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Passado à direita

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Ramon Ribeiro
Repórter

Movimento brasileiro de extrema direita, enaltecedor de valores conservadores e espirituais, o Integralismo conquistou a adesão de figuras importantes da sociedade norte-riograndense com sua pregação nacionalista, anticomunista e de forte oposição ao sistema político vigente. Câmara Cascudo, Monsenhor Walfredo Gurgel, Miguel Seabra Fagundes, Carlos Gondin, Manoel Rodrigues de Melo, Otto Guerra, Waldemar de Almeida, Clóvis Sarinho, Hélio Galvão, todos foram membros da unidade potiguar da Ação Integralista Brasileira (AIB), que vigorou no RN entre 1933 e 1937.

Filho de integralista, Gonzaga Cortez se dedica à pesquisa sobre o movimento desde os anos 80. Reportagens que escreveu à época foram premiadas

Filho de integralista, Gonzaga Cortez se dedica à pesquisa sobre o
movimento desde os anos 80. Reportagens que escreveu à época foram
premiadas

Por algum motivo não muito claro, a trajetória do integralismo em solo potiguar ficou esquecida por décadas. Não havia interesse dos historiadores locais em investigar detalhadamente a atuação da AIB-RN. Somente em 1984 é que o tema ganhou um estudo abrangente, a partir de uma série de nove reportagens publicadas no Diário de Natal pelo jornalista Luiz Gonzaga Cortez. O trabalho investigativo repercutiu nos círculos intelectuais de Natal chegando a ser premiado pela Fundação José Augusto, levando-o a ser publicado em livro em 1986 sob o título “A Pequena História do Integralismo no RN”. Raridade em sebos, a obra ganha em 2018 uma 2ª edição, revista e ampliada pelo autor. O lançamento acontece na quinta-feira (22), a partir das 18h, no Temis Clube Balcão Bar (sede do América F. C).

A segunda edição do livro vem com rico acervo fotográfico. Reportagens publicadas por Gonzaga Cortez em 1990 na TRIBUNA DO NORTE sobre episódios ainda não abordados também foram acrescidos, além de textos sobre os reflexos da Intentona Integralista de 1938, estourada no Rio de Janeiro, mas com consequências no RN.

Na obra, além das informações sobre o movimento integralista, é possível ver um retrato do Rio Grande do Norte dos anos 30, período marcado por conflitos políticos de diferentes correntes ideológicas. “O livro mostra que naquela década o ideal revolucionário não era patrimônio apenas da esquerda. Existia no RN uma direita católica revolucionária, influente e organizada, que, assim como os comunistas, pregava um golpe de estado”, diz Gonzaga Cortez em entrevista ao VIVER. “Enquanto a esquerda acreditava na ditadura socialista do proletariado, a direta apostava num nacionalismo totalitário com o lema ‘Deus, Pátria e Família’”.

Gonzaga conta que na ocasião da primeira edição do livro muitos especularam que o interesse dele pelo tema era de fazer ressurgir o fascismo. “Alguns achavam que era um desejo meu de dar visibilidade aqueles ideais. Mas meu único interesse era jornalístico. Investigar um assunto tão pouco falado no estado”, lembra o autor, esquerdista, filho do integralista Manoel Genésio Cortez Gomes (último chefe provincial da AIB). “Tive muitas discussões com meu pai quando era jovem. Ele ficava furioso com as leituras que eu fazia dos marxistas. Isso foi até um dos motivos que me levou a sair cedo de casa”.

Os Camisas Verdes na Junqueira Aires. No detalhe em frente, Câmara Cascudo com os filhos

Os ‘Camisas Verdes’ na Junqueira Aires. No detalhe em frente, Câmara Cascudo com os filhos

Já nos anos 90, com a nova série de reportagens na TRIBUNA DO NORTE, as acusações eram de que Gonzaga queria manchar a reputação de algum desafeto de sua família. “Boa parte das famílias não gosta que se fale do assunto, que se lembre da ligação de seus parentes com o integralismo. Preferem deixar tudo esquecido. Mas o tema é relevante, mostra um lado da sociedade potiguar daquela época”, argumenta o autor. A série publicada na TN foi interrompida na terceira reportagem por ordem da direção do jornal. Apesar das críticas, Gonzaga recorda que sua investigação também suscitou novos estudos sobre o tema. Nos anos 80, a UFRN promoveu um seminário para debater a história ABI no RN.

Perfil dos integralistas
Gonzaga conta que inicialmente o perfil dos integrantes potiguares era de homens extremamente católicos e de boa classe social. Mas depois o grupo se abriu para operários, fazendeiros, protestantes, espíritas, negros, dentre outros. No entanto, poucos eram os que estavam realmente por dentro das doutrinas do movimento. Na opinião de Gonzaga, a maioria estava atraída mais pelo ideais nacionalistas e o combate aos comunistas. Sobre as mulheres, apesar da baixa adesão, chamou a atenção do jornalista a participação feminina em Mossoró. “Das cidades que pesquisei foi onde mais encontrei mulheres discursando”, comenta.

Cascudo Integralista
O livro aponta destacada participação de Câmara Cascudo na AIB-RN. Além de fundador e primeiro chefe provincial do grupo, ele publicou artigos em jornais nacionais. “Tem gente que diminui a participação de Cascudo dizendo que era ‘coisa de jovem’. Mas não é bem assim, ele tinha 34 anos quando o movimento foi criado. Ele chegou a escrever sobre a relação do integralismo e facismo. Participou de reuniões nacionais. Foi dirigente”, comenta Gonzaga.

AIB-RN: Monsenhor Walfredo Gurgel, Felipe Nery, Miguel Seabra, Otto Guerra, Francisco Veras, Sinval Dias e Waldemar de Almeida

AIB-RN: Monsenhor Walfredo Gurgel, Felipe Nery, Miguel Seabra, Otto
Guerra, Francisco Veras, Sinval Dias e Waldemar de Almeida

O jornalista diz que tentou o contato com o etnógrafo no período de apuração nos anos 80, mas devido a saúde frágil de Cascudo não foi possível conversar. “Desconheço que Cascudo tenha renegado seu passado integralista. Mas pelos seus textos é possível perceber que ele tinha discordâncias com a linha nacional do movimento. Assim como muitos, se afastou do grupo quando os nazistas começaram a perseguir católicos na Europa”.

Dentre as principais fontes do livro estão Otto Guerra e Clovis Sarinho. O jornalista também visitou o acervo de outros integralistas, além do próprio material herdado do pai. Também foram visitados o Arquivo Público do RN, jornais da AIB, bem como da imprensa nacional e local. Gonzaga doou o acervo de seu pai para a UFRN.

Pequena História do Integralismo no RN, obra que revela como o movimento conquistou a adesão de figuras importantes da sociedade norte-riograndense com sua pregação nacionalista

Pequena História do Integralismo no RN, obra que revela como o
movimento conquistou a adesão de figuras importantes da sociedade
norte-riograndense

Serviço
Lançamento do livro “Pequena História do Integralismo no RN”, de Luiz Gonzaga Cortez

Dia 22 de março, às 18h

Temis Clube Balcão Bar (Sede do América F.C)

Quem
Luiz Gonzaga Cortez é formado em jornalismo pela UFRN. Passou pelas redações do Diário de Natal e Tribuna do Norte. Foi ganhador do Concurso de Reportagens Elias Souto da Fundação José Augusto com as reportagens “A Pequena História do Integralismo no RN”, “O Comunismo e as Lutas Políticas do RN na Década de 30” e “Luiz Maranhão, mártir do povo”. É autor dos livros “Câmara Cascudo, jornalista integralista” (1995), “A Revolta Comunista de 1935 em Natal” (2000), dentre outros.

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