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Os passos de um mestre

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Ícaro Carvalho
Repórter

Acordar cedo, cuidar dos filhos, dar atenção a família, planejar conteúdos, ministrar aulas e, por fim, treinar Judô. A rotina que Filipe Dantas escolheu se assemelha com a de muitos desportistas do Brasil, que buscam manter o amor vivo pelo esporte mesmo com o cotidiano corrido e cheio. O que poucos sabem é que, há quase 30 anos lutando nos tatames mundo afora, o judoca potiguar carrega consigo histórias e momentos dos quais deverá guardar na memória por muito tempo.
Filipe Dantas sente vontade de competir ainda, mas o corpo emite sinais de que pretende parar

Filipe Dantas sente vontade de competir ainda, mas o corpo emite sinais de que pretende parar

Nessas quase três décadas em que veste o kimono com o seu nome e o do Rio Grande do Norte, Filipe Dantas conquistou torneios nacionais, regionais e locais, que o fazem se orgulhar ao tirar as diversas medalhas e troféus de uma mochila e mostrar à reportagem, ressaltando ainda que tantas outras ficaram em casa num baú. De todas essas conquistas, as duas últimas vieram após anos de batalha: o Sul-americano e o Pan-americano, medalhas douradas que trouxe ao RN em disputa na Argentina, no último mês de agosto. Reconhecendo seus limites, físicos e mentais, Filipe recorda suas conquistas e quer dar o último ippon (golpe perfeito) para fechar a carreira com chave de ouro: ele busca vencer o campeonato Mundial de Judô, na categoria veteranos, que disputará em outubro deste ano. Com luta marcada para o dia 19, em Cancún, no México, ele concilia a vida acadêmica, família e os tatames na busca do grande sonho.

“Hoje minha maior dificuldade é conciliar o meu dia a dia de trabalho e a minha rotina familiar com os treinos. Sou professor universitário e ensino graduação e pós-graduação. Estou em 13 pós-graduações, então você imagina o que eu tenho de estudar para montar aula. Além disso ainda faço pesquisas, tudo em Educação Física. Esse é o cenário e quando eu tenho algum tempinho livre eu treino”, revela.

Um fato curioso na vida de Filipe se dá pela forma como o natalense conheceu a arte marcial do caminho suave. Aos risos, ele relembra que os pais tentaram iniciar a carreira do atleta no jogo com a bola nos pés, esporte mais popular do país,

“Sempre fui do esporte. Fazia natação, futsal. Do futebol de salão foi aí que veio a grande pegada: porque eu ficava só na reserva, eu era um pouco ruim [risos]. Teve um dia que fomos numa competição e o treinador disse que ia me colocar pra jogar. Chamei minha avó, meus pais, todo mundo para assistir. Era um jogo importante, começamos perdendo e resumindo, ele não me colocou para jogar. Chorei pra caramba e decidi entrar para o judô, porque meu irmão mais novo já fazia. Ele já ganhava medalhas. A minha primeira competição foi uma seletiva pra o campeonato brasileiro de 9-10 anos e já ganhei, com dois meses de treino”, relembra aos risos, recordando ainda que o pai investiu num centro de treinamento, em casa, para investir nos garotos.

Assim como tantos outros atletas que iniciam suas carreiras em qualquer esporte, Filipe Dantas é mais um que colocou na cabeça desde cedo que queria representar o RN e o Brasil nos Jogos Olímpicos, o que muitos consideram como o maior momento de qualquer atleta. “Dos meus oito aos 16 anos, período que treinei muito forte, dormia e acordava pensando em ir para a olimpíada.”

O fato quase aconteceu em 2008, quando Filipe disputou as seletivas para Pequim, mas acabou ficando de fora da equipe dos judocas brasileiros. Sobre isso, há uma história a ser contada: à época, o judoca potiguar chegou a ser convidado para o Minas Tênis Clube, agremiação de desportos de Minas Gerais. Lá, ele iria aprimorar as suas técnicas de forma intensa para chegar em condições de ir aos jogos. No entanto, o pensamento no futuro o deixou receoso: resolveu fazer a faculdade de Educação Física primeiro, como forma de garantir o futuro, já sabendo que o caminho no esporte pode ser traiçoeiro.

“Os caras que eu ganhava continuaram treinando forte e eu fiquei aqui e continuei naquele nível, sem um nível mais intenso para aguentar os caras lá de fora. Quando fui para lá, depois de cinco anos para me formar, já estava abaixo dos caras. Eles já estavam acima de mim e não consegui chegar junto deles”, relembra. Retornando à Natal, Filipe se especializou em Educação Física e fez pesquisas para doutorado e pós-doutorado, aumentando seu leque acadêmico. E é firme: não se arrepende das decisões tomadas.

“Eu passei alguns anos com esse sentimento [frustração por não disputar as Olimpíadas], no entanto, quando fui fazer uma análise retrospectiva, pensei que esse sentimento não era correto de se ter. Na vida a gente tem de ter sonhos. Um dia eu tive um sonho aos 8 anos e não realizei. Mas certamente eu fui para um lugar melhor do que eu estava antes porque eu sonhei. A vida me reservou outras coisas. Não tem jeito, no esporte se lida com frustrações e realizações. As minhas as que pesam mais são as realizações”, comenta.

Tríplice coroa
Se preparando duas vezes por semana, em treinos que vão de 1h30 a 2h, Filipe comenta que a carreira como judoca pode estar chegando ao fim. Não por falta de vontade, comenta, mas pelos sinais recebidos do corpo. As lesões no ombro esquerdo, operado em duas situações, são fatores complicadores que o atleta quer superar para chegar em condições de voltar do México com a medalha de ouro.

“Não porque eu não queira, mas é porque meu corpo está dando sinais de parar. Esse meu ombro esquerdo está me preocupando muito. Meu médico disse: ou opera ou pára de lutar. Essa eu não quero enquanto eu for campeão Pan-americano, Sul-americano e Mundial”, diz, afirmando ainda que um companheiro de treinos “profetizou” que neste ano ele iria ganhar a tríplice coroa.

Mesmo com a carreira perto do fim, Filipe comenta que pretende um dia ter projetos sociais na área do judô, fato que pode surgir quando o filho dele, hoje com 4 meses, começar a praticar a arte marcial com apoio do pai.

Com os quase 30 anos de carreira, Filipe faz um balanço e comemora as conquistas além de não se arrepender das decisões tomadas em torno dos tatames e dos quadros da universidade.

“Tudo o que aconteceu de importante na minha vida o judô estava envolvido. Conquistas familiares, pessoais em relação a profissão: já fui preparador físico de Victor Belfort, do UFC. Aceitar a Jesus também foi através do judô e hoje, na verdade, o judô me faz ser ativo, é uma grande importância, pois se eu não fizesse judô eu estaria sedentário. Não gosto de nenhuma outra atividade. Além do desempenho esportivo é o que me faz me manter ativo, saudável do ponto de vista metabólico.”

Há menos de dois meses do torneio, Filipe se prepara e quer melhorar a situação do ombro para chegar em boas condições de voltar com medalha ao estado potiguar. Buscando o ippon (golpe perfeito), o potiguar quer fechar a carreira vitoriosa subindo no lugar mais alto do pódio.

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