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Os cinco desafios

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Cirilo Tissot
Médico psiquiatra especialista em dependência química e diretor técnico da Clínica Greenwood

As recentes ações das autoridades de saúde na questão do consumo de crack na cidade de São Paulo reascendem as discussões sobre as medidas adotadas na assistência médica de pessoas com dependência química. Numa perspectiva estritamente clínica dos fatos, o ponto chave é a disposição conjunta da prefeitura e do estado em assumir que o problema existe e está sob sua responsabilidade a aplicação de soluções. E isto não depende dos incidentes de segurança pública responsáveis pelas ações que tentam resgatar a ordem numa região da cidade. O foco não é a análise das ações estatais, mas o esclarecimento de que todo e qualquer esforço da administração pública ou mesmo de entidades privadas devem considerar as disposições legais e protocolos médicos.

 O direito de consumir drogas até à morte dentro de sua casa, não se espelha na rua, à frente de todos. Ainda mais quando psiquiatras e conhecedores do tema têm plena ciência da profunda perda de autocontrole que o ser humano atinge nas condições de consumo ininterrupto de drogas. Por isso, é preciso esclarecer os cinco desafios que os envolvidos no tratamento e internações compulsórias têm para obtenção de sucesso.

 Primeiro, tempo para uma mínima desintoxicação orgânica. A ciência tem demonstrado que as grandes mudanças e efeitos no cérebro humano ocorreriam em cerca de três meses de abstinência e isto, certamente, envolve consequências claras da vontade do indivíduo sobre si. A partir de recursos para cuidar dos efeitos decorrentes da ausência da droga, este período é essencial para o paciente recuperar o mínimo domínio da cognição para saber quem já foi, quem é agora e que pode escolher como será seu futuro.

 Segundo, acesso contínuo a terapias que permitam mínima reordenação social. Ninguém para de usar drogas pelos problemas decorrentes do vício, mas sim por acreditar que a vida será certamente melhor sem o consumo de drogas ou álcool. A questão está ligada diretamente aos valores que permitem ao dependente químico enxergar uma vida mais satisfatória.

 Terceiro, ter-se consciência de que a compulsão que faz alguém tornar-se adicto a drogas está longe de tragédias pessoais. Está colado numa realidade comprovada por experiências clínicas: o consumo de drogas é o encontro com o prazer imediato, a busca por um estado de euforia sem fim.

Quarto, os pacientes podem sofrer recaídas num período dos próximos seis meses a partir do momento em que tiveram a proposta de parar o consumo de substâncias químicas. Não serão todos que terão recaídas, mas a probabilidade daqueles que recaem já nos seis primeiros meses é de 75%.

 Quinto, o recuperado do vício precisara tornar-se um vigilante de si. Ter acesso a tratamento psicológico capaz de lhe mostrar a importância de se afastar do ambiente que lhe encaminhou ao vício. Muitas vezes isso significa se afastar de coisas que vão além das ruas. Compreende estar à distância dos amigos e, às vezes, da própria família.

 Independentemente do tamanho do desafio e de sua intensidade, o tempo, a condição mais importante no tratamento da dependência química, é necessário. Pois é preciso de tempo para realizar todas essas transformações, bem como o imprescindível apoio dos membros da família, da sociedade, dos meios de saúde, para poder trazer essas pessoas engajadas em sair da Cracolândia.

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