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Pesca ilegal reduz ‘estoque’ no RN

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Lagosta ameaçada: fiscalizações e multas não têm conseguido frear a captura ilegal do produtoAndrielle Mendes – Repórter

Cem por cento da lagosta comercializada no Rio Grande do Norte é capturada de forma ilegal. A informação foi repassada ontem por analistas ambientais e engenheiros de pesca do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) do RN durante ciclo de palestras promovido pelo órgão. O número de embarcações em operação (1.000), segundo os analistas, é mais que o dobro do número de embarcações com permissão para operar (400). Nenhum dos barcos usa o apetrecho determinado pela lei, acrescenta, Marcelo Lira, um dos analistas ambientais do órgão. Essa, segundo ele, é uma das razões por trás do declínio do estoque de lagostas no estado. Retração do mercado internacional e pressão fiscalizatória também impactam na produção, segundo o ex-subsecretário de pesca, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e especialista do setor, Antônio-Alberto Cortez.

Em 13 anos, a produção no estado caiu pela metade. Já o volume exportado caiu 65% entre 2008 e 2011. A tendência, segundo Marcelo, é que produção e exportação continuem caindo no Rio Grande do Norte. “Os pescadores continuam desrespeitando as instruções normativas e ameaçando a perpetuação da espécie”, justifica. No Brasil, que também registrou queda no período, a tendência é de estabilização. Nos últimos cinco anos, o IBAMA flagrou 65 embarcações pescando irregularmente e solicitou o cancelamento das licenças ao Ministério da Pesca. Entre 2010 e 2012, o órgão aplicou 186 multas que somaram R$ 663 mil. O valor, no entanto, pode ser um pouco maior. O valor aplicado em 2012 ainda não foi fechado. Nos últimos três anos, o órgão ambiental, que ordena a exploração da espécie, apreendeu 3,1  toneladas de lagosta. A lagosta, segundo Juliana Zagaglia, é uma das espécies mais protegidas por instruções normativas. O ordenamento, no entanto, não tem surtido efeito. Os pescadores, segundo o órgão, pescam quando e onde não podem pescar e usam apetrechos proibidos.

De acordo com dados do IBAMA, 57,8% das embarcações que capturam lagosta no estado usam redes e 42,2% usam compressores – ambos proibidos. A situação é crítica, afirma Juliana, mas não está restrita ao estado. O problema é constatado em todo o litoral. Falta uma maior fiscalização, afirma a engenheira de pesca. Para Marcelo Lira, também falta conscientização. Outras espécies, segundo Juliana Zagaglia, também estão ameaçadas, entre elas o agulhão, capturado junto com o atum – que voltou a ocupar lugar de destaque na pauta de exportação do RN.

Para o ex-subsecretário de pesca, Antônio-Alberto Cortez, a legislação nacional deveria ser revista. “Alguma coisa precisa ser feita. Se 100% dos pescadores não cumprem a normativa é porque tem alguma errada”. O uso do corvo, espécie de gaiola usada para capturar lagostas, é inviável do ponto de vista econômico, segundo o professor. “O custo é alto e a vida útil muita curta”, justifica. Manoel Lourenço Ferreira, presidente em exercício da Federação dos Pescadores do Rio Grande do Norte e da colônia de pescadores de Rio do Fogo, confirma. Segundo o pescador, um compressor custa em média R$ 5 mil e tem vida útil de até 12 anos. Uma ‘gaiola’ custa em média R$ 50 e precisa ser substituída a cada seis meses. Para capturar a mesma quantidade de lagostas, cada embarcação precisa de pelo menos 600 corvos, o que dá em média R$ 30 mil. “Queremos comprar os corvos, mas não temos dinheiro”, explica Manuel. O presidente da Federação vê a produção cair e diz não saber o que fazer. “A gente já apresentou algumas propostas para o governo, mas eles não aceitam”. A escassez de lagosta, segundo Juliana Zagaglia, já surte efeito nos supermercados, peixarias e restaurantes. “A escassez não só aumenta o preço para o consumidor final, como também reduz a renda do pescador”.

Com menos lagosta, pescadores procuram outras atividades

A redução dos estoques de lagosta já obriga pescadores a mudarem de atividade no Rio Grande do Norte. Edson Ferreira Lima, 38 anos, pescador desde os 16, ilustra bem o quadro. Ele mudou de ramo a menos de três meses depois que viu a renda mensal despencar. Hoje, faz bico como motorista e servente. Pelo menos, 12 colegas deixaram a atividade nos últimos meses. “Conheço outros 30 que se tornaram serventes”, diz.

Os seis irmãos não tiveram a mesma sorte. “Eles não conseguiram outro trabalho e até hoje trabalham com pesca”. Edson não se arrepende da decisão, embora sinta saudades do mar. “Sinto falta. Mas não compensava. Eu passava dias no mar e o dinheiro que recebia não dava nem para pagar as despesas. Só não cortavam minha água e minha luz, porque minha mãe, que é aposentada e recebe um salário mínimo, pagava para não ver os netos no escuro”. Não foi só a produção que caiu. O preço também desce a ladeira. Há três anos, um quilo de lagosta custava R$ 120. “Hoje, vendemos por R$ 53 o quilo, mas o preço já chegou a até R$ 35”, compara Edson. Quase 100% dos homens de Rio do Fogo vivem da captura de lagosta. Ou pelo menos viviam. “Não tem dado mais para sobreviver da pesca”, justifica Manuel Lourenço Ferreira, presidente em exercício da Federação de Pescadores do RN.

Para Edson, o quadro poderia ser revertido se os pescadores tivessem mais acesso ao crédito. “A gente quer investir, mas não tem dinheiro nem para pagar as despesas”, afirma Edson. O pescador, segundo Manuel, quer deixar a pesca predatória e cumprir as determinações dos órgãos ambientais, mas “o governo não dá nenhuma alternativa”. “A gente vai no banco e só leva coice”. Em  Rio do Fogo, 30 barcos motorizados, 100 barcos à vela e 900 homens atuam na captura da lagosta.

Bate-papo

Juliana Zagaglia, analista ambiental e engenheira de pesca do IBAMA

Você ministrará uma palestra cujo título é ‘o mar não está para peixe’. Porque a escolha deste título?

Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), 80% dos estoques pesqueiros se encontravam em 2009 plenamente explotados (pescados em seu limite de reposição natural), sobreexplotados (pescados além de seu limite de reposição natural) ou em situação de recuperação.

Segundo o IBAMA, a situação dos estoques pesqueiros do Rio Grande do Norte não é tão boa. Há números que ilustrem isso?

Tem sim, a produção de lagosta caiu pela metade no estado entre 1996, quando o RN viveu o pico da captura, e 2009. E quando cai a produção caem também a exportação, a geração de divisas e a geração de emprego.

 Então o problema é antigo…

Já faz bastante tempo que a lagosta vem sofrendo medidas de ordenamento. Mas a situação só se agrava.

E no caso do atum, que vem registrando incremento na produção e também é alvo desta palestra? Há risco de escassez?

O problema não é o atum – espécie controlada, mas com folga de captura – mas a fauna acompanhante, espécies que são capturadas junto com o atum, mesmo de maneira não intencional.

Segundo o IBAMA, a pesca excessiva da lagosta e da fauna acompanhante do atum pode comprometer os estoques num futuro bem próximo. Quando os efeitos chegarão as peixarias, supermercados e restaurantes?

Os efeitos da escassez da lagosta já chegaram, na verdade.

Dá para reverter este quadro?

Dá sim, com a conscientização dos consumidores e pescadores, o cumprimento das instruções normativas e a intensificação da fiscalização. O problema é que a fiscalização nunca será 100%.

Há risco de extinção?

Normalmente, o que se extingue é a atividade econômica e não a espécie.

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