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Os santos de Natal

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Na gaveta dos papeis desarrumados encontro uma carta de Celso Silveira, o poeta, que também jogava no time dos jornalistas, dos atores de teatro, craque na seleção dos boêmios e dos irreverentes. No mesmo envelopão, uma dúzia de cartas e mais outra de bilhetes de Veríssimo de Melo, nosso querido folclorista e peagadê na prosa das calçadas e esquinas. Tem ainda um bilhetinho rápido de Moacyr de Góes, o inventor do Projeto De Pé no Chão se Aprende a Ler, tempos do prefeito Djalma Maranhão.  Vou tentar alinhar esses escritos começando pela carta de Celso, na qual ele escala, no altar de sua invenção, os legítimos santos natalenses.  Está datada de 14 de abril de 1981, lá se vão 36 anos:

“Caro Woden:
Pela heurística, cheguei à conclusão de que temos, em termos de Natal e Nordeste, nossa própria hagiologia: nossos santos existem.

Partindo do que o poeta popular João Martins Athayde, no seu folheto O FIM DO MUNDO faz citação de um certo São Virgolino, vamos aceita-lo como protetor dos pistoleiros e, na sequência do rol de santos dos nossos dias, teremos:
São Fumaça, protetor dos jogadores, cambistas, vendedores de bilhetes de loteria e garçons; Santo Abel, protetor dos puxadores de carro; São Nazir, protetor dos papudinhos; Santo Albimar, protetor dos boêmios; Santa Maria C. de Ferro, protetora das decaídas; São Tonheca, protetor dos músicos; São Dioclécio, protetor dos vereadores e dos políticos em geral; São GIM, protetor dos pintores; São Babuá, protetor dos poetas; Santo Aderbal, protetor dos jornalistas; São Sandoval, protetor dos artistas cênicos, e assim por diante, por exemplo.

Se alguém quiser estirar a lista, pode alinhar aí os padroeiros dos pobres, dos ricos, dos velhos, dos poderosos, dos mentirosos, das sogras, dos inocentes, dos escritores, dos ladrões, dos preguiçosos, dos avarentos, dos professores, dos vaidosos, dos sedutores, das seduzidas, dos glutões, dos mau-caráter, etc.

Elementar, meu caro Woden. Precisamos de nossos santos protetores. Seu Celso Silveira”

As portas do inverno
No verso da carta, Celso juntou uns versos, certamente de sua autoria (ele não disse se dele ou de outro poeta), que fala das portas e compartimentos do inferno e seus moradores. Vai por inteiro:
‘O inferno tem dez portas / e trinta compartimentos, / tem uma placa onde lê-se: / os seguintes mandamentos: / – aqui é o reino das dores, / das angústias e os horrores / e dos grandes sofrimentos. // Tem dez milhões de doutores, /trinta mil advogados, / tem dois milhões de dentistas, / cento e trinta mil soldados, / dez milheiros de vigários, / trinta milhões de operários / fora os que são esperados. // Tem vinte bilhões de sogras, / seiscentos mil sapateiros, / quarenta mil alfaiates, /seiscentos mil bodegueiros, / quatro milhões de foguistas, / sessenta mil maquinistas, / duzentos mil fogueteiros. // Manda dizer o diabo: / não recebo mais ninguém, / de gente ruim no inferno / é bastante a que já tem, / minha lista está completa, / só tem lugar pra um poeta / e dez trovadores que vêm. ”

Jenipabu com J
Separo duas cartas de Veríssimo de Melo, ambas postadas em Natal. A primeira datada de 31 de janeiro de 1992:
“Woden: meu abraço.

Mando-lhe um artigo que publiquei no JC do Recife sobre a repercussão das CARTAS de MÁRIO DE ANDRADE a CASCUDO. Passe os olhos. Veja que muita gente já se pronunciou e outros prometem artigos. Ontem, recebi belo artigo de Cassiano Nunes, de Brasília, que Serejo promete publicar.

Mando-lhe também o último número do jornal de Geraldo Fontenelle, NOTÍCIAS CULTURAIS, que se edita em Fortaleza e onde colaboro todos os meses. Passe os olhos. Gostaria que lesse o artigo sobre Jorge Fernandes e Jenipabu. Você ainda escreve Jenipabu com G? Tá na hora de mudar. É preciso grafar certo as palavras, sob pena de tudo virar uma esculhambação. Jorge Fernandes escrevia certo, na década de vinte. Hoje, todo mundo escreve errado. Por que?

Veja também a transcrição do belo artigo do diretor do JORNAL DAS LETRAS, de Lisboa, aí no jornal de Fontenelle.
Enfim, se quiser, dê notícias dessas coisas. Natal ignora tudo isso.

Grande abraço do
Veríssimo”

Noel Rosa
Na segunda carta de Veríssimo o mote é Noel Rosa. Vejamos:
“Natal, 24.12.1992
Woden: eis aí um presente de Natal: o Songbook de Noel Rosa. O melhor disco do ano, no meu entender. Ouça com calma e verifique que o velho Noel é ainda o maior compositor popular do Brasil. Aqui ele está sendo interpretado por alguns dos maiores cantores brasileiros da atualidade. Uma maravilha.

Depois de ouvir a fita, me diga o que achou. Não há nada melhor no mundo dos discos no Brasil do que esta obra-prima que lhe mando. Com os votos de boas festas e fez ano novo.

Abs.

Veríssimo de Melo
PS: As letras das músicas de Noel são o retrato do Rio de Janeiro na década de trinta. ”

O livro de Clara
O bilhete, manuscrito, de Moacyr de Góes, postado no Rio de Janeiro em 7 de janeiro de 1992, me chega com o exemplar do livro de poesia de sua filha Clara:
“Meu caro WM:
Aí vai para você o livro de Clara. Também um artigo meu. Como este trata da “terrinha”, se a Tribuna do Norte quiser transcrever aqui fica aqui a minha autorização.

Como vão as coisas? Dificilmente poderemos responder que vão bem, não é? Mas, a esperança ainda não morreu. Um abraço com votos de feliz 92.

Moacyr de Góes”

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