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Os anos Lula: Falta de prioridade converteu a saúde em área crítica

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Cláudia Collucci
De São Paulo

No último ano de FHC, o país vivia sua maior epidemia de dengue: 697.998 casos e 151 mortes. No último ano de Lula, os números são ainda mais impactantes: quase 1 milhão de casos e mais de 300 mortes.

Não foram só os números da dengue, no entanto, que pioraram. Desde 2007, a saúde é o problema que mais incomoda os brasileiros _na última pesquisa Datafolha (veja na página 3), essa é a área de pior desempenho do governo Lula para 23% da população. Em geral, o descontentamento se concentra na dificuldade de acesso e na qualidade da assistência. Faltam vagas nos hospitais, faltam médicos, faltam diagnósticos e terapias rápidas.

Pessoas aguardam cinco anos por cirurgia ortopédica. Na oncologia, a espera por radioterapia chega a seis meses _tempo longo demais quando o inimigo é o câncer.No último ano de FHC, o país vivia sua maior epidemia de dengue: 697.998 casos e 151 mortes. No último ano de Lula, os números são ainda mais impactantes: quase 1 milhão de casos e mais de 300 mortes.

Não foram só os números da dengue, no entanto, que pioraram. Desde 2007, a saúde é o problema que mais incomoda os brasileiros _na última pesquisa Datafolha (veja na página 3), essa é a área de pior desempenho do governo Lula para 23% da população. Em geral, o descontentamento se concentra na dificuldade de acesso e na qualidade da assistência. Faltam vagas nos hospitais, faltam médicos, faltam diagnósticos e terapias rápidas. Pessoas aguardam cinco anos por cirurgia ortopédica. Na oncologia, a espera por radioterapia chega a seis meses _tempo longo demais quando o inimigo é o câncer.

Para especialistas em saúde pública, os problemas assistenciais se avolumaram em consequência da má gestão dos serviços, do subfinanciamento do setor e da falta de prioridade política.

No recém-lançado livro “Os Anos Lula – Contribuições para um Balanço Crítico 2003-2010” , a médica Ligia Bahia, professora de saúde pública da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), considera que a saúde teve uma “participação coadjuvante” no governo Lula.

“O país manteve-se na contramão das tendências mundiais de priorização das políticas sociais baseadas na oferta de bens e serviços públicos e não logrou responder as necessidades e demandas internas da saúde.”

Mas, para Bahia, os problemas não significam uma “piora absoluta”: “As pessoas também passaram a exigir mais. As pessoas estão envelhecendo e passam a usar mais o sistema de saúde”, disse. Dos 190 milhões de brasileiros, a maioria _160 milhões_ depende exclusivamente do SUS.

Subfinanciamento

A fatia do gasto público em saúde vem caindo. Um estudo do médico sanitarista Gilson Carvalho, consultor do Conasems (conselho dos secretários municipais de Saúde), retrata que, em 1995, de todo o dinheiro gasto com saúde no Brasil, 62% era público (União, Estados e municípios) e 38% era privado.

Em 2009, a proporção do gasto público havia caído para 47%, e o privado já respondia por 53%. Não significa que os investimentos totais do SUS tenham diminuído.

Segundo o Ministério da Saúde, o orçamento executado foi de R$ 47,1 bilhões em 2002 e R$ 65,6 bilhões em 2009 (valores atualizados pela inflação). Neste ano, o previsto é de R$ 66,7 bilhões.

“Há uma lógica equivocada norteando o SUS, que passa por decisões políticas que priorizam o setor privado (prestadores de serviço), não o público. Houve incremento no orçamento em oito anos, mas continuamos com problemas básicos, como a dengue. Não se investe em prevenção”, alerta Francisco Batista Júnior, presidente do Conselho Nacional de Saúde.

É praticamente consenso que o setor precisa de mais recursos e de que isso passa pela regulamentação da Emenda Constitucional nº 29, que fixa percentuais mínimos de gastos com saúde. Mas como ela não define o que pode ser despesa com saúde, estima-se uma evasão anual de R$ 2 bilhões da área.

“O subfinanciamento é, sim, o principal problema do SUS. Hoje gastamos 3,5% do PIB em saúde. Temos que dobrar esse percentual. O modelo de gestão também precisa mudar, tornar-se menos rígido e passar a ser regido por metas e avaliação de desempenho”, diz o ministro José Gomes Temporão (Saúde).

Um das apostas de Temporão para melhorar a gestão e evitar desperdícios foi o projeto que previa transformar hospitais em fundações estatais. Mas a proposta empacou no Congresso, em grande parte por oposição do PT.

Modelo parecido são as OSs (organizações sociais), já adotado em vários Estados brasileiros _SP, por exemplo, tem 25 hospitais geridos dessa forma. Uma vez gestoras dos serviços de saúde, essas entidades privadas podem comprar serviços, equipamentos médicos e remédios sem licitação e contratar funcionários sem concurso.

Os defensores dizem que esse modelo dá aos hospitais e postos de saúde públicos uma agilidade que, por exigências e burocracias legais, o poder público não tem. Já os críticos da terceirização alegam que falta controle sobre o uso do dinheiro público e que os interesses privados prevalecem. Há uma ação direta de inconstitucionalidade no STF contra as OSs.

Méritos

Os especialistas reconhecem que a saúde também teve méritos na gestão de Lula, como a queda na taxa de mortalidade infantil e a criação do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) e das UPAs (Unidades de Pronto Atendimento).

Temporão acrescenta o aumento do número de transplantes, de leitos hospitalares e de oferta de medicamentos. Lembra também que o Brasil interrompeu a transmissão do cólera e da rubéola e eliminou o sarampo.

E a dengue, ministro? “Não é um problema apenas da saúde e não se resolve apenas no âmbito do repasse e da fiscalização de recursos. Enquanto não houver uma vacina que imunize a população, não há outro caminho a não ser um enfrentamento multissetorial e uma maior participação popular. Sem isso, não haverá nada que consiga deter a dengue.”

Novo mundo abre as portas para o brasil crescer

Vinícius Torres Freire
Colunista da Folha

A maior parte dos oito anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva combina de modo extraordinário estabilidade política e calmaria social a um nível de crescimento contínuo da renda per capita também raras vezes visto pelo menos na história moderna do país.

Esses anos parecem ainda mais positivamente exóticos se considerado que o país vive em regime democrático, com taxas crescentes de participação política e social (por meio do voto e de associações) e, de quebra, numa rara fase de redução da desigualdade de renda.

Mas, não faz mais que quatro anos, ainda era disseminado o pessimismo sobre as perspectivas de crescimento econômico do país.

Era comum a ideia de que a economia não poderia crescer mais que 3% ano sem que logo ressurgissem sintomas históricos de limitação do crescimento: inflação e/ ou problemas nas contas externas, “deficits externos”, derivados da importação de bens e serviços necessários para suprir o consumo excessivo. No entanto, o país cresceu, para surpresa quase geral.

Como foi possível aumentar o consumo das famílias, investir mais, distribuir renda, reduzir as taxas de juros, reduzir a dívida pública e, ainda assim, o país não padecer da histórica “restrição externa” ao crescimento?

O novo mundo chinês

O governo Lula coincidiu com o momento em que se sentiu de modo mais intenso o efeito de também rara mudança histórica: a ascensão econômica da China e vizinhos. Não se trata de dizer que a China foi o único fator internacional, nem que o progresso brasileiro foi efeito imediato do crescimento chinês. Mas não é possível entender o caráter excepcional dos anos Lula sem entender o novo mundo chinês.

O aumento do consumo e do investimento chineses elevou os preços e as quantidades de bens exportados pelo Brasil. Nos anos de Fernando Henrique Cardoso, as exportações cresciam em torno de 4% ao ano. Nos anos Lula, a mais de 20%. Entre 2003 e 2007, o Brasil teve superavit nas suas transações de bens e serviços com o exterior, quase tantos anos de balança positiva como nos 60 anos anteriores.

A China barateou os preços de produtos manufaturados no mercado mundial. Em suma, ajudou a baixar a inflação mundial e contribuiu para a redução das taxas de juros pelo mundo. A quantidade de dinheiro disponível para investimento aumentou. A política monetária dos países ricos e as inovações financeiras também tiveram papel importante nesse “aumento de liquidez”.

A progressiva abertura comercial e financeira, combinada à produtividade chinesa (salários baixos) e do complexo asiático, também incentivou ainda mais a transferência de unidades produtivas (“fábricas”) do mundo rico para países “emergentes” com custos menores e mercados crescentes.

O Brasil importou mais a preços menores, recebeu mais investimento na produção e em ações, mais crédito a juro menor. Tornou-se mais capaz de pagar suas contas externas. A “sobra de dólares” permitiu o acúmulo de reservas internacionais em volume que ao fim de 2007 na prática superava o total da dívida externa. A eterna dívida externa acabou.

O novo mundo chinês, porém, não faz milagres sozinho. O governo Lula tomou a decisão de acumular reservas. Manteve a política de reduzir a dívida pública, mesmo que à base de aumento de receita, não de corte de gastos. Manteve o câmbio flutuante. O câmbio fixo e o risco de brutas e bruscas desvalorizações da moeda sempre foram fatores de incerteza: de dificultar planos de negócios, de afastar investidores e de contribuir para a manutenção de juros altos. Lula manteve o controle da inflação. Os juros reais caíram da casa dos 16% para 6%.

Consumo

A folga nas contas externas permitiu financiar consumo e investimentos crescentes sem inflação demasiada, sem que o país vivesse suas recorrentes crises de pagamentos externos.

O gasto do governo, das famílias e o investimento “na produção” cresceram. De 2004 a 2008, anos menos instáveis, o investimento cresceu o dobro do PIB. A despesa total do governo federal cresceu 3,3 pontos percentuais em relação ao PIB. Metade desse crescimento foi dirigido a benefícios sociais: Previdência (via salário mínimo), Bolsa Família, assistência social. Cerca de 15% ao aumento do investimento do governo federal em “obras”.

O governo Lula, pois, tomou a decisão de utilizar a “folga” nas contas do país de modo a financiar a redistribuição de renda. Tal decisão influenciou também a perspectiva de empresários daqui e de fora sobre o potencial do mercado brasileiro, o que atraiu mais investimentos.

Note-se, porém, que a distribuição de renda dos anos Lula deveu-se também a melhorias derivadas da abertura econômica e outras reformas “liberais” dos anos 1990.

Condições

Outro porém muito importante é que a economia não teria respondido tão bem ao “novo mundo chinês” caso outras condições estabelecidas de longa data e melhorias incrementais não viessem ocorrendo.

O Brasil tem “commodities” variadas a oferecer (comida, metais e até petróleo) devido a um programa de pesquisas, investimentos estatais e privados e de subsídios que datam dos anos 1970, pelo menos (Embrapa, pós-graduação universitária, Petrobras).

Suas empresas, industriais ou do agronegócio, tornaram-se mais produtivas devido à abertura comercial dos anos 1990, que permitiu a importação de bens de capital e tecnologias avançadas _a abertura também se tornou um modo de evitar inflação, dada a concorrência de produtos estrangeiros.

O crescimento, inédito há 30 anos, aliado à redistribuição de renda via Estado, pacificou os ânimos sociais, já anestesiados pela participação dos movimentos de esquerda e sindicais no governo (ou mesmo seu controle direto pelo governo). O governo Lula também ofereceu programas ou subsídios para parte relevante (ou majoritária) das grandes empresas, o que minou outra possibilidade de oposição. A calmaria sociopolítica tornou-se uma outra condição de melhoria do ambiente econômico.

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