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Pesquisas ajudam empresas no RN

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Mariana Ceci
Repórter
Era o fim da década de 1990 quando Alexandre Wainbeg, natural do Rio de Janeiro e radicado no município de Tibau do Sul, no Rio Grande do Norte, começou a observar com preocupação a proliferação de doenças em criações de camarão em alguns países da Ásia. Biólogo de formação, ele se preocupava em como o adensamento de organismos de cultivo poderia contribuir para o surgimento de novas doenças e dizimar criações inteiras, como já era observado em outros organismos vivos, como aves e gado. 

Fundador da Primar, fazenda de aquicultura localizada no distrito de Piau, em Tibau do Sul, Alexandre viu na produção orgânica uma alternativa para reduzir os impactos ambientais e as chances do surgimento de novas doenças. Em 2003, a fazenda obteve o primeiro título de certificação de produção orgânica brasileira e, em 2005, as ostras começaram a ser introduzidas nos viveiros. 

A partir daí, surgiu uma nova inquietação: como muitos produtores locais, a Primar inicialmente obtinha as ostras a partir do extrativismo dos mangues. Daí, elas eram levadas para a engorda, até que estivessem prontas para comercialização. “Começamos a nos preocupar um pouco com a exploração extrativista e foi então que decidimos montar o laboratório”, diz Márcia Kafenstok. Desde 2015, quando Alexandre faleceu aos 54 anos, Márcia, sua esposa, está à frente da Primar.
Fazenda Primar, localizada no distrito de Piau, em Tibau do Sul, integra o Projeto Aquavitae, financiado pela União Europeia. Com a pesquisa, fazenda conseguiu produzir 1,4 milhão de sementes
A resposta viria anos depois, a partir do caminho que Alexandre apostou ainda em 2005: o da pesquisa científica aliada à produção. Em 2019, a Primar passou a integrar o Projeto Aquavitae, financiado pela União Europeia, um consórcio de 36 entidades ao redor do Oceano Atlântico com o objetivo de desenvolver pesquisas voltadas para a aquicultura e compartilhar o conhecimento relacionado à produção. 
No Brasil, estão envolvidos também a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Embrapa, Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). A fazenda orgânica transformou-se em um grande laboratório que hoje investiga duas linhas de pesquisa: uma que estuda a reprodução de sementes de ostras, e outra que relaciona o cultivo multitófico integrado, que é a mistura de diversos organismos no ambiente. A parte científica fica sob responsabilidade da Unesp, que envia pesquisadores ao local, enquanto o campo de estudos é cedido pela Primar. 

Dois anos após o início dos estudos, os resultados começaram a surgir. A ostra produzida pela Primar e investigada pelos pesquisadores é a Cassostrea brasiliana, presente na maior parte do litoral brasileiro do Maranhão à Santa Catarina. A pesquisa feita buscou isolar e cultivar microalgas nativas para alimentar as ostras. “Minha intenção era que isso gerasse 600 mil sementes para nossos viveiros, mas acabamos tendo uma superprodução. Um lote resultou em 1,4 milhão de sementes, e ainda temos dois lotes que ainda não foram quantificados e precisam crescer um pouco mais”, disse Márcia. 

A produção excedente acabou sendo escoada para outras fazendas em Salvador, Angra dos Reis e associações de Guaraíra e Canguaretama a partir do SEBRAE-RN. 

“Há essa intenção de ajudar a reduzir a extração porque o que acontece é que uma hora, o extrativismo colapsa. A partir da pesquisa e do investimento na ciência associada à produção, conseguimos desenvolver novas tecnologias que, quando dão certo, resultam diretamente em benefícios para nós em todos os sentidos: ambiental e comercial à longo prazo, porque estamos garantindo que esses organismos vão continuar a existir no ambiente”, diz Márcia. 
Os planos para o futuro envolvem transformar a Primar em um instituto de pesquisa. “Nossa ideia não é ser a maior produtora, mas possibilitar essa troca de conhecimento que vai permitir benefícios para todos daqui e de outros lugares. São problemas locais que acabam se repetindo em vários outros lugares, como pudemos observar no consórcio do Oceano Atlântico”, completa. 

Problemas locais, soluções mundiais
Encontrar soluções de impacto para melhorar a qualidade e eficiência para indústria e serviços é um dos principais resultados da união entre Academia e sociedade. No âmbito da tecnologia e da pesquisa aplicada, o Rio Grande do Norte tem se destacado com soluções voltadas para áreas como petróleo e gás, aquicultura e energia. 

O Instituto Metrópole Digital da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) é um dos locais nos quais essa integração faz parte do dia-a-dia de estudantes e docentes. São cerca de 3 mil estudantes, do Ensino Fundamental à Pós-Graduação, reunidos no espaço que tem como objetivo funcionar como polo tecnológico do Estado. “Na UFRN há um conjunto de projetos estratégicos fazendo pesquisas nas áreas de fronteiras do conhecimento e preocupados com temas universais das ciências, mas buscando agir localmente”, afirma o diretor do IMD, Ivonildo Rêgo. 
Ivonildo Rêgo: na UFRN, há um conjunto de projetos estratégicos buscando agir localmente
Uma das estratégias para ligar problemas vividos diariamente por instituições, empresas e pessoas e o Instituto é o sistema de prospecção de projetos de pesquisa. Foi a partir dele que o grupo integrado pelo professor Itamir Barroca foi contactado pela Sascar, empresa automotiva que integra o grupo Michelin, para desenvolver um sistema de gerenciamento remoto em tempo real para os veículos e cargas. 
A ferramenta é capaz de fazer o rastreamento e fazer intervenções, como comandos de bloqueios e rotas. “Eles chegaram com a versão do aplicativo que tinham e disseram que precisavam de uma versão mais inteligente e com mais segurança”, diz Barroca. O aplicativo criado pelo grupo, o Smart Tracker, foi adotado pela empresa em países da Europa e no México, e a empresa já contactou o grupo para encontrar soluções para outros problemas.  
Outros grupos do instituto, como o Laboratório de Informática Industrial (LII), também consolidaram parcerias duradouras para garantir o financiamento dos grupos. Foi a ele que a Petrobras recorreu, ainda em 2006, para encontrar uma solução para os problemas na sobrecarga de informações de seus alarmes industriais. “O excesso de informações acabava prejudicando a identificação do problema na indústria e reduzia a eficiência do próprio sistema”, explica o professor Gustavo Leitão, membro do Laboratório.

O problema da Petrobras não era sentido apenas pela empresa. De acordo com Leitão, a passagem do mundo dos painés para a informatização levaram a um excesso de informação em grande parte dos sistemas de alarmes industriais.

“Foi preciso fazer uma espécie de saneamento nessas informações. Começamos observando do âmbito das plataformas de extração de petróleo terrestres que eram predominantes aqui no Rio Grande do Norte, e acabamos vendo que essa solução poderia se expandir para várias outras indústrias”, explica. 

O sistema criado pelo grupo, chamado BR-AlarmExpert, foi adotado pela Petrobras, que continuou a financiar as pesquisas do Laboratório. Ele foi um dos únicos a escapar dos cortes feitos pelas iniciativas de pesquisa da empresa em 2020, conta Leitão. “A parceria perdurou e continuou porque foi muito frutífera para todos, e atacamos outros problemas, relacionados ao armazenamento de dados industriais, por exemplo, tudo isso a partir da pesquisa”. 

O professor destaca, no entanto, que muitos outros grupos sofreram com a perda de financiamento público para a pesquisa, o que tem impacto em diversas áreas do conhecimento. “A pesquisa aplicada tem mais facilidade de conseguir financiamento de instituições privadas, mas a pesquisa de base não. Ela carece desse financiamento público para continuar, e ela tem sua relevância para a sociedade, mas acaba sendo ainda menos vista”, afirma o professor. 

Ivonildo Rêgo afirma que uma parceria forte entre o setor produtivo e as instituições de pesquisa são uma fórmula antiga, que já apresentou bons frutos em diversas cidades do Brasil e do mundo. “O que acabamos proporcionando é uma grande quantidade de profissionais qualificados, que são a base do processo de desenvolvimento para qualquer empresa no mundo da revolução digital 4.0. Por isso as fundações de pesquisa são importantes para garantir que esse ecossistema continue vivo, porque o impacto vai para toda a sociedade das mais diversas formas”, diz. 
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