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PDN: o desafio de colocá-lo em prática

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PLANO DIRETOR - Regras passam a ser bem mais rígidas e exigirão muita fiscalização

Três anos de discussões, muitas polêmicas, reuniões, conferências, protestos, articulações, estudos, mudanças e votações deram origem ao novo Plano Diretor de Natal, já aprovado pela Câmara de vereadores. Porém, engana-se quem pensa que essas etapas vencidas foram as mais difíceis. Agora, com o texto já escrito (apesar da luta da Prefeitura para que alguns parágrafos ainda sejam substituídos), chega a hora de a “onça beber água”, ou seja, tirar o PDN do papel e faze-lo funcionar.

O desafio não é pequeno. Além de pessoal para fiscalizar as novas regras impostas, consideradas mais rígidas que as do plano anterior (de 1994), o poder público também terá de aprender a trabalhar com novos instrumentos como a “transferência de potencial construtivo” e o “IPTU progressivo” e elaborar uma série de novos planos e regulamentações, cujos prazos já estão estipulados no PDN.

“É necessário um tempo para as adequações e para que todos tenham o pleno conhecimento da nova dinâmica dessa legislação e dos novos instrumentos que começarão a ser implementados”, reconhece a secretária Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo, Ana Míriam Machado. Segundo ela, porém, essa missão será cumprida, pois o processo já se iniciou com os trabalhos visando a elaboração de estudos exigidos pelo PDN.

Dentre os que estão em andamento incluem-se os de regulamentação de três Zonas de Proteção Ambiental (metade das 10 ZPAs da capital ainda não foi regulamentada) e da revisão das Zonas Especiais de Interesse Turístico, as ZETs. “Estamos trabalhando para concluir esses estudos dentro dos prazos estabelecidos”, ressalta. No caso das ZPAs, por exemplo, o limite para a aprovação dos regulamentos é de dois anos.

Os técnicos da Semurb também terão de se preocupar em como aplicar instrumentos que existiam, mas não eram utilizados. “A outorga onerosa é do plano de 1994 e era usada, já há experiência nisso. Já a transferência de potencial construtivo nunca foi implementada, embora já existisse no documento anterior”, enfatiza a secretária.

Nesse sentido, a maior dificuldade da Prefeitura deverá ser na implantação de outro instrumento também anterior à discussão do novo plano: o IPTU progressivo. “Realmente, esse é um ponto que deve tomar algum tempo. Até porque ainda estamos para receber a base cartográfica da cidade, que vai servir de ferramenta fundamental e teremos também de integrar nosso trabalho ao da Secretaria de Tributação”, observa Ana Míriam.

A fiscalização vai precisar de reforço. “Temos hoje 20 fiscais na área urbanística e 20 na ambiental, já solicitei ao prefeito a possibilidade de chamarmos mais 10 para cada setor, já que temos um concurso realizado e que ainda está em vigência”, revela.  

Fora os estudos e a fiscalização, serão necessárias mudanças também no trâmite dos processos dentro da própria Semurb. “Iremos submeter todos os que manuseiam esses processos a treinamentos, para que possamos garantir maior celeridade”, garante Ana Míriam.

Expectativa na aplicação do PDN

O cenário para a implementação do Plano Diretor de Natal é positivo. No entender da professora Dulce Bentes, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFRN, é possível buscar em nível federal os recursos para que sejam feitas as mudanças necessárias à aplicação das novas regras. “Não digo que seja muito fácil, mas existem possibilidades concretas, com os canais que estão sendo abertos pela política urbana federal, para que o Município consiga realizar a sua capacitação institucional”, entende.

Segundo ela, é preciso adequar as “estruturas institucionais” com vistas à aplicação do novo plano. Esse desafio vem desde 1994, quando foram adotados instrumentos que exigiam ferramentas de monitoramento e fiscalização mais modernas. “Algo já se avançou desde então nesse sentido, mas ainda há muito a se fazer, como regulamentar as áreas de proteção ambiental, que é um desafio posto para todos nós”, ressalta.

A participação popular é considerada imprescindível nessa luta  e há otimismo quanto a isso. “Todo o processo de construção do plano possibilitou à sociedade acompanhar e discutir a cidade e seus problemas. Isso foi realmente uma conquista”, acredita a arquiteta. A preservação das áreas de interesse especial, por exemplo, ela atribui principalmente à mobilização das comunidades interessadas.

Opinião semelhante é a da secretária Ana Míriam Machado: “A participação da sociedade foi fundamental para a discussão desse plano e acredito que todos também terão um papel fundamental em sua implementação. Precisamos da comunidade tanto para colocar o PDN em prática, como para fiscaliza-lo”, convoca a secretária.

Plano setorial tem 12 meses para aprovação

Um dos próximos passos para a implementação do novo PDN é a elaboração dos planos setoriais. O primeiro, cujo prazo para aprovação é de 12 meses, vai abranger Ponta Negra. Mas não deve parar por aí. “Os planos setoriais são mais um instrumento do Plano Diretor e vão tratar dos aspectos específicos de cada região da cidade. Além disso, não interferem na legislação das áreas especiais”, ressalta o professor do Departamento de Arquitetura, Heitor de Andrade.

Ele participou da mobilização pela inclusão do plano de Ponta Negra no PDN e avalia que a grande vitória da sociedade é ter se reunido nessa luta. “Foi a única emenda de iniciativa popular incluída no plano durante as votações na Câmara. A gente entende que o exemplo de Ponta Negra é uma referência para a cidade e pode ser seguido por outras regiões. A Prefeitura ainda vai definir critérios de como Natal vai ser dividida com relação a esses planos, mas as comunidades podem requerer seus planos específicos”, aponta.

Para a titular da Semurb, os planos setoriais não correm o risco de abrir “brechas” e burlar as limitações impostas pelo PDN. “A sociedade vem se mostrando preocupada com o desenvolvimento sustentável da cidade e certamente vai lutar pelos cuidados com a ocupação do solo, que se equivocada, no meu entender, acaba se refletindo no prejuízo de todas as demais questões sociais”, afirma Ana Míriam Machado. 

Preocupação é com a Zona Norte

A principal preocupação dos urbanistas com o texto final do Plano Diretor aprovado na Câmara de vereadores diz respeito à completa falta de estudos na qual se basearam emendas como as que mudaram o coeficiente de adensamento da Zona Norte e permitiram a construção de prédios no entorno do Parque das Dunas.

“A discussão do Plano Diretor teve início em 2004 e, durante dois anos, houve reuniões com participação de especialistas e de todos os segmentos. Depois ainda veio a Conferência (dezembro de 2005) que gerou a primeira proposta, onde havia um acumulado de estudos atestando os limites e potencialidades que a cidade tinha”, relembra a professora Dulce Bentes.

Todo esse processo, porém, acabou não sendo respeitado. Em relação à Zona Norte, a urbanista ressalta que o Conselho de Saneamento Básico (Comsab) se posicionou contra a emenda, por prever dificuldades em relação ao monitoramento das estações de tratamento, previstas na emenda como espécie de contrapartida. “Manter o coeficiente básico não significaria condenar a região. Era uma medida preventiva que não comprometia o desenvolvimento. Quando chegarem as obras de saneamento, pode se pensar em reduzir as restrições”, entende.

Segundo ela, o que não se podia era permitir a repetição de uma prática histórica: primeiro ocupar o solo, para só depois estabelecer medidas corretivas. “O saneamento é o grande fator limitante da infra-estrutura da cidade, principalmente na Zona Norte, e o Comsab deixou claro que não há garantias quanto ao monitoramento das estações”, reforça.

Com relação ao Parque das Dunas, a arquiteta destaca que estudos realizados em cima da emenda mostraram sua imprecisão. “Não conseguimos delimitar os mapas, algumas ruas não conferem. Há uma área descoberta que não tem indicações do que será”, alerta. Além disso, há riscos para a conservação do próprio parque, que desempenha papel importante no abastecimento do aqüífero, na ventilação da cidade, preservação da fauna, flora e do valor paisagístico.

“Não é possível alterar somente frações do sistema, como foi feito. É possível fazer revisões de áreas como essa, mas a partir de monitoramentos completos da dinâmica geral. É muito difícil chegar a uma proposta simplista como essa, que não traz consigo fundamentos, sobre algo que é tão importante para a qualidade de vida da cidade. Nos preocupa profundamente”, afirma Dulce Bentes.

Entrevistas com Geraldo Magela, ex-diretor do Idema

O que fazer para colocar o Plano Diretor em prática?
Os órgãos de fiscalização e licenciamento precisam estar cada vez mais aparelhados. Isso tem melhorado ao longo do tempo, mas essa melhoria ainda segue uma proporção menor do que deveria ter. A demanda ainda avança mais rápido. Os governantes estão dando cada vez mais apoio na melhoria técnica dos órgãos ambientais, mas é preciso acelerar.

E o que mais é necessário para esse avanço?
É preciso fortalecer o respeito aos técnicos dessas instituições. Não colocá-los como os culpados das coisas. Existem técnicos competentes e sérios que foram treinados ao longo de anos, mas que muitas vezes isso tudo é jogado na lata de lixo por conta de uma decisão, que muitas vezes está tecnicamente correta. Dizem: ah, eu acho que isso não deveria ser assim, e culpam os técnicos. Isso é um equívoco. Eles não podem estar pagando por “achismos”. O respeito ao trabalho dos técnicos seria um grande passo para tirar o plano do papel.

E os investimentos?
É preciso investir em treinamento, equipamento, renovação das equipes. Para formar um bom técnico leva-se anos. Os do Idema, os da Semurb, têm uns 20 anos de experiência e a gente também não pode também jogar isso na lata do lixo de uma hora para outra. A estrutura, como disse, tem melhorado, não pode parar de melhorar, mas o crescimento está sendo tão rápido que não está acompanhando. É preciso os governos darem prioridade a esses instrumentos, porque um órgão deficitário faz todo mundo perder: a economia do Estado, a iniciativa privada, os empregados que não têm emprego, a comunidade que não tem qualidade de vida. Um empreendimento que atrasa por qualquer motivo, todo mundo perde. É concluir: pode ou não pode. Mas essa resposta tem de ser dada de forma célere e séria.  

E como avaliar o plano?
Isso tem de começar de agora. O que foi aprovado é correto? Trouxe benefício, ou malefício? Tudo isso tem de começar a ser analisado o quanto antes. Todo plano diretor é um teste, não é algo imutável. Foi feito para ser analisado. As restrições têm de ser analisadas se foram bem aplicadas, ponto a ponto.

Hoje, o que mais preocupa em termos ambientais em Natal?
A preocupação com as áreas que já estão protegidas está incorporada à mentalidade dos governantes e dos empreendedores. A sociedade tem consciência que tem de ser preservado mesmo e os excessos têm de ser coibidos. O segundo momento, então, é como fazer essa preservação. E nesse sentido a nossa primeira preocupação é com saneamento. Todo o resto das preocupações parte da falta do saneamento. Contaminamos boa parte de nossa água, que é nosso maior bem, em um processo que vem de muito tempo. Sempre fomos privilegiados pela natureza, mas exatamente por sermos privilegiados, termos muita disponibilidade de água, não cuidamos. Tudo isso levou a um descaso.

E o que isso acarretou?
A estrutura da cidade ficou limitada. Só não estamos sofrendo tanto porque temos muito. Deus foi muito benevolente com a gente. Mas esse problema agora veio à tona porque chegou a um ponto que não dá mais para controlar. A natureza fez a parte dela, mas não estamos fazendo a nossa. E a responsabilidade é da iniciativa privada, do poder público e da sociedade também, que se acomodou esperando que um dia o ente público fizesse, mas nunca cobramos, nem hoje.

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