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Órfãos de Vingt-un

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O baque na literatura mossoroense provocado pela ausência de Vingt-un Rosado foi maior do que se imaginava. Os escritores da terra de Santa Luzia ficaram órfãos.

Os números da Fundação Vingt-un Rosado confirmam a tese. A previsão para este ano é de que haja uma queda de pelo menos 70% nas publicações da Coleção Mossoroense em relação aos anos anteriores.

O motivo: a obstinação e boa vontade de Vingt-un, que chegava a fazer empréstimos a agiotas para editar as obras, virou vício entre os autores. Como na maioria das vezes os livros saíam de graça para os escritores, surgiu uma espécie de cultura da inércia. “Quando Vingt-un estava vivo chegamos a publicar duzentos  títulos num ano. Ele tirava dinheiro do bolso. Às vezes até pedia a agiotas. A gente percebia que não teria condição de dar continuidade. Não temos como fazer o que ele fazia”, afirmou o editor-assistente da Fundação, Caio César Muniz.  

Atualmente, os custos da publicação são divididos meio a meio entre a editora e o autor. A idéia, segundo Muniz, é criar critérios para as próximas edições. “Todo mundo quer livro de graça. A gente considera muita gente, pesquisadores sérios, mas estamos mais criteriosos. Estamos tendo que mudar essa política”, disse.

O editor-executivo da coleção Mossoroense, Dix-sept Rosado,  conta que os convênios firmados pela FVR com a prefeitura de Mossoró e a Petrobras contribuem para o financiamento das obras, mas reconhece que Vingt-un tinha um modo particular de tratar a questão. “Ele fazia uma coisa de garimpo cultural, ia na casa das pessoas para ver se tinha alguma obra pronta e publicar. Com a prefeitura temos um convênio de R$ 5 mil por mês. Já o acordo com a Petrobras prevê o financiamento da obra desde que apresentemos um projeto. Isso ajuda, mas não é obrigação está editando livros de graça. Os custos precisam ser divididos. Os autores precisam  ir atrás”, analisa.   

O escritor Raimundo Soares de Brito está tendo dificuldades para relançar um livro sobre um personagem da história de Lampião “Nas garras de Lampião” e publicar outro inédito sobre a trajetória da Academia Mossoroense de Letras (Amol).

Sem poder falar ao telefone por conta de problemas de saúde, o secretário dele, Mishel Gouthier, admitiu que no tempo de Vingt-un era mais fácil publicar um livro. Quando indagado se teria procurado alguma empresa ou instituição que pudesse  auxiliar na edição, disse que não. “A gente não vai mais atrás porque as instituições financeiras não tem condição. Estamos vendo alguma empresa privada mas não tem nada certo ainda. Acho que houve um retrocesso. Vingt-un tirava do bolso dele, às vezes dava o papel… agora estamos sem condição. Fiz o orçamento e ficou em R$ 5 mil. Vamos ver o que acontece, mas Raimundo Brito também não tem muita pressa em querer publicar agora. Vamos esperar”, afirmou.

O presidente da Fundação Vingt Rosado, Dix-sept Rosado, afirmou que ontem mesmo já havia ligado para o escritor propondo a publicação ainda em 2006 dos livros “Nas garras de Lampião” e outra obra em fase de produção.

Memória

O criador da coleção Mossoroense, Jerônimo Vingt-Un Rosado Maia morreu aos 85 anos no dia 21 de dezembro de 2005, em Natal, vítima de uma parada cardíaca.

Ele foi responsável pela publicação de mais de quatro mil títulos. Os números fizeram da Coleção Mossoroense, fundada em 30 de setembro de 1949, a maior editora de livros do País. 

Numa entrevista ao jornalista Carlos de Souza, em 2002, Vingt-Un lembrou que a paixão pela literatura ganhou força quando assistiu, no final dos anos 30, uma conferência  de Luís da Câmara Cascudo no colégio Santa Luzia. “Cascudo envenenou todo mundo. Eu entendi que deveria escrever a história de Mossoró”, disse.

Sobre o primeiro livro escrito por ele, ainda aos 20 anos de idade, relacionou a experiência ao primeiro amor. Foi quando surgiu a idéia da editora. “Não era grande coisa, mas o primeiro livro é como o primeiro amor, não é? Chama-se Mossoró. Minha mãe foi quem pagou a edição de 500 exemplares. Desse livro nasceu a idéia de editar a Coleção Mossoroense”, recordou.

Deformação cultural?

O escritor mossoroense, Tarcísio Gurgel, classificou a questão como “uma espécie de deformação cultural”. Para ele, o escritor potiguar não atentou para a importância do mercado. A conseqüência da falha é a dependência direta de uma estrutura paternalista, como fazia Vingt-un Rosado na Coleção Mossoroense. “O  escritor ficou na dependência do patronato. Na área cultural, nunca se teve a preocupação de estimular a idéia de mercado”, diz.

Gurgel ressalta a importância do trabalho de Vingt-un Rosado para a cultura do Estado. Mas reconhece a orfandade dos escritores. “Não quero colocar o trabalho de Vintg-un como desimportante. Imagine Mossoró sem o trabalho dele? Mas ele sabia dessa minha posição. Vejo também como uma deformação econômica, pois  falta ao escritor partir para o mercado entendendo que acabou de concluir uma obra de qualidade. Isso passa necessariamente pela construção de políticas culturais”, acredita. 

O escritor também critica as atuais leis de incentivo à cultura e  propõe um novo modelo. “Hoje, por exemplo, você chega na Fundação José Augusto e pedem para que inscreva o projeto na lei. Aí te dão um certificado que você coloca debaixo do braço e vai bater na porta de empresários insensíveis que não querem saber de cultura. Ou seja, a instituição te empresta a credibilidade dela. Só isso.”    

Por fim, Tarcísio Gurgel compara a situação com a época em que o Estado perdeu o historiador Luís da Câmara Cascudo. “Esse é um exemplo de indigência mental. Quando Cascudo morreu, começaram os questionamentos sobre a quem iríamos recorrer, perguntar… é claro que Cascudo é uma exceção. Mas perceba que estamos no século 21 vivendo situações da época de Alberto Maranhão”, reflete. 

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