava a bondade, principalmente para as pessoas mais humildes. São tantas pessoas inesquecíveis…

Como eu era alto e magro, ganhei o apelido de “pirulito”. Não adiantou o consolo da minha prima Elza dizendo que era porque eu era doce.

No Colégio Nossa Senhora do Carmo das Irmãs Franciscanas, a turma tinha cinquenta meninas e apenas três meninos. Uma vez, quis fechar uma janela dizendo estar resfriado e poderia vir um “ar de vento”. As meninas logo me deram um novo apelido: “Advento”. Fizeram até um coral gozativo. Hoje teria sido bullying.

A Irmã Beatriz sugeriu que eu decorasse o mais famoso poema de Casimiro de Abreu. Não consegui passar da primeira estrofe. Pensando bem, aos onze anos não poderia ter saudade da aurora. E mais: O poeta fala “à sombra das bananeiras”. Bananeira não dá sombra a ninguém.

O trem da Great Western transportava gente, água, mercadorias, diferentes culturas. A água do trem era distribuída em latas vazias de querosene e transportadas em galões para as casas. Ao lado do café de Zé-do-café, vendedores ofereciam aos passageiros água “doce e fria do Pequiri” e sanduiche de galinha.

De cada pessoa e coisa vivida levo no peito uma saudade.

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