segunda-feira, 13 de maio, 2024
25.1 C
Natal
segunda-feira, 13 de maio, 2024

Oswaldo: 90 anos

- Publicidade -

Domingo passado, 15, Lua Nova, Oswaldo Lamartine teria comemorado 90 anos. No livro Em alpendres d’Acauã (Fundação José Augusto/Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará – 2001), organizado pela escritora Natércia Campos, Oswaldo conta do próprio punho:

– 1919 foi uma das maiores secas do sertão. Em novembro, meus pais moravam em Natal, na av. Rodrigues Alves, 431, esquina com a rua Trairi, onde hoje funciona o restaurante Tibério. Era uma casa colonial, de taipa e telha vã, alpendrada, fresca e honesta – daquele tipo de arquitetura que a engenharia esqueceu.

– Ali, no dia 15, sábado, às 19 h. Da. Adelaide Silva, parteira, cortou o ‘imbigo’ de um menino macho. Era eu. Quando é agora leio um ‘Almanak de Bristol para o anno de 1919 que era dia de Sta. Gertrudes, virgem (!) e a lua nasceu aos 29 minutos.

– Cheguei no aniversário da proclamação da república e até hoje ainda me pergunto se isso foi bom o ruim (?). Consola saber que foi na república velha quando menos se conjugava o verbo roubar.

Esta semana, numa dessas noites de lançamentos de livros (são tantos, que o sujeito vai perdendo a conta) puxei uma conversa com Paulo Bezerra (Paulo de Balá) e Edgar Ramalho Dantas, primos de Oswaldo, dois dos melhores quengos desta brava terra potiguar, sertanejos da gema. Um, médico (Paulo); outro, geólogo (Edgar), os dois professores da UFRN. Paulo, escritor; Edgar, pesquisador, herdeiro de um dos mais ricos arquivos do Estado – os papéis e fotografias que pertenceram ao seu avô – doutor Manoel Dantas, que sabia de tudo e por cima jornalista do mesmo tope de um Eloy de Souza.

Edgar disse que está pondo em ordem alguns papéis deixados por Oswaldo Lamartine, entre eles textos ainda inéditos e um calendário que  organizou para o Banco do Nordeste com desenhos seus. Também inédito. Mandou-me dois textos. Uma carta que Oswaldo, então funcionário do Banco do Nordeste, endereçou a Olavo João Galvão, que ocupava uma das chefias de setores do BNB. A carta é datada de 28 de fevereiro de 1970.

O segundo texto trata-se de um auto-perfil, mal comparando um currículo espichado. Não está datado, mas acredito que tenha sido da década de 60,  que Oswaldo deu o titulo de “Notas, em vida, para a vida do bancário”, que transcrevo em seguida com outro nome:

Oswaldo, por ele mesmo

– Diz a minha certidão de idade que nasci aos quinze dias do mês de novembro de 1919. Digo diz  porque eu mesmo não me lembro. Só muitos anos depois é que vim a saber, através de conversas dos mais velhos e da leitura de estudos, inclusive um do BNB, que 1919 foi uma das maiores secas do Nordeste. Talvez por isso sou magro – um sobejo da seca como se diz lá no sertão.

– Sendo o décimo filho, fui criado numa casa cheia, à moda antiga, com um imenso quintal do nunca-mais que era o meu pequeno-grande mundo. A vida era repartida entre os dias de estudo na cidade e as férias no sertão de inverno. Assim cresci, com as minhas lombrigas, o sarampo, a catapora e a papeira – mazelas da infância de todos nós. Sobrevivi às verdades médicas das purgas, da Panvermina (quenopódio), do Xarope Fammel, da injeção de sangue (tirava-se o sangue das veias para injetar nos músculos), dos depurativos, do cálcio, das vitaminas, dos antibióticos e estou chegando ao tempo dos virus e dos enzimas.

– Fui desasnado das letras em casa, por uma irmã mais velha. Depois foi a escola de D. Belém – que Deus a tenha – o Colégio Pedro II, o Ginásio do Recife, o Instituto Lafayette e a Escola Superior de Agricultura de Lavras. Passei por todos eles despercebido e inapercebido, como pelos remédios…

– As manias, sem ser maníaco, de que me lembro, foram da criação de boi-de-osso, a de juntar pedra-de-corisco, selos, moedas, livros, armas, genealogia, indiologia e etnografia. Joguei bola-de-meia, de borracha e de couro. Correi, remei, fiz jiu-jitsu e hoje faço tiro-ao-alvo. Empinei arraias coloridas, matei bichos de penas e de pelos; criei bichos de pelos e de penas e tive um canivete marca Corneta que era o sonho dos meninos do meu tempo. Torci por Buck Jones, Tom Mix e ri com Buster Keaton e Chico Bóia. Vi o Circo Stringuinni e o Serrazanni. Avistei o Jaú, o Zepelin e voei no Atlântico e depois com o anjo-louco Djalma Petit. Colhi mangas rosas e espadas para Mermoz e ouvi os irmãos Dimas e Otacílio em desafio.

– Trabalhei em duas fazendas. Administrei dois núcleos do INIC. Fui improvisado professor na Escola Agrícola de Jundiaí (Macaíba, RN) e na Doméstica de Natal. Cometi escritos nos jornais da província. Depois veio a Guerra. Fui o soldado no. 1918 do 16º RI, 3º Batalhão – Companhia de Metralhadoras, onde fui promovido – sem qualquer bravura – a cabo e depois a sargento. Guardei as praias de ponta Negra, Mãe Luíza e Barreira do Inferno da pirataria nazista. E, quando estava de pé-no-estribo para embarcar, não sei se por isso, Hitler resolver hastear a bandeira branca.

– Depois casei e voltei à Fazenda. Sou pai porque quis de dois filhos, embora na época não existissem as tais pílulas… Eles cresceram e estão tentando viver no meio dos 4 milhões que diz o IBGE. Também teimam em viver aqui.

– No INIC fiz concurso para o BNB e nele, certo ou errado, ainda estou e pretendendo ficar pois nessa idade (48 anos) não se troca mais de cavalo – dizem lá nos meus sertões.

– Das mazelas da alma, parte mais ao gosto do analista, teria de acrescentar que fui agnóstico e materialista – mas nunca por atitude e sempre por convicção. Mas, do mesmo modo que sarei do sarampo – doença da infância – também sarei das doenças da mocidade.

-Tive um acidente em menino e depois, com a Revolução de 1930, em que nossa casa foi depredada e meu pai exilado para a Europa, fui mandado estudar no Recife e em seguida no Rio de Janeiro. Em 1935 tive um irmão assassinado pelos asseclas do Exmo. Sr. Presidente da República, Getúlio Vargas.

No mesmo ano perdi minha irmã, um ano mais velha, pela impossibilidade (ou dificuldade) na época e no lugar de um diagnóstico precoce para o pulmão. Já mais recentemente (1956) perdi meu pai e depois a minha mãe (1961) quando me desquitei – como em um plano quinquenal de dissabores.

– O que resta do menino que passou, são 55 kg em 1,72m. e uns óculos sobre uns olhos míopes. O maior serviço que prestei ao BNB, parece ter sido a morte do Pedrinho do Boletim do qual sou réu confesso.

– E humildemente termino: plantei árvores, gerei filhos e escrevi livros. O julgamento deles – deixo aos juízes.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas