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Penduricalhos, alhos e bugalhos

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Edilson Alves de França
Professor e Consultor Jurídico

A expressão “penduricalho” ainda não logrou ocupar as páginas dos nossos dicionários, mais precisamente, com o significado que o vulgo lhe tem atribuído, quando o assunto é salário, subsídios, vencimentos ou remuneração. Originariamente, esse insinuante neologismo deriva do “pendulus” latino, conforme já assinalava o Magnus Lexicon, organizado por Emmanuelis Ferreira, no distante ano de 1833.

Nossos modernos lexicógrafos, no máximo, fazem referência ao radical “pendurar”, definido como a ação de se fazer pendente. Penduramos objetos, adornos, temas, questões ou débitos penduráveis. Resumindo: “penduricalhos”, no plano remuneratório, constituem-se atrativos complementares, graciosos ou não, pendurados aos salários ou vencimentos, enquanto a respectiva incorporação é debatida, acomodada, reconhecida ou afastada.

Nesse contexto, o penduricalho também se constitui adorno ou ornamento semântico, destinado a tornar o salário ou vencimento mais atrativo, justo, compensatório ou, simplesmente, mais generoso. Por outro lado, misturar alhos com bugalhos, significa tomar uma coisa por outra, fazer confusão ou, como exemplifica Magalhaes Júnior, na sua coletânea de “Ditos Populares”: “confundir germano com gênero humano.” No caso, trocar salário por saldário.

Pois bem, depois dessa breve incursão, agrego observação que faço em detrimento da verdadeira praga de penduricalhos, cada dia mais comum no âmbito dos poderes da Republica. No Brasil e, particularmente na administração pública, os chamados penduricalhos salarias se revelam mais abrangentes, curiosos, graciosos, criativos e diversificados do que tem sido divulgado pela imprensa. Esta, com ou sem razão, de fogo centrado no tal “auxílio moradia”, sequer assinala que o TCU, por exemplo, apura a viabilidade do uso de quase três bilhões de reais,  pagos como honorários aos advogados públicos.

Parece até que se ignora (ou se esconde), que o auxílio moradia balança na contabilidade financeira de muitos brasilienses multipremiados com residência e outras mordomias oficiais. Que o diga parlamentares, ministros, comissionados e diretores de estatais, entre outros servidores “convidados” para o banquete do lago.

Aproposito, reafirme-se: esse cabuloso auxílio moradia é apenas uma das modalidades de penduricalho salarial que tem se aninhado nos bolsos das muitas espécies de autoridades que sentaram praça no planalto. Há outras, muitas outras, tão ou mais graciosas do que esse “cala boca” salarial, compensatório dos cinco anos sem aumento. Muitos não sabem que, depois que o Supremo passou a entender, sucessivamente, que essa ou aquela verba não integra o vencimento para efeito de cálculo do teto salarial, o abuso se multiplicou. Assim, tal como o malfadado auxílio moradia, aninham-se aos vencimentos, remuneração ou subsídios dos parlamentares e de várias outras categorias de servidores, penduricalhos como auxílio alimentação, transporte, creche, saúde e mais alguns exemplos da capacidade criadora dos gênios da simulação administrativa.

Mas não é só, desfilam pelas passarelas dos privilégios, generosos cartões corporativos, abonos, participações em honorários, passagens aéreas, gratificações específicas, diárias graciosas, verbas de gabinetes, jetons, indenizações e várias outras formas de dissimulação desses criativos penduricalhos. Qualquer levantamento sério e desvinculado da sombria luta contra a lava jato, demonstrará que os demais penduricalhos, pouco divulgados, são muitos mais numerosos do que possam contar nossos dedos das mãos e dos pés.

Embora o auxílio moradia seja indefensável do ponto de vista jurídico (tanto é que muitos possíveis beneficiários se recusam a recebê-lo), pipocam similares benesses franqueadas no Executivo e no Legislativo. Muitas delas capazes de deixar os ministros dos nossos Tribunais Superiores “com água no bico”, como prevê aquela locução lembrada por Cascudo.

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