Ricardo Coelho da Fonseca – economista
Em princípio, o principal motivo que deve originar uma reforma tributária é o fator econômico. Uma mudança em um sistema tributário, de maneira geral, deve buscar uma distribuição da carga de impostos mais justa e permitir um avanço da competitividade da economia como um todo. No Brasil, a preocupação com as distorções econômicas provocadas pelo nosso complexo sistema tributário acaba ficando em segundo plano. Em primeiro lugar, por aqui, impera a briga pela divisão do bolo tributário. Não havendo consenso quanto à divisão dos recursos, não importa se o sistema tributário é injusto e irracional, ou se a carga tributária é um dos principais fatores de entrave ao crescimento e da perda da competitividade brasileira. Essa discussão só avança depois de resolvido a “nova” divisão dos recursos entre os entes federados.
O maior impasse que impede o avanço da reforma tributária são os pedidos por mais dinheiro dos governadores ao governo federal. Essa é a tradução para a linguagem popular do que afirmou o governador de Sergipe, Marcelo Déda, em recente reunião dos governadores do Nordeste realizada em João Pessoa: “Uma reforma tributária terá de tocar no pacto federativo, com estados e municípios participando de forma mais equilibrada do bolo tributário nacional”. Até agora, pelo menos na imprensa, não se viu nenhuma proposta dos governadores sinalizando um redesenho geral do nosso sistema tributário rumo à justiça, racionalização e simplificação dos impostos. Apenas o governador de São Paulo, José Serra, deixou os interesses econômicos de lado e declarou que apóia a cobrança do ICMS nas operações interestaduais no destino, mesmo sabendo que, inicialmente, o Estado de São Paulo perde arrecadação com a mudança. Uma demonstração de bom senso que deveria ser seguido pelos demais governadores.
O apetite dos governadores sobre os recursos da União recai sobre um dos impostos mais maléficos à nossa economia, a CPMF. Os governadores reivindicam a repartição das receitas provenientes da CPMF, Cofins e CSLL. A sociedade repudia a prorrogação da CPMF pretendida pelo governo federal e os governadores condicionam o apoio à reforma tributária avançando sobre a CPMF, um imposto regressivo, que penaliza as camadas de mais baixa renda. Ao cobiçar a participação na receita da CPMF, os governadores estão prestando um desserviço à sociedade, e mostrando que não interessa a qualidade dos tributos, e sim mais recursos para os seus cofres.
Falta também uma gestão mais eficiente dos recursos, aí está o problema. O problema financeiro dos estados não está na receita, e sim nas despesas. O “esforço fiscal” que os estados vêm realizando nos últimos anos se dá através do aumento da carga tributária, e não através da diminuição dos gastos. A receita tributária decorrente da cobrança do ICMS não pára de crescer. Além do mais, as transferências constitucionais e legais da União para os estados, desde a Constituição de 1988, quando foram alterados os percentuais dos Fundos de Participação dos estados e municípios, só vêm aumentando ano a ano. Se somados os aumentos das transferências e da arrecadação do ICMS, temos um aumento substancial de receita nos últimos anos.
Os governadores devem defender os interesses dos seus estados. É justo e legítimo. No entanto, isso não significa que devam compactuar com as iniqüidades dos nossos impostos. Está em discussão um dos principais entraves ao crescimento econômico, a carga tributária. O impasse em torno da reforma tributária ligado a maiores repasses da União para os Estados não é um bom sinal. É como se a União estivesse com sobras de recursos, o que não é o caso. Torço para que o foco das discussões mude para a correção das distorções provocadas pelo sistema tributário. Também torço para que esse impasse não se resolva. A única solução para o impasse colocado pelos governadores é o aumento da carga tributária.
