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Ouvindo os sinais

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Tádzio França
Repórter

A língua brasileira de sinais (Libras) é reconhecida há 15 anos como a segunda língua oficial do país, e em 2005 foi regulamentada como disciplina curricular. Apesar de serem grandes conquistas, ainda não removeram os obstáculos que a população surda enfrenta em seu cotidiano. Até que em 2017, uma iniciativa fez barulho suficiente para todos ouvirem: a redação do Enem teve como tema “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”. A prova alertou sobre a questão auditiva no país, expondo seus problemas e demandas. Está na hora de ouvir com mais atenção.

Apesar de ter sido um fato pontual, a redação do Enem foi saudada pela comunidade surda como um momento importante em sua procura por visibilidade. “Foi como abrir uma porta para muita gente. Levar os ‘ouvintes’ a saber como é a vida e a experiência de ser surdo, e  encontrar um mundo que não sabe te entender. É difícil”, afirma Mariane Linhares, professora de Letras Libras da UFRN, instrutora na Escola Anysio Teixeira, e professora da Associação de Surdos de Natal – Asnat.
Mariane Linhares é professora de Letras Libras da UFRN: Maioria dos alunos é de ouvintes
Mariane Linhares é professora de Letras Libras da UFRN: Maioria dos alunos é de ouvintes

Mariane é surda, sendo preciso uma intérprete para a realização da entrevista. Segundo ela, esse é um dos maiores problemas enfrentados pelos surdos em sua interação com a sociedade. “Falta intérpretes em praticamente todos os lugares que possa atender a essa parcela da sociedade. Não adianta ser convidada para eventos e congressos, se não houver intérpretes por lá. São necessárias mais parcerias com o poder público para agilizar essa questão, que é urgente”, diz.

Quanto mais gente se interessar em aprender libras, menor ficará a distância entre surdos e ouvintes. Mariane revela que, curiosamente, a maioria de seus alunos na UFRN são de ouvintes. O porquê? “Cada um tem suas motivações, mas acredito que a maioria quer ser intérprete ou mesmo seguir a carreira de professor. Seria ótimo se no futuro a UFRN abrisse um curso de bacharelado para intérprete, já que por enquanto há apenas o de licenciatura para professor”, explica.

A professora diz que no começo os alunos ouvintes demoram para obter fluência. Libras não é uma simples gestualização de letras do português, mas uma língua visual-motora com gramática própria. E não é universal. Há mais de 200 línguas de sinais no mundo, cada uma com suas próprias normas. “A disciplina tem 60 horas, o que considero até pouco para um aprendizado mais eficiente. Tem que praticar e interagir com os surdos”, ressalta.

A Asnat, com 23 anos de estrada, foi o primeiro porto seguro para os surdos no estado. “Era comum os surdos ficarem em casa, alheios ao mundo, pois não se comunicavam nem com a própria família. Hoje, graças à associação, pode-se conversar com outros, participar de viagens e encontros esportivos, aprender e ensinar. A alegria do contato faz bem à saúde”, afirma Juliana Alves, professora e diretora de formação educacional da Asnat.

A associação oferece ensino de libras em quatro módulos: básico, intermediário, avançado, e aprofundamento. Há também um curso para formação de instrutor. As aulas são ministradas apenas por surdos. Além dos cursos, a Asnat oferece serviços como acompanhamento de intérpretes para questões médicas ou jurídicas, e advogados para casos específicos.
Kaliana Alves Pereira estuda na Asnat e vive a realidade dos que tem deficiência auditiva
Kaliana Alves Pereira estuda na Asnat e vive a realidade dos que tem deficiência auditiva

Juliana se ressente de  o mercado ainda menosprezar o potencial dos surdos. “A gente se forma, e acham que só poderíamos fazer serviços manuais. É um preconceito velado que existe”, diz. A falta de comunicação continua nas entrevistas de emprego, onde raramente há intérprete. “Pedem para a gente escrever, mas eu tenho minha própria língua, não deveria precisar disso”, afirma.  

A estudante de Letras Libras Julyane Pereira é secretária da Asnat e, como ouvinte, se viu totalmente envolvida pelas questões dos surdos. “Às vezes eu saio como intérprete de pessoas da associação, e sinto na pele as dificuldades delas. A gente fica solidária na luta e se esforça mais para melhorar”, diz. Para ela,  a empatia vem da interação. “Vim do interior, onde a vida dos surdos é ainda mais difícil. Foi isso que me fez ter vontade de ajudar. Estudar, ler e se informar mais é fundamental”, completa.

Profissionais criam empresa de Libras para eventos

Foi em 2010, num retiro espiritual, que Adiliane de Paula teve contato com surdos e sua particular linguagem de sinais pela primeira vez. Sentiu-se incomodada por não saber se comunicar com eles, e resolveu aprender. Cada vez mais envolvida com a questão, a administradora criou a Libras Eventos e Cursos, uma empresa que forma profissionais intérpretes e tradutores em libras, aptos para interagir com um mercado mais exigente. Uma das ações bem recebidas foi durante o Festival Literário de Natal-FLIN, que contou com os serviços da empresa. “Essas funções requerem um conhecimento mais refinado do par linguístico, nesse caso, libras e o português, além do domínio de técnicas específicas”, afirma.

Adiliane também percebeu a dificuldade das empresas em encontrar profissionais da área, seja para eventos, concursos, faculdades, escolas, e outros fins. A empresa, portanto, capacita profissionais para oferta de serviços especializados em libras, visando áreas diversas. Há cursos para iniciantes, conversação, tradução, interpretação, e português para surdos. A Libras também oferece serviços de tradução e interpretação para pessoas físicas e empresas. “Acredito que esse trabalho contribui para a inclusão social dos surdos de forma efetiva”, diz.

Segundo a administradora, por ser um mercado de trabalho muito específico, a demanda é maior que a quantidade de profissionais capacitados. Adiliane ressalta que os avanços devem ser reconhecidos. “A inclusão do intérprete de libras tem sido cada vez mais frequente, assim como o surgimento de políticas públicas a favor disso”, afirma, citando o projeto de lei que obriga a presença de intérpretes em todos os eventos públicos oficiais de Natal, aprovado na câmara municipal em setembro deste ano.

A visão comercial e profissional da Libras Eventos pode ser um fator decisivo para a inclusão, segundo Adiliane. “A gente tenta sensibilizar as empresas de cultura e lazer de que o surdo tem o direito de ter acesso a esses serviços e que eles também são consumidores”, afirma. “Estamos num momento social propício à inclusão. Aquilo que antes era visto como uma deficiência, pode ser tratado apenas como diferença. Eu reflito que quando estou diante de um surdo e não consigo me comunicar com ele, a deficiência é minha, o defeito é meu”, afirma.

Curso e evento

Uma opção bastante procurada aos interessados em aprender mais, é o curso de libras do Senac-RN. Há do básico ao avançado, com aulas de segunda a sexta, com  160 horas por semestre. A faixa etária é de 16 anos. O interesse crescente é sinal de que o mercado se movimenta e quer falar – por gestos. É o caso de Sandra Maria Alves, pedagoga que estuda Libras há 8 meses no Senac. “Como minha área é educação, o meu objetivo é me preparar para dar suporte às eascolas que não tenham um profissional nessa área de libras”.

Para 04 e 08 de dezembro haverá um minicurso fotografia ministrado inteiramente em libras. O projeto “Narrativas do Silêncio” terá aulas práticas e teóricas, no IFRN da Cidade Alta. O curso é voltado para a acessibilidade cultural de pessoas surdas, e terá ainda apresentação teatral com atores surdos e um exposição de fotos com as imagens captadas na oficina. As inscrições também podem ser feitas na Asnat. 

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