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“Para resolver o problema precisamos de dinheiro e gente”

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Hudson Helder
Chefe de Reportagem

Os registros de homicídios e crimes como furto e roubo, que chegam ao Centro Integrado de Operações de Segurança Pública, estão norteando ações das polícias a partir das chamadas manchas criminais. O tratamento e interpretação das estatísticas mostram onde é maior a incidência, os dias e horários, e ajudam no planejamento de operações como a “Madrugada Segura”. Nos últimos meses, tropas especializadas da Polícia Militar, como o Batalhão de Polícia de Choque, Rocam e o Bope, intensificaram o patrulhamento e operações com o objetivo de reduzir os índices de violência nas comunidades e localidades onde há as maiores incidências.

O comandante do BPChoque, tenente-coronel PM Rodrigo Trigueiro, afirma que a estratégia de usar esses dados permite o planejamento de ações com maior chance de êxito e os resultados têm surgido a cada operação do batalhão. As ações, segundo ele, têm sido mais precisas e objetivos bem definidos, seja para apreender material ilícito ou prender supostos criminosos.

Ten. Coronel PM Rodrigo Trigueiro Félix da Silva, Comandante do Batalhão de Polícia de Choque da PM-RN
Ten. Coronel PM Rodrigo Trigueiro Félix da Silva, Comandante do Batalhão de Polícia de Choque da PM-RN

Trigueiro reconhece a dificuldade que o baixo efetivo acarreta no combate à criminalidade. Na entrevista que segue, o comandante do BPChoque, ressalta a mudança de perfil e comportamento dos criminosos de “hoje”, quando comparados àqueles com os quais os policiais lidavam há duas décadas. “São mais violentos e não basta roubar; fazem questão de atirar”.

As operações vêm sendo intensificadas com uso de forças especiais da PM?
Sim, seguindo a recomendação do comandante-geral da PM, coronel Osmar e do Comandante de Policiamento Metropolitano, Cel. Mendonça, em áreas indicadas a partir das manchas criminais. Ou seja, as estatísticas de mortes violentas, furto e roubo.  Fizemos hoje [nessa quinta-feira, 28], na comunidade do Mosquito, e semana passada em Novo Horizonte [antiga favela do Japão]. O saldo tem sido positivo, com apreensão de armas, drogas e recuperação de produtos roubados, além de prisões. Esse Francinaldo — morto na manhã dessa quinta-feira em confronto com policiais do BPChoque e Rocam — era foragido da Comarca de Caruaru-PE. O objetivo dessas operações é tirar de circulação essas pessoas que cometem crimes, transmitindo uma sensação maior de segurança e dar mais tranquilidade às pessoas de bem que vivem e moram nessas comunidades, que a gente sabe são maioria, mas que são atormentadas por uma minoria.

Quais são essas áreas indicadas pelas manchas criminais?
Na zona Leste, bairro das Rocas, Brasília Teimosa e Mãe Luíza, além do Paço da Pátria; na zona Norte, temos uma grande concentração de comunidades ali em Nossa Senhora da Apresentação, José Sarney e divisa da avenida das Fronteiras; na zona Oeste, comunidade do Mosquito, Japão e uma parte de Felipe Camarão e Planalto, Nazaré, Governador Dix-Sept Rosado e Bom Pastor. São bairros grandes, mas que dentro deles há pequenas localidades que abrigam esses criminosos; na zona Sul, a Vila de Ponta Negra, Nova Descoberta, e a Toca da Raposa, em Nova Parnamirim. A cidade cresceu, se desenvolveu muito, hoje com as cidades que integram a Região Metropolitana, e naturalmente o crime acompanha seu crescimento.

Existe uma diferença entre esse bandido que está hoje nas ruas, traficando, roubando, furtando e matando, e aquele de quando o senhor entrou na PM, há 25 anos?
Era outra geração de criminoso. É preciso, sim, observar as gerações. Quando eu entrei na polícia, os criminosos respeitavam mais e temiam a força policial. A legislação é basicamente a mesma. Hoje, com o advento da tecnologia e da informação rápida, e pela fragilidade da nossa legislação penal e criminal, e por ser falha, com advento das audiências de custódia — acho que tem que existir —, mas não temos um sistema prisional com capacidade de absolver todas essas pessoas detidas e presas pela força policial. Aí entra também um viés da educação; somos um país mal-educado, onde não investimos em educação, onde também a família se quebra, sem lazer e, sem nada, descamba para o crime. Se nada mudar, está surgindo uma legião de criminosos. Basta observar os menores que cometem crimes. Basta perguntar a um professor da rede pública de ensino como ele se sente entrar numa sala e dar aula, especialmente no Ensino Médio. A família quebrou-se, não tem educação e tudo vai descambar para a violência.

O criminoso de hoje ficou extremamente violento. A sociedade de 30 anos pra cá ficou mais violenta. Esse criminoso, hoje, é mais violento. Ele rouba, mas dispara a arma contra você, mesmo após roubar o seu bem; mas faz questão de matar. Temos inúmeros exemplos em relação a isso.

E onde entram as polícias?
Justamente nesse anteparo. A força policial é o para-choque que separa a criminalidade da sociedade; ou seja, o criminoso do cidadão de bem. Temos que separar isso. Na atual conjuntura, com a grande quantidade de pessoas sendo detidas, a gente imagina que se nada acontecer, se não melhorar a legislação, endurecerem a legislação e as progressões de penas, as coisas podem piorar.

O que levou a essa mudança de comportamento por parte desses bandidos? Impunidade?
Falta de educação, de família e uma legislação fraca — impunidade. Com ela, a gente vê o número de homicídios crescendo, o nível de apuração baixo e aí o criminoso se sente no direito de cometer o crime sabendo que não será descoberto.

O que mudou na percepção desses policiais em um cenário de tanta violência?
Nessa conjunto, nesse cenário, a mensagem que a gente transmite aos nossos policiais é que em primeiro lugar deve vir a família. A força policial — independente de governo — foi esquecida, e dilapidada. Hoje, vivemos de resiliência. Vamos para a rua combater o crime porque está na nossa família. Nossa família, nossos amigos são a sociedade. Mesmo que eu não lhe conheça, estou ali não para resguardar a segurança somente da minha família e meus amigos, mas da sociedade. Somos motivados por isso, para combater essas facções, por exemplo, que querem por fim da força dominar alguns territórios. Não vamos permitir! A polícia Militar, nosso Batalhão de Polícia de Choque não vai permitir!

Existe uma área mais perigosa, em Natal, e por que?
A mancha criminal é levantada pela questão do homicídio. Nesse caso, é a zona Norte. Mas quando vamos fazer o levantamento estatístico de roubo — arrastões em residências, furtos, roubo de veículos — aí é na zona Sul onde prevalece. A gente conclui que o marginal rouba na zona Sul e acerta contas com o desafeto de crime na região onde ele habita. Os motivos, então, são diversos. Pode ser por disputa de território, ou partilha dos produtos de roubo, ou tráfico. É isso que vai gerar parte dos homicídios e isso coloca a zona Norte, e a zona Oeste, à frente nas estatísticas.

A estrutura das polícias é menor. Como lidar com essa realidade diante do aumento da violência?
Somos uma tropa já antiga. A falta de investimento descambou em 11 anos sem concurso público para integrantes, especialmente para a PM-RN, e isso influi nesses índices. Mas, historicamente, faltou investimento nos outros órgãos da área de segurança pública. Na Polícia Militar, o que mais nos afeta é a falta de efetivo. Precisamos de renovação porque isso mantém a vida institucional da PM; é o sangue novo. O cenário, hoje, é que somos uma tropa “encolhida”, com investimento de arma, viatura, mas ainda não temos o investimento de pessoas. Para resolver o problema precisamos de duas coisas — dinheiro e gente. Dinheiro para contratar e equipar, e gente porque não se faz segurança pública sem pessoas. Sem isso, os dias tendem a serem muito ruins; de uma forma geral, no país, falta investimento na educação, na segurança pública, de forma que não vislumbramos um futuro promissor. Não algo desse ou daquele governo, mas histórico. A Polícia Civil e o Itep precisam ser equipados e haver contratação de pessoal.

Quando entrei na Polícia Militar, em 1992, ela estava bem. Até o ano de 2005, tínhamos 11 mil policiais. Hoje temos menos de oito mil. Por aí, a gente faz essa análise lógica e simples, da influência nesse atual contexto.

A população mudou o comportamento em função da violência. O agente de segurança também? E a partir de quando?
Há, sim, essa concepção. Por exemplo, quando eu tiro essa farda e vou pegar meu filho na escola, em meu carro e vou para casa na hora que todo mundo chega. Também corro risco como qualquer pessoa da comunidade quando estiver entrando em minha residência, em ser abordado por um ou vários criminosos. Temos essa concepção, e isso é mais um fator motivador para combatermos o crime, pois pode respingar em nós enquanto agentes de segurança. Essa sensação, volto a dizer, é porque a gente não vê polícia na rua porque falta gente. Quando vê polícia na rua, se sente mais tranquilo. Quando você vê poucas viaturas na rua — “não porque não tenha —, mas porque está atendendo ocorrência, ou numa delegacia concluindo um flagrante, isso ocupa a viatura e com o número pequeno a gente deixa de ver essa viatura na rua.

Mesmo com o efetivo reduzido na PM-RN, os resultados são compatíveis no BPChoque?
Mantivemos a média a partir de maio deste ano. Em janeiro e fevereiro, devido à situação e demanda em Alcaçuz, praticamente não houve apreensões. O efetivo estava mobilizado. A partir de maio há um pico de apreensões de entorpecentes e armas. Isso é resultado de duas situações: o Batalhão está trabalhando, conseguindo prender e apreender. O segundo viés, e é a parte ruim, porque os números significam que  existem muitas pessoas andando armadas na cidade, cometendo crime e transportando substâncias ilícitas. O êxito aumenta porque mesmo nas dificuldades a gente trabalha, mas é prejudicial porque a gente sabe que o crime está aumentando.

O senhor é contra, ou a favor, da “Lei do Desarmamento”?
Estamos passando agora o que os Estados Unidos passaram nos anos de 1800, e eles têm uma cultura armamentista, desde a época do “velho oeste”. Naquela época, no entanto, matara muita gente. É a melhor democracia do mundo, mas você vive sob lei. Lá, existem alguns estados onde você pode até portar arma ostensivamente. Mas se numa discussão de trânsito você tirar a vida de um cidadão de bem, tenha certeza que pegará prisão perpétua ou pena de morte. Então, a questão do Estatuto do Desarmamento aqui no Brasil é: nós temos cultura para isso? Temos cultura para eu e você estarmos armados na hora de uma discussão de trânsito, ou numa fila de banco, ou na entrada em um ônibus apertado, por exemplo? Será queremos cultura e educação para dialogarmos ao invés de um sacar a arma para o outro e atirar? E a nossa legislação vai amparar, acompanhar? Isso ocorreu nos EUA do Século XVII ou XVIII. Se tinha desavença, um matava o outro. Mas eles aprimoraram a legislação, e hoje mesmo com a cultura armamentista deles, mas as ocorrências são quase sempre de pessoas mentalmente perturbadas. As situações de uso da arma por questões banais são mais difíceis.

Aqui, eu sou a favor de você usar arma. Quer defender sua propriedade, sua família, eu concordo. Mas volto a questionar se temos cultura e educação para todos andarmos armados.

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