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Para entender o amanhã

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Cláudio Emerenciano
Professor da UFRN

As mudanças e as transformações irreversíveis são precedidas de sonhos, buscas e aspirações. É o desabrochar e o triunfo do espírito e da luz. Em todo e qualquer tempo ou lugar, por toda a vertente dos tempos, a condição humana não hesita na procura de respostas sobre o seu existir e o seu porvir. Assim a humanidade dá saltos e retoma sua marcha de evolução. Invariavelmente inspirada em utopias. Que moldam novas realidades, deixando suas marcas nos tempos futuros. Sempre recomeçando…

 No deserto, noite, silêncio, estrelas e a plácida claridade do luar. Antoine de Saint-Exupéry aguarda socorro. Seu frágil avião caíra e seu co-piloto fraturara uma perna. Aquela noite, apesar das circunstâncias, embala outro voo: do pensamento. Sobre a vida e os homens: “O que salva é dar um passo. Mais um passo. É sempre o mesmo passo que se recomeça…” Enquanto Fernando Pessoa, atemporal em suas “Palavras de Pórtico”, refletindo sobre o mesmo tema, invocava sentença de antigos navegadores: “Navegar é preciso, viver não é preciso”. E, mais adiante, resumiu o sentido de sua vida: “Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha”. Os dois pensamentos resumem o humanismo do século XX.  Mas, ainda na primeira metade do século XX, Pablo Picasso retratou em obra-prima o holocausto de Guernica, revelando à posteridade a síntese do anti-humanismo que, infelizmente, até hoje, alastra-se pelo mundo. O ódio é irmão gêmeo da truculência, do fanatismo, da histeria, da intolerância e do preconceito. Eis, por exemplo, a tragédia monstruosa ainda hoje irrompendo na Nigéria, ceifando vidas inocentes, imoladas pela insanidade, pela ferocidade e pela histeria. Monstruosidade que alcança, de uma forma ou outra, em escala planetária, todos os homens, culturas e nações, Nesta quadra do século XXI a humanidade não desfruta de paz, harmonia, solidariedade, justiça, irmandade e segurança, tão necessárias à sua verdadeira destinação: ser feliz. Uma crise de confiança atinge, em todo o mundo, governantes e instituições. Arnold Toynbee, historiador, filósofo e economista, em “Um estudo da História”, lançou repto às novas gerações: somente o entendimento, a convergência e a paz preservarão a vida humana.

Os maiores biógrafos do século XX foram André Maurois e Stefan Zweig. Diziam que tudo o que eleva o viver das pessoas explicita o sentido da História.   A amizade é um vínculo intemporal. Em sua verdadeira dimensão é inextinguível. É uma opção fundada na fraternidade e na conjunção de ideias, de sentimentos, de temperamentos, de crenças ou de valores. O interesse material, as ambições, as vaidades, o cinismo e a hipocrisia jamais alicerçaram identidade perene entre pessoas. Pelo contrário. São antíteses e negações de tudo quanto revela grandeza, honra, idealismo, coerência e dignidade na condição humana. Raíssa Maritain, escritora e esposa de Jacques Maritain (um dos maiores pensadores cristãos no século XX), há muito tempo me comove ao ler e reler suas reflexões em “As grandes amizades”. Esse livro monumental, a exemplo de “O mundo que eu vi” de Stefan Zweig, foi escrito de memória, sem anotações nem documentos, em pleno exílio. Enquanto Zweig estava em Petrópolis, no Rio de Janeiro, o casal Maritain se exilara em Nova York nos primeiros tempos da Segunda Guerra. Era a tragédia da expansão nazista e ocupação militar de grande parte da Europa, vitimando milhões e revelando a cruel selvageria entre homens.

A amizade se revitaliza na divergência, no respeito mútuo de idéias e percepções antagônicas. Não pode haver capitulação entre amigos. A convivência de contrários é traço, marca e legado do que se convencionou chamar de mundo civilizado e democrático. Em qualquer tempo. Mas a amizade adquiriu um sentido transcendental, maior, ilimitado e ascendente com o cristianismo. A fé cristã considera todos os homens irmãos entre si. A condição de filhos de Deus não é um direito, mas um dom, uma dádiva outorgada pelo Criador. Há algo de misterioso, enigmático, místico e inalcançável na tolerância, no perdão e no absoluto esquecimento de adversidades, injustiças e sofrimentos. De qualquer natureza e procedência. Mohandas Gandhi, que não era cristão na fé, mas em atitudes, relembrava com freqüência para seus amigos (irmãos) ocidentais, que o último ato de Jesus na Cruz, antes de entregar sua alma ao Pai, foi de perdão e misericórdia: “Pai, perdoai-os, pois não sabem o que fazem”.

A vida é um poema. A poesia da Criação. Sua beleza é divina, eterna e infinita. Seu conteúdo se expressa em tudo quanto revela amor. O nascer do dia, em qualquer parte do mundo, até nos desertos – observava genialmente Antoine de Saint-Exupéry –  é uma explosão de deslumbramento sem igual. A luz que desfaz as trevas da noite, oscilando do roxo tênue, fosco, para o azul irradiante, é uma mensagem encantadora e fascinante da vida, que o homem, infelizmente, costuma esquecer, ignorar ou tentar destruir. São Paulo dizia que uma das mais evidentes deficiências da condição humana reside em ignorar o óbvio, ou seja, aquilo que está diante dos seus olhos e do seu nariz.  A imersão do homem em coisas efêmeras, inconsistentes, rotineiras e materiais, leva-o a perder consciência da substância da vida, do seu sentido e de sua dimensão. Há hoje em dia, disseminado pela televisão e pelas redes sociais, um hedonismo, que propõe o primado do prazer em detrimento da ética e da moral.

Tenho assistido a uma multiplicidade de programas de televisão sobre a questão ambiental. Que é planetária. A vida no planeta está em perigo. Dizem cientistas. Por outro lado, cada vez mais se ampliam o medo, a desconfiança, a intolerância, a violência, a indiferença e os egoísmos entre pessoas, povos e culturas. Será que nos encaminharemos para inviabilizar a construção da civilização do amor? A verdadeira paz é amor em todos os sentidos. Amor ao homem e à natureza que Deus lhe deu.

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