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OSs planejavam expandir fraudes

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Isaac Lira – Repórter

Após conseguir contratos na Prefeitura de Natal, as organizações sociais, que para o Ministério Público Estadual se instalaram no Rio Grande do Norte a partir de um esquema fraudulento, tinham planos para expandir sua área de atuação para o Governo do Estado e para prefeituras do interior, além de aumentar o número de contratos com o próprio Município de Natal. Segundo informações presentes na denúncia, os investigados por suspeita de fraudes em contratos pretendiam conseguir contratos com a Prefeitura de Macaíba e Parnamirim, além de terceirizações no Hospital Ruy Pereira, em Natal, o Hospital da Mulher, em Mossoró, a UPA da Cidade da Esperança, em Natal, e em Parnamirim.

De todos esses planos, somente a contratação da Marca no Hospital da Mulher foi concretizada. “Os tentáculos dessa organização são impressionantes e sua atuação é multifacetada. No Rio Grande do Norte, a face mais visível dessa organização é a Associação Marca, que celebrou contratos de gestão para administração da UPA Pajuçara e para os AMEs de Natal, além do Hospital da Mulher, em Mossoró, no âmbito estadual, e estava prestes a celebrar contratos com os municípios de Parnamirim e Macaíba, conforme documentos apreendidos”, diz o texto dos promotores do Patrimônio Público, presente na denúncia.

Contudo, em diálogos entre os investigados Alexandre Magno Alves de Souza e Rosi Bravo, procurador do Município e administradora da Marca, respectivamente, fica claro que a intenção do grupo era conseguir gerir unidades de saúde em outras instâncias do poder público. A primeira menção diz respeito à UPA de Cidade da Esperança. O diálogo, relativo ao dia 27 de abril de 2011, entre Alexandre e Rosi, aponta para a intenção de utilizar o ITCI na unidade. Como se sabe, o ITCI foi o responsável pelo projeto Natal Contra a Dengue, cuja contratação foi considerada irregular pelo MPE e cuja denúncia foi publicizada ontem.

A conversa demonstra a preocupação de que o cancelamento do contrato para gerir o projeto da dengue possa interferir negativamente numa futura contratação para a UPA. Alexandre Magno diz o seguinte para Rosi: “Acho que ou o ITCI muda muita coisa ou se queimaram para cidade da esperança (sic)”.

A ida do ITCI, ou de qualquer outra organização social, não foi possível, até porque a UPA sequer teve a construção concluída. Nos meses seguintes, Alexandre Magno e Rosi Bravo, segundo a denúncia do MPE, continuaram a tratar de possíveis novos contratos. No dia 21 de janeiro deste ano, os dois falaram sobre a possibilidade de conseguir gerir unidades em Mossoró e em Macaíba. Citaram também o Hospital Ruy Pereira, que é do Governo do Estado. Alexandre Magno Alves diz para Rosi: “Foi show e temos tudo para inaugurar mossoro em marco, macaiba abril e ruy em maio/junho (sic)”. Mais adiante, Rosi questiona: “O contato emergencial serà so mosssoro? (sic)”. No que o procurador responde: “Eh so mossoro. Mas vou fazer a selecao logo. A questao do ruy eh financeira e nao sei se essa duvida se resolve no prazo de mossoro (sic”.

A contratação da Associação Marca para gerir o Hospital da Mulher, em Mossoró, se deu em março deste ano, através de um contrato emergencial. As conversas obtidas pelo Ministério Público através do sistema BBM, que até pouco tempo se imaginava imune a interceptações, datam de períodos anteriores ao início do processo de contratação dos gestores dessas unidades. A UPA da Pajuçara sequer foi inaugurada, ou seja a articulação para contratar OS foi feita antes mesmo do início da seleção. No caso do Hospital da Mulher, a conversa em questão foi travada antes do despacho do então secretário de Saúde, Domício Arruda, que determinou o início da seleção, no dia oito de fevereiro de 2012.

Envolvidos teriam recebido viagens

Há indícios, na denúncia enviada pelo MPE à Justiça, de que os investigados Bruno Macedo, Thiago Trindade e Alexandre Magno Alves receberam a título de “presente” uma viagem para Barcelona, na Espanha, custeada pela Associação Marca, um dos principais braços do suposto esquema de organizações sociais. Há e-mails interceptados pelo Ministério Público Estadual onde os indícios ficam claros.

O grupo de Tufi Soares Meres, considerado o cabeça do suposto esquema, tinha em mente a contratação de uma empresa para tratar da logística e armazenamento de medicamentos em Natal, em parceria com um grupo espanhol.

BARCELONA

Para isso, ficou programada uma viagem para Barcelona e cada um dos que na época eram membros da gestão municipal, sendo que dois do primeiro escalão, ganhou uma passagem com direito a acompanhante. Thiago, Bruno e Alexandre enviaram dados de suas acompanhantes no dia 22 de fevereiro de 2011. Segundo o e-mail, a viagem duraria do dia  de cinco ao dia 12 de março.

As mensagens foram trocadas entre Alexandre Magno, Rosi Bravo e Tufi Soares Meres. No texto, há uma recomendação: “preferência por vôos de curta duração”.

Para os integrantes do MPE, a viagem é uma prova de que Alexandre Magno, Thiago Trindade e Bruno Macedo “estavam totalmente integrados nos negócios projetados por Tufi Soares Meres na área da saúde no Município de Natal”. Em outra parte da peça, cita-se uma viagem do procurador Alexandre Magno ao Rio de Janeiro onde a Marca fica responsável pelos custos.

Governo quer encontro de contas

O Governo do Estado se pronunciou novamente acerca do relatório preliminar que apontou gastos indevidos de R$ 3,16 milhões na prestação de contas da Associação Marca, que geriu por oito meses o Hospital da Mulher. Segundo o secretário de Comunicação, Alexandre Mulatinho, os números fazem parte de um documento preliminar e o resultado final da auditoria pode trazer modificações  nesses dados, tanto para mais quanto para menos. Além disso, o secretário informou que o Estado adotou as providências sugeridas pela auditoria e “sustou o pagamento da última parcela para a Marca”.

O que a Secretaria Estadual de Saúde deve realizar, ainda de acordo com o secretário, é um “encontro de contas” com a Marca. A Sesap irá aferir os serviços prestados. “A governadora determinou a realização de uma auditoria por parte da Controladoria do Estado, que determinou uma auditoria interna no âmbito da Sesap”, diz o secretário de Comunicação. “O material é um relatório em construção. Não se faz auditoria divulgando fatos, consolida-se os dados para depois ser publicizado”, encerra Alexandre Mulatinho.

Acerca da avaliação do Governo no que diz respeito ao aluguel da casa para ser sede administrativa da Marca por parte do atual controlador do Estado, Anselmo Carvalho, o secretário de Comunicação disse que “esse assunto já foi explicado pelo próprio Anselmo”. O controlador disse que o aluguel de R$ 2,5 mil foi negociado pelo seu irmão e que não sabia o destino do imóvel, nem que era o locatário.

Desembargador do TJRN teria pedido propina

Além de tentar ampliar os contratos existentes, os investigados na Operação Assepsia tentaram influenciar o resultado de decisões na Justiça Estadual e no Tribunal de Contas. Nos momentos indicados na denúncia, os representantes da Marca e do ITCI corriam o risco de ter seus interesses prejudicados por decisões no TJRN e no TCE/RN. O Tribunal de Justiça julgava a possibilidade de continuação dos contratos com OSs no Município de Natal, enquanto que no TCE/RN era o contrato do ITCI que estava prestes a ser suspenso, como de fato aconteceu.

No dia 11 de maio de 2011, Bruno Macedo e Alexandre Magno Alves, ex-procurador geral e procurador do Município, respectivamente, fizeram uma visita ao Tribunal de Contas do Estado. Lá, se reuniram com a relatora do processo que investigava o contrato com o ITCI para gerir o projeto Natal Contra a Dengue, Maria Adélia Sales. Bruno e Alexandre, segundo o diálogo, visitaram o Tribunal de Contas para conversar com a relatora e saíram do Tribunal com a impressão de que a Prefeitura, e por conseqüência a Marca, iriam perder a disputa.

Contudo, o diálogo que demonstra indícios mais graves se deu em outubro. Naquele momento, havia uma forte oposição por parte do Ministério Público à contratação de organizações sociais para gerir unidades de saúde. Com uma ação civil pública impetrada, havia a possibilidade de extinção dos contratos, que não se concretizou pois o próprio MPE se posicionou a favor de prorrogar o contrato com a Marca. Contudo, antes disso, um diálogo entre Rosi Bravo e a esposa de Alexandre Magno Alves, Anna Karina Castro, interceptada pelo MPE, dá indícios de que o grupo tentou obter uma “intervenção remunerada no caso de um alto integrante do Judiciário”. Em outras palavras, pagamento de propina.

No diálogo, Anna Karina diz a Rosi Bravo que alguém “sondou o contrato”. “Me disse 30 milhoes – 2% – 1 agora e um daqui a 6 a 8 meses (sic)”, diz a esposa do procurador. Rosi pergunta: “É promotor ou desembargador?. Karina devolve: “Pergunta que eu preferia responder pessoalmente. Des (sic)”.

Mais adiante, Rosi e Tufi Soares Meres, “donos” da Marca, conversam sobre o assunto e ela explica melhor o contexto do diálogo anterior: “O q ele fez foi propor q se Bruno Macedo nao conseguir reverter, o desembargador caça a desicao atraves de liminar, mas o custo é mt alto! (sic)”. Os dois consideram que não seria preciso pagar para obter vantagem e o acordo posteriormente é selado para prorrogar o contrato com a Marca. Como o próprio Tufi diz depois, “de graça”.

Lobista tentou intermediar contatos

Os planos do grupo liderado por Tuffi Soares Meres  e Vicente Salek eram para consolidar e ampliar os negócios com a terceirização na área da Saúde Pública do Rio Grande do Norte, através de novos contatos com o Governo do Estado (o que foi conseguido, com o contrato para o Hospital da Mulher em Mossoró) e prefeituras do interior.  Vicente Salek chegou a ser procurador pelo lobista Claudio Varella que se ofereceu para intermediar contatos com lideranças políticas.

Em bate papo via mensagem do  BlackBerry® , no dia 29 de julho do ano passado, o lobista aborda Salek sobre a possibilidade de intermediar uma audiência de Tuffi Soares com o deputado federal Henrique Eduardo, líder do PMDB na Câmara, mas acrescenta que o deputado negou-se a marcar o encontro. Claudio afirma que pesquisou e viu “que tem muita coisa na internet” e, por isso, precisa de ajuda para “montar uma estratégia” para o grupo, oferecendo-se como “elo de acordo em cada situação”. O lobista insinua, ainda, que além do contato com o deputado teria acesso irrestrito ao “ministro, o pai do ministro que é senador, e o senador que substituiu o ministro que é medico.”

O deputado Henrique Eduardo, ao saber da citação feita ao nome dele pelo lobista a um dos envolvidos nas fraudes, reforçou o que consta da transcrição e que nunca soube do que Claudio Varella pretendia falar com ele. “Nunca recebi ninguém indicado por Claudio Varella. Como ele bem disse, não o atendi neste ou em qualquer outro pedido”, declarou o deputado, lamentando que o nome dele tenha sido citado de forma indevida.

“O ministro e o pai do ministro que é senador”, citados por Claudio Varella, são  o ministro Garibaldi Filho e o senador Garibaldi Alves. De Brasília, o ministro disse que lembrava de Claudio Varella de alguns “encontros de família”, mas que nunca tratou qualquer tipo de assunto relacionado a contratos com a Prefeitura de Natal com ele. “Lamento, principalmente, que ele tenha tentado usar essa aproximação familiar para fazer crer que tem algum tipo de influência junto a mim, a Henrique ou a meu pai”. Garibaldi Filho acrescentou, ainda, que a menção ao senador Garibaldi Alves “é uma irresponsabilidade e uma injustiça”. “Trata-se de um homem de 89 anos, que todo o Estado conhece”.

Na mesma conversa com Vicente Salek, Claudio Varella cita “o marido da prefeita” e o deputado federal Paulo Wagner como possíveis intermediários para resolver “os problemas da OS aqui no Estado.” O dialogo termina sem Vicente Salek se comprometer com as ofertas de intermediação feitas por Claudio Varella.

Memória

A Operação Assepsia, na qual o MPRN investiga a contratação de supostas organizações sociais pelo Município de Natal com atuação na área da saúde pública, foi deflagrada no dia 27 de junho. A promotoria do patrimônio público investiga formação de quadrilha e fraudes em licitações, além de desvios de dinheiro público em contratos com a Secretaria de Saúde.

Ao todo, oito mandados de prisão foram expedidos, tendo como alvo o ex-secretário de Planejamento de Natal, Antônio Luna,  o ex-secretário de Saúde Thiago Trindade, o procurador do Município, Alexandre Magno de Souza, Rose Bravo e Antonio Carlos Júnior, dirigentes da Marca, entre outros. Todos respondem em liberdade. Antonio Luna, até o momento, não foi denunciado pelo MPE.

As relações entre membros da atual administração na Prefeitura de Natal e supostas organizações sociais contratadas para gerir serviços de saúde são o foco da Operação Assepsia. O Ministério Público Estadual verificou fraudes no processo de contratação do Instituto Pernambucano de Assistência e Saúde (IPAS), do Instituto de Tecnologia, Capacitação e Integração Social (ITCI) e da Associação Marca.  A Operação Assepsia resultou, até agora, em quatro processos na Justiça. O MPE decidiu dividir cada caso de contratação supostamente fraudulenta em uma denúncia específica. Veja quais foram ajuizadas até agora:

11 de julho:

O MPE enviou à Justiça na duas ações penais, cada uma contra três pessoas, relacionadas à contratação da Marca, que geria a UPA de Pajuçara e os AMEs. Como a ação corre em segredo de justiça, os promotores do patrimônio público disseram não poder dar informações sobre o conteúdo do procedimento, mas, segundo a Assessoria de Comunicação do MPE, os fatos relatados no processo não estão ligados às principais fraudes da Operação, relacionadas a direcionamento de licitações. Os acusados são: Alexandre Magno Alves de Souza, Rosimar Gomes Bravo e Olibeira (Rose Bravo) e Antonio Carlos de Oliveira Júnior (maninho); e Thiago Barbosa Trindade, Rosimar Gomes Bravo e Olibeira (Rose Bravo) e Tufi Soares Meres.

16 de outubro:

O Ministério Público Estadual, através do procurador de Justiça, Manoel Onofre Neto, acusou a prefeita Micarla de Sousa, o seu marido, Miguel Weber, e os auxiliares Bosco Afonso e Jean Valério, de participação em fraudes na Secretaria Municipal de Saúde relatadas na Operação Assepsia.  Em virtude do suposto envolvimento, o procurador Manoel Onofre Neto pediu à Justiça o afastamento da prefeita e dos auxiliares de suas funções públicas. Em relação a Micarla, o pedido foi acatado pelo desembargador Amaury Moura.

O processo corre em segredo de Justiça. A investigação a respeito dos ex-secretários Jean Valério e Bosco Afonso e do empresário Miguel Weber foi remetida para a 7a. Vara Criminal.

23 de outubro:

Uma nova denúncia foi acatada ontem pela Justiça acerca dos fatos relatados na Operação Assepsia. A acusação envolve 17 pessoas implicadas na contratação do ITCI para o combate à dengue em Natal, no ano de 2011. Entre os acusados estão o ex-secretário municipal de Saúde, Thiago Trindade, o procurador municipal, Alexandre Alves Magno, o ex-procurador geral do Município, Bruno Macedo, além de dirigentes da organização social ITCI e da Associação Marca. O ITCI foi contratada para gerir e executar o “Projeto Natal contra a Dengue”, durante o período de 90 dias, pelo valor de R$ 8.117.575,70. O contrato durou apenas um mês e foi cancelado pela própria Prefeitura de Natal, após a abertura de um processo no TCE. Para o MPE, no entanto, a contratação foi feita de forma fraudulenta. Os promotores chegaram à conclusão que o ITCI foi contratado mediante conchavo entre os diretores da OS e membros da Prefeitura de Natal.

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