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Pindorama

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Dácio Galvão
Escritor, poeta, e secretário de Cultura de Natal
Os compositores Walter Franco e Diogo Franco musicalizaram e interpretaram o poema Brazil de Madrugada. Esse texto, publicado em 1931, demonstra que o poeta Luís da Câmara Cascudo sinaliza para uma inovação pautada na convergência do verbal e do icônico. Se insere no contextual da poesia do século XX, sob o signo da relação com a multilinguagem. Sem uma obra planificada em livro, Cascudo elevou o seu poema ao patamar do construtivo. Edificou-o na mais genuína tradição da modernidade brasileira. Havia a intencionalidade dirigida a uma estética gráfica em formação no ocidente. Alguns versos se projetam ao pictórico de Tarsila do Amaral (“História do Brasil”) posto em ilustração que fez para Oswald de Andrade. Ali se visualiza o Monte Pascoal, dunas, palmeira, barco e canoas. O linguístico  assim se manifesta nessa correlação por parataxe: “Brasil I Terra dos Papagaios… / Ínsula infixável emergindo de cosmográfos atônitos / Se estirando larga-escura n’água azul… / Bojo gemente de caravelas que o vento enfuna amplo velame / E a Cruz de Cristo sangrando na vela-grande”. 
Imaginar manuscritos e vários mapas expostos aos olhos do escritor, deflagrando caligráfica e iconograficamente terras, águas, limites, culturas inter-raciais, palavras, frases, suscitando interesses de dominação econômica e política, decerto é uma situação de provocação reflexiva no terreno criativo da linguagem. Essas informações miradas nas retinas abertas ao vendaval de ideias literárias instauradas no Brasil, na década de 20 do século XX, quando se instigava o repensar do papel da literatura e mais modalidades artísticas, passaram a ser importantes ingredientes de reinserção. 
O pré-tropicalista “Brasil de Madrugada” é escrito inspirado em arsenal cartográfico, na crônica de viagem, na geografia, fauna e flora. Cenas quando da chegada da esquadra lusa ao Brasil, em 21 de abril de 1500, ancorada no Monte Pascoal. O texto faz referência implícita as personalidades portuguesas: Pero Vaz de Caminha e o Rei D. Manuel. Na argumentação estimula o lendário ao inscrever coletivamente indígenas anônimos. No entanto o exercício tinha o sentido de incorporar na linguagem conquistas das vanguardas artísticas do início do século XX. Verso livre por excelência.  
Essas imagens da colonização segundo Antonio Candido, carregam o sentimento de triunfo da fase heróica do Modernismo literário e assinala o fim da posição de inferioridade dos brasileiros no diálogo secular com Portugal. A originalidade própria é definida. Ela está bem representada nos dois manifestos (o da Poesia Pau-Brasil (1924) e o Antropófago (1928). Sobretudo quando o primeiro faz alusão à “fatalidade do primeiro branco aportado e dominando politicamente as selvas selvagens” e o segundo ao “contato com o Brasil caraíba”, à felicidade reinante no matriarcado de Pindorama, antes dos portugueses descobrirem o Brasil.
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