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Pau no Cony

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Marcius Cortez [Escritor]

Os mortos merecem respeito, mas os mortos um dia foram pessoas vivas que deixam boas ou más recordações. Para mim, o jornalista Carlos Heitor Cony foi um caso de má lembrança.

A bem da verdade, nunca tive paciência com essa celebridade, recentemente falecida. Era recíproco. Nas vezes que nos encontramos no Festival Literário do Recife e na Flipinha em Paraty, o motor de arranque emperrou e o carro não saiu do lugar. Em Recife, por pouco, não acertei uma cotovelada no bigode do Heitor. Naquela tarde, terminei minha palestra sobre a obra do crítico literário João Alexandre Barbosa prestando uma homenagem à Émilie Chamie, mulher do meu estimado amigo Mário Chamie que havia morrido naquela manhã. Pois bem, mal havia acabado de disfarçar uma lágrima derramada sob o impacto do triste desaparecimento da segunda pessoa que conheci que mais leu na sua vida – a primeira é Paulo de Tarso Correia de Melo –  a temperatura esquentou. O sr. Carlos Heitor Cony estava na mesma mesa e soprou para seu companheiro um comentário machista que na hora, engoli em seco. Diga-se de passagem que foi por alguns segundos porque esperei o cafezinho para colar no gajo e lhe dizer que ele falou merda. Acontece que o ex-seminarista era liso que nem muçu e escapou se atracando numa conversa com uma admiradora, àquela altura completamente descabelada.

Os críticos de literatura João Alexandre Barbosa, Luiz Costa Lima e Sebastião Uchoa Leite haviam feito minha cabeça em relação a Cony. “Não, Marcius, Cony pode ter até a sua importância, porém ele é mais jornalista do que escritor”, disse um deles. “Seu estilo ora coloquial, ora metido a profundo caiu no gosto do leitor médio, mas foi só isso”, completou João Alexandre. De outro lado, Luiz Costa Lima mostrou-se o mais radical dos três, “não percam tempo com essa literatura superficial, leiam Machado, Guimarães, Graciliano, Clarice, isso sim é o andar superior da literatura”. Contudo, o comentário mais ácido partiu do Sebastião que para encerrar o assunto, fez o resumo da ópera dessa maneira: “ quer saber de uma coisa, trata-se de um oportunista, foi contra a ditadura, mas depois revelou-se um coxinha pé no saco”.  (Embora, sob esse aspecto há uma polêmica, tem gente que acha que ele está mais para pato do que para coxinha).

Certa vez, não acreditei, vi na televisão o pavão cofiando o bigode enquanto sapecava a seguinte pérola: “Eu sou um anarquista inofensivo”. Risos, risos, por favor. O cara teve o desplante de afirmar isso dentro do ridículo fardão de uma das instituições mais borocoxô do país, a velha e morta Academia Brasileira de Letras. Sem falar no principal, como um ser que se diz pensante pode cometer essa covardia contra os verdadeiros anarquistas?

Sigo tranquilo, não faltei com respeito em relação a esse importante figurão das panelas oficiais da cultura do bananão. Tranquilo sim, porque foi ele quem desrespeitou a nossa inteligência, pensando que somos os otários da confraria dos sem miolo.

O problema é que os mortos não podem se defender, mas que não seja por isso. Cony conquistou um fã-clube e se alguém se sentir ofendido, o papel em branco é livre e aceita tudo. De qualquer maneira, só tenho a lamentar, pois o imperial jornalista podia ter partido sem essa. Teria sido legal se ele fosse mais sincero e tivesse dado razão ao arquiteto Oscar Niemeyer: “Na Academia Brasileira de Letras, eu não entro. Não entro porque não sou babaca”.

“Criar é correr o grande risco de chegar na realidade” disse Clarice Lispector. Repara se o ilustre e badalado imortal mergulharia em tamanha profundidade.

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