Luiz Henrique Gomes
Repórter
Ninguém sabe como foi descoberta e quem a descobriu. Ao certo, só se sabe que a Pedra do Sino, um dos dois pedaços de uma rocha partida, localizada na zona rural de Currais Novos, distante 186 quilômetros de Natal, ganhou esse nome porque emite o mesmo som dos sinos das igrejas ao baterem nela. Exceto isso, histórias e relatos contam que essa rocha – por muito tempo um mistério atribuído à força da natureza – serviu de comunicação para índios, escondeu botijas de dinheiro e até hoje desperta a curiosidade do povo e alimenta a imaginação das crianças.
A Pedra do Sino e o seu som são conhecidos na internet, com vídeos espalhados na plataforma YouTube que somam mais de 15 mil visualizações e explicações que chegam a envolver extraterrestres. É, sem dúvidas, um evento incomum, mas existem explicações científicas e rochas similares até mesmo na própria região. O que causa o som do sino, de acordo com físicos e geólogos, é o fato da rocha ser porosa, ter vácuo na parte interna e pouco contato com o solo. É uma soma de fatores. Mas saber disso não apaga a surpresa de ouvir as batidas de sino pessoalmente pela primeira vez.
Na última quarta-feira, 26, viajamos eu, como repórter, o fotógrafo Alex Régis e o motorista Francisco Canindé, o Seu Canindé, para ouvir o som da Pedra do Sino e conhecer o sítio geológico “Pico do Totoró”, que serve ao interesse dos estudos geológicos e possui valor turístico e educativo. O sítio integra o projeto Geoparque Seridó, composto por seis municípios da região do Rio Grande do Norte. O objetivo é reconhecer a área como patrimônio geológico de importância internacional.
Durante oito horas, conheci o povoado do Totoró, onde está o sítio geológico do Pico do Totoró, acompanhado, junto com o restante da equipe, do guia de turismo Raianne Kely, natural de Currais Novos, e descobri histórias ligadas a essas formas rochosas, que sobrevivem no imaginário da população.
A Pedra do Sino é um dos atrativos do sítio geológico. Para chegar à rocha, é necessário percorrer mais de 10 quilômetros do centro de Currais Novos até a entrada da área chamada Lagoa do Santo e caminhar a partir daí por cerca de 10 minutos em uma trilha, entre matos e outras rochas com suas próprias importâncias – é possível ver pinturas rupestres em algumas. Mais adiante, uma placa sinaliza a Pedra do Sino, uma rocha partida em duas, mas com apenas uma das partes emitindo som dos sinos.
Segundo historiadores, essa característica possibilitava que antigas tribos indígenas utilizassem ela como meio de comunicação. “A rocha como um meio de comunicação indígena é uma tese de arqueólogas da Fundação Seridó que foram a Currais Novos. Não sei qual o embasamento da pesquisa, mas a tese surgiu nessa época, entre 2000 e 2001”, contou Raianne Kely.
Mas não é como meio de comunicação que a Pedra do Sino é mais lembrada em Currais Novos. A história mais contada é a lenda de que ela foi partida porque um funcionário da fazenda onde a Pedra do Sino fica localizada, chamado João Lobo, sonhou com o proprietário falecido, o Lulu da Areia, contando que havia uma botija de dinheiro no interior da rocha. “Aí João Lobo veio no outro dia e bateu, bateu, até que ela rachou. O mistério ficou após ela ter sido partida porque essa parte não emite mais o som de sino”, relembra a guia de turismo, que cresceu ouvindo essas histórias de um contador chamado Chico Thomaz.
Além dessa explicação, há quem diga também que a rocha foi partida por um raio ou por um antigo fazendeiro que, acreditando que o som era algo da rocha em si, pretendia vendê-la em Pernambuco.
A Lagoa do Santo ganhou esse nome porque durante uma escavação feita na área foi encontrada uma imagem de São Sebastião, que é mantida até hoje sobre uma das rochas do local
“Se você viesse aqui hoje e conversasse com meu pai, poderia voltar daqui a um ano e ele saberia dizer tudo que vocês conversaram”, relata Hélio Tomaz de Araújo, 52 anos, filho do seu Chico. “Ele mal assinava o nome, mas lembrava de tudo”.
Seu Chico faleceu em 2004, mas as histórias continuaram na memória da família e de todo povoado. Mas, há dois anos, Ana Beatriz Araújo, filha de Hélio e neta de Seu Chico, virou Ana do Totoró. Desde então, ela escreveu cerca de dez cordéis, sempre com temas de histórias nordestinas. As histórias do avô, ouvidas por ela através do pai, agora viram poesia.
“A minha família não tem ninguém que era poeta, esses negócios de literatura. Só ela. Meu pai sabia de muita coisa, mas não era ligado nesse negócio de poesia. Ela aproveita muita história que eu conto para ela, porque ela não alcançou ele”, conta Hélio Thomaz no alpendre da sua casa.
Muitos dos relatos repassados à filha são lendas, como a de uma criatura mística meio mulher, meio cobra, que vive nas águas do Açude Totoró, e a de uma botija de ouro, enterrada no Pico do Totoró por um fazendeiro ganancioso, que, após receber o auxílio de dois escravos para enterrar a fortuna, matou os dois para evitar que eles dedurassem.
Essa história é contada por Ana num dos cordéis que escreveu. Segundo ela, a ideia de fazer o cordel surgiu porque são histórias fantásticas. “Eu pensei ‘imagina eu falar dessas lendas e falar rimando’ e tentei fazer. Fiz, escrevi e na primeira oportunidade eu declamei”, conta a cordelista. “O Totoró é o berço de Currais Novos porque foi de lá que tudo nasceu, então por que não contar as histórias de lá?”. Se depender de Ana, a história do povoado vai continuar sendo contada.
O turismo da área se resume ao pedagógico, com viagens de escolas de Ensino Básico, e de interesse científico. Os atrativos do geossítio do Pico do Totoró são visitados por cerca de 700 pessoas por ano, ainda segundo Raianne – na Secretaria Municipal de Turismo de Currais Novos, onde ela trabalha como assessora de eventos, não existe dado oficial.
Pedra do Caju, a 10 km do centro de Currais, faz parte do sítio geológico do Pico do Totoró
Segundo o guia, o que dificulta o desenvolvimento do turismo é a falta de infraestrutura. Existem atrativos, por exemplo, que a visitação não é possível. “Um dos fatores que ainda dificulta o aumento do turismo é a falta de acesso e infraestrutura turística na localidade até por ser uma área rural”, afirmou. “Com o surgimento do Geoparque Seridó teve um aumento no número de visitantes, com isso se espera a melhoria de acesso, o que facilitaria muito o fluxo do turista a esses espaços”.
Raianne fala sobre as escavações arqueológicas enquanto andamos por essa rota. No trajeto, não há nenhum museu com esses objetos. Tudo que foi escavado está no Museu Câmara Cascudo, em Natal, ou em Pernambuco. Segundo o relato, chegou a existir um projeto do Museu Arqueológico do Seridó no início dos anos 2000, entre 2000 e 2001, com o objetivo de repatriar esses fósseis, mas foi arquivado. O lugar onde funcionaria o museu é a antiga casa dos engenheiros do Açude do Totoró, que hoje serve como abrigo para o zelador do reservatório. “Como não existe um lugar específico, eles (os arqueólogos) escavaram e levaram, ficando nos museus ligados às universidades do Rio Grande do Norte e Pernambuco”, afirma o guia.
A história dela está ligada a essas atrações. Raianne conheceu a Lagoa do Santo e a Pedra do Sino com 11 anos numa viagem escolar. Lembra que achou fantástico e começou a contar a todo mundo que em Currais Novos tinha uma pedra com o som de sino. “Quando eu voltei da viagem, eu contava em casa e com máximo de detalhes que eu pudesse contar”, relembra. Nessa mesma época, começou a fazer parte de um projeto de formação de guias mirins e desde então não parou mais de fazer visitações aos locais.
Antigamente, o Marco de Currais Novos, local do Povoado do Totoró onde foi erguida a fazenda que deu origem à cidade e hoje é somente um monumento com uma cruz e um domo em volta para demarcar a histórica, também fazia parte da rota turística. Raianne parou de levar os turistas ao local porque o monumento não recebeu manutenção e está degradado.
Para tentar reviver os atrativos históricos e culturais da cidade e realizar um inventário cultural do município, existe um projeto de restauração pensado por uma professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em parceria com a Secretaria Municipal de Turismo de Currais Novos. O início está previsto para novembro e o Marco de Currais Novos é o primeiro monumento que deve ser revitalizado. A intenção é de que a revitalização aproxime a população da história de Currais Novos e que eles se sintam pertencidos à cidade. “Mais de 60%, talvez ainda mais, não conhece a história de Currais Novos”, estima a guia de turismo.
Isso se reflete na falta de apropriação dos espaços. Em todo trajeto turístico, faltam as famosas feiras de artesanato e comidas locais, comuns em locais de turismo. “Eu vejo que poucas pessoas se apropriam desses espaços para tentar vender alguma coisa que faz em casa. Acho que falta elas entenderem que esses locais são importantes, são nossos. Quando eles entenderem e passarem a ver de forma que eles possam ganhar dinheiro a partir daquilo, vendendo o que eles têm. Que sejam as pessoas com suas comidas típicas, doces”, finalizou Raianne Kely.