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Passeio

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Dácio Galvão
De vez em quando os refluxos de marcas ressurgem. Não se solicita nem se controla. Seja por algum gatilho inconsciente ou um acontecimento externo detonador. Falo de contextos. Sobretudo aqueles que mexem com emoções de camadas sólidas do misterioso interior humano. De marcas que guardadas dizem algo estruturante que nos possibilitam tornarmos mais. É. A porção mais!

Quando visitei as mostras de Millôr Fernandes e Cláudia Andujar expostas nas galerias do Instituto Moreira Sales emplaquei no mesmo embalo mais uma vinculada à literatura. Foi a do escritor que Gilberto Gil incluiu em suas primeiras visitas depois de ter tomado posse como Ministro da Cultura.

Expografia com tratamento multimídia na Ocupação Manuel de Barros. Estava sendo aberta para o público no Itaú Cultural. Incluía as participações luxuosas do irrequieto escritor Marcelino Freire e também da cantora e pesquisadora de cantares indígenas, Marlui Miranda. Ambos fizeram um incomum cerimonial para a moçada que se aglomerava na entrada da Ocupação. Recitaram com ritmos e clarezas curiosos textos do poeta pantaneiro. Ambiente de bom astral prestigiado por Edson Natale, Danilo Miranda, agitadores da resistente Cooperifa promotora de exibições de Cinema na Laje, da Chuva de Livros, de Saraus… Estava no adiantado da hora. Da noite.

Depois do bom consumo, saí caminhando na Avenida Paulista e esbarrei na Japan House São Paulo! O que é isso? Não conhecia. Depois saberia da existência de mais duas instaladas em Londres e Los Angeles.

A arquitetura da fachada já articula a madeira oriunda de tradicionais pinheiros japoneses. É impactante o diálogo que a estrutura estabelece junto à figura gigantesca de Oscar Niemeyer. Figura monumental pintada e fixada noutro prédio. Ela é absorvida pela trama do emadeiramento que encaixa enquadramentos de certo vazamento no seu interior em ângulos distintos. Moldura-escultura nipo-brasileira. Ponte entre povos. Entre culturas. Coisa da tradição e do pensamento ideogramático: o hinoki escultórico e artesanal se integra ao mural em técnica grafite, retratando o famoso comunista carioca, que fora amigo de Fidel Castro, assinado por Eduardo Kobra. O artista que veio da periferia paulista para ganhar o mundo. Espalhando a cultura da paz reverenciando gente do peso de Nelson Mandela, Martin Luther King, Mahatma Gandhi, de Anne Frank, Malaia Yousafzai, Salvador Dali, Albert Einstein… Em seus murais de memórias ou recortes da história Kobra traz traços e cores de artistas do calibre de Diego Rivera, Keith Haring, Eric Grohe… Ex-militante do hip hop sobrecarrega a expressão do hiper-realismo.

De pescoço estirado e olhando para cima, perplexo, não me contive. Átimo de deslumbramento. Quebrei a regra da auto-segurança e da prudência. Desentoquei o celular do bolso e fiz fotografias no meio da avenida deserta já em alta hora. Nada sabia da casa japonesa que oferece gratuitamente acesso a biblioteca, artes visuais, gastronomia, seminários… Que projeto fantástico.

O Japão não ofereceu de graça ao planeta um Akira Kurosawa, Matsuo Bashô, Shoko Suzuki, Miyamoto Musashi, uma Tomie Ohtake, Otomo Yoshihide, Masayuki Takayanagi… Não nos esquecemos de que Serguei Eisenstein se inspirou na ideografia, especialmente a japonesa, para utilizar nas suas técnicas de montagens cinematográficas na Rússia pós revolução marxista.

Por aqui fomos tingidos quando Câmara Cascudo tabelou com técnicas oriundas de composições haikais e tomou emprestado o vocábulo “Kakemono” para titular e cometer um poema lírico em verso livre. Transitou por estéticas parnasianas e do modernismo do primeiro quarto do século vinte. Esse texto cascudiano consta no CD Brouhaha, do Projeto Nação Potiguar, e foi musicado pelo emblemático compositor e guitarrista Heraldo do Monte. O cantar ficou por conta de Paulinho Boca de Cantor, ex-Novos Baianos. O foco é a mulher idealizada e metaforicamente relacionada ao fino lírio japonês. Monteiro Lobato, Floriano Peixoto, Guilherme de Almeida, Paulo Leminski passearam em variadas cores poéticas nipônicas. Esse passear do nipo-signo dá o que falar e o que escrever. Quem não se lembra da Vila Agrícola japonesa instalada em Pium monitorada pelo técnico agrícola Oswaldo Lamartine de Faria? Que segundo Raquel de Queiroz é ou foi o maior sertanólogo do Brasil? Que viva o Japão com seu kabuki-maremoto! 

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