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“Pastoral da Criança é uma obra-prima”

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Fundadora da Pastoral da Criança e coordenadora da Pastoral da Pessoa Idosa, Zilda Arns é uma médica que, longe de atender na clínica em Curitiba, faz hoje um trabalho que alia simplicidade e arrojo, vontade e solidariedade. Com a Pastoral da Criança são atendidas dois milhões de crianças brasileiras e as ações chegam a 16 países. Na Pastoral da Pessoa Idosa o objetivo é fazer cumprir o Estatuto do Idoso.

Zilda Arns observa que muitos dos problemas combatidos por essas duas pastorais passam pela educação da população. “Falta cidadania às famílias. Elas não tiveram educação. Às vezes os idosos também não educaram seus filhos adequadamente”, diz ela, referindo-se ao abandono em que os idosos são entregues pelas famílias.

Sobre as crianças, ela alerta para a importância da educação integral e, ainda mais, para a necessidade de ser implantada a educação religiosa. “Precisamos formar uma geração mais saudável. A criança vai para a Pastoral, precisamos de escola de qualidade para levar à frente. Precisamos de fé e vida. É uma ignorância muito grande quando alguém diz que a escola não precisa ensinar religião”, destaca.

A convidada do 3 por 4 de hoje é uma senhora de fala tranqüila, declarações contundentes e ações firmes na defesa da criança e do idoso.

A senhora está satisfeita com os rumos tomados pela  Pastoral da Criança, criada pela senhora?
Estou muito feliz. Considero a Pastoral da Criança não uma obra humana, mas uma obra divina. Porque estamos levando a todos os rincões do país, são 43 mil comunidades, recuperando a questão da mortalidade, estendendo a paz, promovendo as mulheres. É uma coisa bárbara. Estou voltando do Timor Leste, na África, estive lá vendo a Pastoral da Criança pegando as crianças, recuperando as desnutridas. Estamos em outros países também como Angola, América Latina, América Central. Estou muito feliz e considero um milagre a união, a capacitação contínua, a formação, a capacidade de articulação com o Governo, com setores da sociedade. E mantemos a mística com a fé e vida. Não existiria a Pastoral se não tivéssemos os líderes voluntários. 

Alcançada essa fase ressaltada pela senhora, qual o desafio hoje da Pastoral?
A Pastoral controlou a desnutrição. Estamos com 4% de desnutrição, segundo a Organização Mundial de Saúde, isso representa o controle da desnutrição. Antes tínhamos 60% de desnutridos hoje não tem mais. Mas diria que o mundo moderno precisa cuidar muito do desenvolvimento integral das pessoas. Não só saúde, como tomar as vacinas por exemplo, mas ter saúde mental, a alegria de viver. É preciso olhar para a saúde social, de se dar bem consigo mesmo, com os outros. E também precisamos de espiritualidade, precisamos do Ser Superior, para ser nossa referência. A espiritualidade é muito importante. As pessoas precisam aprender mais para dialogar. E tudo isso tem seu começo na criança. O fato de criar bem a criança, de cantar, rezar, precisa olhar para a saúde física e mental da criança, para ela respirar melhor, ter uma integralidade. Penso que o desafio cada vez mais é procurar aplicar o modelo da Pastoral da Criança que une fé e vida. Estamos fazendo pesquisas para ver as diversas áreas. Estamos com equipes multidisciplinares. A Pastoral da Criança é uma obra de arte.

Não chega a decepcionar um pouco a senhora fazer todo esse trabalho pela saúde da criança e quando ela cresce um pouco já entra na problemática da exploração sexual e da violência?
Estamos pensando nisso. Mas as nossas crianças não foram encontradas nas pesquisas de exploração sexual do turismo. A gente educa as famílias para cuidarem e prevenirem a exploração sexual. Até agora estamos com 20% das crianças pobres do Brasil. E isso é muito, são mais de 2 milhões de crianças que a Pastoral atende.

Então a senhora defenderia uma entidade para cuidar da criança a partir dos seis anos, quando a Pastoral deixa de atende-las?
As escolas deveriam se organizar melhor com música, arte, educação para o trabalho, esporte. Precisamos de incentivo à leitura, incentivo ao desenvolvimento integral. Creio que as creches são poucas para atender nossas crianças. A escola deveria ser formal para o qual deveria ter investimentos do Governo. Precisamos formar uma geração mais saudável. A criança vai para a Pastoral, precisamos de escola de qualidade para levar à frente. Precisamos de fé e vida. É uma ignorância muito grande quando alguém diz que a escola não precisa ensinar religião. Claro que precisa, pode ser a ecumênica, mas precisa. A criança precisa da formação na fé.

A ausência da educação religiosa seria uma lacuna deixada pelas escolas nas crianças?
As escolas deixam uma lacuna enorme, é uma perda enorme para a criança que precisa do desenvolvimento físico, mental e espiritual. Mas isso deve ser feito de forma ecumênica.

Onde está a falha da educação: na escola ou na família?
Diria que na família e na escola. A família deve cuidar muito das crianças olhar o desenvolvimento integral. Sou da opinião que quatro meses (para licença gestantes) é pouco, são necessários seis meses para a licença de gestação. Isso ajudará muito e marcará a criança para o resto da vida. Vai ajudar na saúde mental e social dela. Na Alemanha é assim para a mãe cuidar melhor. O Brasil está muito atrasado nisso e ainda tem o trabalho informal da mãe nisso tudo.

A senhora fez comentários do Governo sobre projetos que poderiam estar sendo desenvolvidos, mas a senhora está satisfeita com os políticos brasileiros?
Diria que eles precisam estar mais conscientes que o futuro do Brasil depende muito deles. Eles têm uma missão a cumprir e que devem se aproximar da população. O que leva uma população ao desenvolvimento é a educação; e a educação com o desenvolvimento integral. Não adianta só saber Matemática e Português. Porque precisamos de uma pessoa educada integralmente. Os educadores precisam acompanhar a criança, modernizar as escolas, pagar os professores, ter um plano de cargos. É necessário uma boa escola.

A senhora fala da educação no Brasil, mas outra falha está na política de assistência ao idoso. Como coordenadora da Pastoral da Pessoa Idosa, como a senhora analisa a situação do idoso brasileiro?
Os idosos estão muito abandonados no Brasil. Não digo em toda parte porque tem município que atende. Mas de modo geral está muito abandonado. O idoso não tem acesso aos seus bens, mas principalmente as famílias não cuidam bem dos idosos. Trabalham fora e ainda exploram. A realidade mostra que o idoso tem que cuidar dos netos e ainda dar dinheiro. Eles (os idosos) trabalham a vida inteira para essa pensão e não podem usufruir dela. Isso nós vemos muito no Brasil. Temos uma política boa. O Estatuto do Idoso é maravilhoso, mas precisa ser colocado em prática. O objetivo da Pastoral é fazer com que o Estatuto do Idoso seja colocado em prática no Brasil.

E se o Estatuto do Idoso não foi colocado em prática isso é culpa de quem?
O Governo é muito imediatista. Ele gasta no que não deve. Deve pensar que dinheiro público é para se gastar. Por isso que as coisas não andam. Precisamos de metas, para dois anos, para quatro anos. Precisamos seguir para o desenvolvimento. Mais fundamental é saúde e educação da criança e cuidado com o idoso. Sou conselheira no Ministério da Saúde e aprovamos a proposta do PAC para o idoso. Ele (o PAC) prevê prioridades que devem ser seguidas por todos os Governos. Foi pactuado pelo Conselho Nacional de Saúde cuidar da infância, da maternidade, dos idosos, das epidemias, endemias.

Poderíamos dizer que o abandono ao idoso passa por uma questão de educação da população?
Isso eu vejo mesmo. Falta cidadania às famílias. Elas não tiveram educação. Às vezes os idosos também não educaram seus filhos adequadamente. Você nunca sabe o carinho, o amor, o diálogo educa para a solidariedade. Se não são solidários, dizer onde está o erro é difícil. Eles não têm emprego e o que têm certo é a pensão do avô. O problema é muito setorial. Não dá para apontar só um fator.

Falando de solidariedade o brasileiro é solidário?
O brasileiro é muito solidário. Principalmente a população pobre é extremamente solidária. Você vê que temos 262 mil voluntárias que cuidam de dois milhões de crianças. Elas fazem com amor, são chamadas a servir. Eu vejo a solidariedade na prática. Acho que o brasileiro é muito solidário.

E qual a relação da solidariedade com a fé?
A inspiração religiosa é mais completa. Se alguma coisa me dá asco, penso que ajudar o meu irmão é como ajudar ao próprio Cristo e isso me dá uma força superior. A fé dá mais força para a solidariedade.

A senhora atuou durante muitos anos como médica, é mais fácil curar pacientes ou abraçar causas como a Pastoral?
Digo o seguinte, trabalhei na clínica durante 27 anos. Mas no meu consultório, de cada dez pessoas oito não pagavam. Nunca deixei de atender. Sempre tive o prazer de ajudar os outros. Não abandonei nenhum paciente. Era a única médica do bairro de Curitiba onde morava. Tenho uma formação sanitária, por conta da família mesmo, de cuidar das causas.  Penso que a minha vocação já vem da minha família. Depois se desenvolveu mais com o conhecimento da Pediatria. Eu atendia no hospital e via como poderia gastar a minha vida curando doenças que poderiam ter sido prevenidas, evitado tanto sofrimento. Pensei em me formar melhor e desenvolver a parte de prevenção. Foi daí que veio a Pastoral.

E o Nobel da Paz? Alguma mágoa por não ter ganho?
Eu ganhei prêmios de muito valor e o Nobel da Paz eu ganho todos os dias porque na Pastoral da Criança se salvam 5 mil crianças por causa desse trabalho. Isso tem muito mais valor do que receber 1 milhão de dólares.

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