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Pela tela, pela janela

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ARTISTA - Fernando Galvão constitui sua obra, na exposição, a partir das imagens do campo

Ser artista em Natal, sobreviver da venda de telas e da busca incansável por lugares para expor sua arte para o público. Esse processo tem lá suas dificuldades e delícias. É quando o artista plástico Edvaldo da Quinze, que não consegue sobreviver da arte, se encontra no mesmo espaço com Fernando Galvão, que vive exclusivamente dos frutos dela. São olhares, estilos e influências diferentes que poderão ser vistos até o próximo sábado na galeria da Capitania das Artes. As exposições “Natal por Edvaldo da Quinze” e “Um dia verde”, foram selecionadas pelo edital da Funcarte.

Edvaldo, 51 anos, descobriu-se artista desde os 9, quando na escola não conseguia parar de desenhar por todas as folhas de livros e cadernos. Autodidata, sua escola de arte sempre foi a percepção interior, que aos poucos foi sendo amadurecida na descoberta do surrealismo, vindo das obras de Salvador Dali, até chegar ao hiperrealismo, quando as obras conseguem retratar um lugar de uma maneira com traços tão corretos, que assemelham-se à retratos.

Na exposição, ao caminhar pelos 22 trabalhos em óleo sobre tela, o olhar do artista retrata a beleza e as dores da cidade. Quadros como “Assalto na besta”, “Ex – combatente” e “Beco da quarentena”, trazem uma visão mais crítica, enlaçando a violência emaranhada à solidão de um ex -combatente solitário na porta de um bar. Entre uma obra e outra, o passeio também proporciona observar uma cidade colorida e quase real. “Costumo retratar nas pinturas tudo aquilo que me comove. Essa obra do assalto, foi real. Foi a primeira vez que passei por uma situação dessa e é algo apavorante. Como sou apaixonado pela cidade de Natal e pela minha avenida Quinze, no bairro de Lagoa Nova, utilizo todas as minhas impressões”, conta Edvaldo.

Como inspiração, o artista trabalha de maneira inusitada. Quando a imaginação não chega rápido, Edvaldo espalha todas as fitas cassete que tem e, ao fechar os olhos, escolhe apenas uma. “Essa vai para meu toca fitas e fica girando até eu terminar de pintar, as vezes esse processo dura horas”, diz. As fitas são inúmeras, de estilos ecléticos, assim como suas fontes de inspiração na pintura, que vão de Bethoven a Roberto Carlos num pulo.

Quatro obras da exposição trazem o estilo “opiante”, que é a ilusão de ótica introduzida na pintura. “A idéia desse estilo é a pessoa andar e a obra acompanhar o olhar”, conta o artista.

Entre as pinturas de protesto e as de beleza de Edvaldo, a exposição de Fernando Galvão, chamada “Um dia verde”, traz as paisagens de uma cidade imaginária do artista, que continua a ser construída pelas 20 telas seguintes.

Considerado um pintor de metrópoles, suas imagens figurativas dessa vez foram construídas a partir das paisagens do campo. “Depois de várias viagens ao interior, fiquei com esse desejo de colocar nas pinturas, minhas impressões. Fui percebendo que as paisagens se modificavam durante todo o dia”, diz Galvão.

Um quadro vai completando ao seguinte, de uma maneira linear. A seqüência começa com a paisagem com casas, prédios, ônibus, carros e as montanhas, numa linguagem naif, segundo autor. Nos outros quadros, começam a diminuir as figuras até chegar a uma imagem final bucólica, que completa todas as outras. “Acredito que minhas pinturas sejam naif, que é a arte da espontaneidade e do desprendimento, quase inocente. Os críticos diriam que para ser naif precisaria das figuras das pessoas, mas elas estão lá, imagináveis, dentro dos ônibus, nas casa e em todos os quadros”, revela.

Suas inspirações chegam, assim como Edvaldo, através das músicas e da memória das viagens pelos interiores do nordeste. “O discurso de Fernando é sócio – antropológico, mas não folclorizante. Qualquer traço de irregularidade ou de louvação do típico subjaz ao crivo atento do artista que se nega a manter-se na superfície puramente estética de  uma obra de pintura”, diz Vicente Vitoriano, curador da exposição.

Edvaldo da Quinze ficou 40 anos sem conseguir expor

Com vidas e obras diferentes, Edvaldo e Fernando caminham por estradas opostas e terminam se encontrando numa mesma galeria da vida.

Edvaldo, mesmo começando na arte aos 9 anos, nunca conseguiu sobreviver dela e precisa manter seu comércio, um bar herdado pelos pais, para conseguir continuar a pintar seus quadros. Há dez anos  o artista não conseguia fazer nenhuma exposição. “Nunca consegui viver de arte, são 40 anos na luta e preciso manter meu bar dia após dia, é meu sustento.  Acredito que hoje está melhorando o olhar pelas artes plásticas na cidade, tudo está sendo mais democrático, mas mesmo assim, ainda preciso vender caldo de cana e biritas para os amigos para conseguir pintar”, desabafa Edvaldo.

Do outro lado da estrada, o autodidata Fernando Galvão diz sempre viver da arte. “Antes era mais difícil, mas hoje a cidade está crescendo e começou a investir na arte. Antes era complicado, ficávamos restritos aos colecionadores. Mas mesmo assim, sempre persisti nisso de sobreviver do dom que recebi”, revela Fernando.

Vivendo às suas maneiras, os dois artistas tem um mesmo pensamento em comum, que a arte, além da beleza estética traz seu caráter social na voz silenciosa dos quadros. “Sempre busco alertar sobre a questão da água no planeta, desde o meu primeiro quadro persigo isso, mesmo que as pessoas não percebam, existe um subtexto escondido e que tem força”, diz Edvaldo. 

Outra crítica feita pelos artistas é sobre o roteiro de visitas dos turistas na cidade. “Os ônibus passam cheios aqui na porta da Capitania, mas ninguém entra, só observam de longe e de cima”, conclui Fernando.

Serviço:

Exposições:

“Um dia verde”, de Fernando Galvão, e “Natal por Edvaldo da quinze”

Até o próximo sábado, dia 28,

Local: Capitania das Artes

Horário de visitação: 8h às 17h

Entrada franca

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