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Órgãos devem R$ 90 milhões à Caern

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Ricardo Araújo – repórter

A Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern) tem a receber de órgãos municipais, estaduais e até federais, cerca de R$ 90,7 milhões em contas atrasadas. Algumas delas, há anos. Neste montante, porém, não estão acrescidos os valores de juros e correções monetárias. Os débitos são históricos e, mesmo assim, o fornecimento de água para a maioria dos empreendimentos sob a tutela destes entes federativos com dívidas ativas na Caern, jamais foi cortado. A Companhia Estadual de Saneamento alega que “reconhece as dificuldades que pesam sobre os municípios” e “tem trabalhado para que todos os débitos existentes sejam quitados” através da abertura de linhas de negociação permanente.
Estado, municípios e até órgãos federais estão entre os maiores devedores da Companhia de Águas e Esgotos do RN.
Para se ter uma ideia, somente a Prefeitura Municipal de Caicó deve cerca de R$ 1,7 milhão divididos entre 89 instituições mantidas pelo Executivo Municipal local e que são abastecidas pela Caern, segundo dados obtidos através do relatório gerencial da Companhia, datados de 22/05/2012 sob a identificação R0591. De acordo com levantamento do Sindicato dos Trabalhadores em Águas, Esgotos e Meio Ambiente (Sindágua/RN), a Prefeitura de Natal deve cerca de R$ 35 milhões e o Governo do Estado mais R$ 55,5 milhões. A Caern rebate a informação informando que desde o início de 2011 encaminhou ofícios às Prefeituras inadimplentes e recuperou até agora, cerca de R$ 6,5 milhões na esfera federal e R$ 7,5 milhões no âmbito estadual.

Para o presidente do Sindágua/RN, Alberto Moura, há uma flexibilização na “cobrança” realizada pela concessionária ao Estado e Prefeituras Municipais, diferente do que ocorre com os consumidores comuns que, em alguns casos, além de ter a água cortada tem o nome fichado no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC/Serasa). “A cobrança é feita ao usuário mais humilde e a Caern não cobra dos municípios. Há uma necessidade da implementação de um sistema de cobrança mais rígido  para reaver os valores devidos pelos municípios e pelo próprio Governo do Estado”, analisa Moura.

Além disso, ele confirmou que a Caern ainda concede certidões negativas de quitação de débitos para que as prefeituras não percam linhas de financiamento de projetos na área de saneamento básico pelo Governo Federal. Uma das prerrogativas para a realização da transferência das verbas é a regularidade fiscal e financeira das prefeituras junto aos fornecedores e prestadores de serviços. Ele citou como exemplo a Prefeitura de Caicó, que mesmo devendo quase R$ 2 milhões teve a certidão expedida pela concessionária recentemente.

“Existem mais questões políticas do que técnicas envolvidas neste assunto. Deputados, prefeitos e aliados do Governo influenciam na expedição das certidões negativas”, destaca Alberto Moura. De acordo com ele, o Sindágua defende que a Caern tenha uma maior autonomia para cobrar as dívidas do Estado e Municípios. “O valor dos débitos é cinco vezes maior quando comparado com o faturamento mensal da Caern, que atualmente gira em torno de R$ 30 milhões”, argumenta.

Conforme dados da Caern levantados a pedido da TRIBUNA DO NORTE, “atualmente 86 municípios, o equivalente a 56% dos atendidos pela Concessionária, efetivaram o parcelamento das suas dívidas”. Além disso, 42 cidades firmaram convênios de recuperação e reposição de pavimento (asfalto ou paralelo) em ruas e avenidas. Para acompanhar a evolução do “pagamento das dívidas”, devedor e credor fazem um encontro de contas no qual os valores dos serviços são analisados em conjunto.

Mesmo assim, o Sindágua  acionará a Promotoria de Defesa do Patrimônio Público para fiscalizar a situação dos débitos. “A gente entende que é necessário esquecer a questão política e adotar um planejamento estratégico”, relata Alberto Moura. Um relatório elaborado pelo Sindágua com os valores devidos por cada ente federativo à Caern será encaminhado ao Ministério Público em breve.

Cidades precisam de melhorias na rede

A Agência Nacional de Águas (ANA) publicou, em 2010, o Atlas Brasil que detalha o potencial hídrico de todos os estados brasileiros. Em relação ao Rio Grande do Norte, o estudo analisou a capacidade de abastecimento dos municípios até o ano de 2015 e sugeriu melhorias projetando o percentual de consumo até 2025. Até lá, 68, dos 167 municípios potiguares avaliados serão satisfatoriamente atendidos pelo atual sistema disponível. Em contrapartida, o mecanismo de abastecimento de 75 cidades potiguares precisa ser ampliado e mais da metade dos municípios – 108 – requerem investimentos. Conforme levantamento da ANA, serão necessários cerca de R$ 736,14 milhões para que todas as sugestões sejam postas em prática. (Veja box).

Questionada sobre a elaboração de estudos sobre a perspectiva do aumento da demanda de água para os próximos anos, a Caern confirmou que investiu cerca de R$ 2,4 milhões na confecção do Plano Diretor de Abastecimento de Água para Natal e Áreas Limítrofes. O estudo, segundo a Companhia, trabalha com um cenário até o ano de 2030 com uma projeção de população nas regiões limítrofes superior a R$ 1 milhão de habitantes e uma demanda estimada de utilização do líquido de 3.091,62 litros por segundo. De acordo com o diretor de operações da Caern, Isaías Costa Filho, o último estudo sobre a capacidade de armazenamento de água nos mananciais espalhados pelo estado remete ao fim da década de 1970.

Segundo Isaías Costa Filho, a elaboração deste estudo é responsabilidade da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh). A Caern não respondeu a um questionamento da TN sobre o aumento da demanda na última década e indagada sobre uma possibilidade de colapso no abastecimento nos próximos anos, disse que “não existe esta previsão” e que de 2003 a 2011 investiu aproximadamente R$ 139,7 milhões para assegurar o aumento do consumo.

Para 2012, a estimativa é de que mais R$ 307 milhões sejam consumidos em investimentos no sistema adutor de Mossoró. O projeto contempla captação de água na barragem que será construída no município de Santa Cruz e ampliação da rede de tubulação em Mossoró. Além destas intervenções, há ainda a obra da adutora, orçada em R$ 84,6 milhões, cujos recursos estão garantidos e o processo licitatório para execução dos serviços está em andamento. Para os próximos anos, a Caern prevê a construção de pelo menos mais cinco adutoras cujos projetos foram orçados em R$ 469,1 milhões. A Companhia não detalhou datas para início das obras.

Procurado para comentar se a Semarh dispunha de um estudo atualizado sobre o potencial hídrico do Estado ou se este está em fase de confecção, além da possibilidade de operacionalização das sugestões da ANA, o secretário Gilberto Jales não foi encontrado pois estava participando da Conferência Rio +20. A TRIBUNA DO NORTE entrou em contato com a assessoria de imprensa da Semarh no Rio de Janeiro que afirmou que colocaria o secretário em contato com o repórter via celular. O que não ocorreu, entretanto, até o fechamento desta edição.

Alto índice de nitrato causa preocupação a especialistas

 Ela é responsável pela manutenção da vida humana e animal. Está se tornando cada vez mais escassa e tem se tornado alvo de lutas armadas em diversos países do mundo. No Brasil, sua fonte é vista pela população como inesgotável. O que, de fato, não é. Enquanto o mundo discutiu, ao longo das últimas duas semanas, o futuro da oferta e consumação de água potável na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio +20, a Caern, segundo a Promotoria de Defesa do Meio Ambiente, dá exemplo do descaso com o tratamento do líquido que um dia, segundo especialistas, será precificado e gerenciado. Os índices de nitrato, ao contrário do que é publicado pela Companhia nas contas de água, é muito superior em alguns pontos e causa preocupação.

 “A Caern tem utilizado um sistema que no nosso entender é falho porque impede que a população tenha o resultado preciso do teor de nitrato que está recebendo em sua residência. A Caern costuma realizar  a divulgação da qualidade de água aos consumidores a partir de uma média de coletas realizadas no denominados setores comerciais. Ocorre que alguns setores comerciais possuem grande extensão territorial e apresentam dois ou apenas um ponto de coleta”, ressaltou a promotora Gilka da Mata. Com isto, o Ministério Público, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e acompanhado de técnicos da Caern, visitaram os pontos de coleta.

 “Visitamos algumas casas que ficavam perto de poços com nível alto de nitrato, checamos a conta da Caern e coletamos água da casa para analisar. Em alguns casos, constatamos resultados conflitantes.   Houve caso em que a conta apresentou valor do nitrato abaixo de 10mg/l, que é o máximo permitido, mas que o resultado in loco foi diverso (índice de nitrato maior do que o permitido)”, constatou a promotora. Ela irá anexar os dados coletados ao processo que tramita contra a Caern desde 2007 para a melhoria do sistema de abastecimento de água.

Índice de desperdício chega a 52%

Em todo o Rio Grande do Norte, mais da metade da água “produzida” pela Caern some. O índice informado pela própria Companhia é de 52,41% de perdas, sejam por vazamentos em tubulações, ligações clandestinas e roubos do líquido (gatos). Na capital, o percentual é ainda maior e chega ao patamar de 60,09% há pelo menos cinco anos. Entretanto, a Caern afirma que conseguiu reduzir este índice em pelo menos 40% com a instalação maciça de hidrômetros e pretende reduzir ainda mais as perda até o final deste ano.

Além das perdas ao longo da operacionalização de captação e entrega do líquido, existe o desperdício. São cerca de 300 milhões de litros de água utilizados diariamente pela população potiguar. No mês passado, foram gastos 8,9 bilhões de litros. Dividindo este número pelo total de ligações cadastradas na Caern – 761.127 – chega-se ao volume médio de consumo mensal de 11.796 litros por imóvel/empreendimento com ligação cadastrada.

Em nível estadual, a consumação de água por habitante chega ao patamar de 98,3 litros/dia. Se a conta for feita levando em consideração somente o número de ligações ativas – 621.184 – a quantidade por habitante chega aos 120 litros/dia. Em Natal, porém, os moradores da zona Norte, por exemplo, usam até 200 litros/dia. Este montante é cinco vezes superior ao volume de água preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o ideal diário por habitante, que é de 40 litros.

Apesar de descartar um possível colapso no abastecimento na capital, a falta de recursos estaduais para a ampliação do programa de adutoras e a seca que castigou o sertão nordestino este ano, contribiu para o agravamento da irregularidade do abastecimento em cidades do Alto Oeste potiguar. Até agora, as cidades de Major Sales e Luiz Gomes já entraram em colapso de abastecimento. As cidades de Alexandria e Lucrécia poderão ser as próximas atingidas pela falta d’água extrema.

Para o gerente de Operações da Caern, Isaías Costa Filho, a solução para o problema da escassez de água na maioria das cidades potiguares está justamente na construção de adutoras. “Se não fosse uma boa opção, o Governo não teria iniciado a construção da adução do sistema da barragem de Santa Cruz para Mossoró”, ressalta o gerente de Operações da Caern.

Bate-papo

Gilka da Mata, promotora de Defesa do Meio Ambiente

Manter controle de qualidade da água é difícil

Como a senhora analisa o sistema de abastecimento em Natal?

Quem conhece um sistema de abastecimento de água tradicional, constata que na cidade de Natal o  sistema é peculiar. Os reservatórios, por exemplo, não são utilizados para garantir reserva estratégica para o caso de falta de água nos bairros e sim para misturar água contaminada com água de boa qualidade. Nem toda água passa por processo de tratamento. Há poços tubulares diretamente ligados na rede de distribuição, o que dificulta o controle da qualidade da água que chega para a população. Em Natal, a água captada do aquífero costuma estar contaminada por nitrato e o reservatório é utilizado pela Caern como local de mistura da água do manancial superficial (lagoas) com a água do aquífero (poços). Há, ainda, a existência de rede de distribuição diretamente ligada aos poços. Ou seja, a água sai do poço diretamente para a rede sem passar por nenhum sistema de tratamento, nenhum reservatório e  nenhum tanque de reunião. Se a água estiver contaminada por nitrato, essa contaminação chega a casa do cidadão.

Desde quando o MP atua para a melhoria do sistema de abastecimento de Natal?

Desde 2006, o MP investiga e propõe medidas para melhoria do sistema de abastecimento de água em Natal. Em 2007 o MP ajuizou uma ação civil pública para garantir que a população de Natal receba em suas residências água de acordo com os padrões de potabilidade estabelecidos pelo Ministério da Saúde (Portaria 518/04, que foi atualizada pela Portaria 2914/11), e para garantir o funcionamento do sistema de abastecimento de água para consumo humano na cidade de forma eficiente.

Na visão do Ministério Público, quais são  os problemas do sistema de abastecimento de água que ainda não foram solucionados na cidade?

A Caern continua perfurando poços na cidade para abastecer a população que continua crescendo de forma acelerada. Esse sistema não é sustentável, porque a água do aquífero não possui potabilidade (em razão do nitrato) e não existe água de boa qualidade para utilizar para diluição do aquífero, já que os mananciais superficiais (Lagoas do Jiqui e Extremoz) já não possuem disponibilidade hídrica. Ou seja, não se pode mais aumentar a retirada de água desses locais.

O que precisa ser feito pela Caern?

A velha adutora de Extremoz precisa ser substituída. É preciso combater o desperdício de água pela própria Caern, que perde água em razão das tubulações  velhas e desgastadas da rede de abastecimento. É preciso salvar a água do San Vale, que é o último manancial subterrâneo de água que existe em Natal e que não se encontra com níveis de nitrato acima do estabelecido pelo Ministério da Saúde.

Qual a avaliação do papel da Caern na condução do sistema de abastecimento de água?

A Caern tem demonstrado que não atua com prioridade na melhoria do sistema de abastecimento de água na cidade de Natal. Todas as melhorias conquistadas foram por força de  determinação judicial, mas até mesmo prazos processuais foram descumpridos, o que poderá acarretar multa para a empresa, no final do processo.

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