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Pioneirismo reprimido

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Marcos J.C. Guerra
[ Sócio do IHGRN]
Tiveram destaque em Natal 3 campanhas de alfabetização em massa para jovens e adultos. Inegável pioneirismo, entre 1957 e 1964. Uma da Igreja Católica e duas delas do setor público. Reprimidas de forma violenta e abrupta. Não creio que estejam enterradas para sempre, sob uma “caveira de burro” conforme expressão popular registrada por nosso Camara Cascudo em seu livro “Coisas que o povo diz” (Bloch, 1968).

O esquecimento e a falta de informações objetivas justificariam um conjunto de atividades do Instituto Histórico juntamente com Universidades, para melhor conhecimento e análise.

O analfabeto não podia votar.  Hoje não pode ser votado.  O fato é que temos uma inegável dívida educacional acentuada desde então pelos sucessivos governantes. É impossível aceitar como normal que tenhamos hoje um número de analfabetos muito superior aos revelados pelas nossas estatísticas da época. A enganosa “percentagem” de analfabetos mascara a realidade. Urge retomar as atividades de alfabetização.

Em 1960, sobre um total de 40 Milhões, 39 % dos brasileiros eram analfabetos. Hoje, com 210 milhões, teríamos mais de 40 milhões de analfabetos.  Embora as estatísticas oficiais indiquem “somente” 11 milhões (6,8 %) – o que em si já é escandaloso! Educadores e analistas têm consciência dos equívocos do IBGE – que não considera o analfabetismo regressivo e ignora as crianças com 8 ou 9 anos de idade.  Ficam no limbo, e somente serão contados como analfabetos após que tenham 15 anos de idade. Aos analfabetos se nega o pleno exercício de sua cidadania, de grande parte de seus direitos, além de dificultar na vida real suas atividades mais simples. Para a maioria deles, é como se um brasileiro alfabetizado estivesse tentando ler escritos em japonês, chinês ou árabe. Felizmente não são analfabetos orais, e têm plena capacidade de desenvolver suas relações pessoais e profissionais, inclusive cálculos matemáticos.

Foram pioneiras a Arquidiocese de Natal, a Prefeitura do Natal e o Governo do RN. Iniciamos em 1957 com o MEB – Movimento de Educação de Base, através da sua Radio Rural, sendo mais lembrado o nome da Professora Carmem Pedroza.  Em seguida, a partir de 1961, temos a Campanha “De Pé no Chão Também Se Aprende a Ler”; e finalmente em 1963, o Estado iniciou as “40 horas de Angicos” antes de continuar suas atividades em Natal, no bairro das Quintas, e em Mossoró. Todas elas interrompidas em 1964.Todos elas com influência pedagógica das ideias do Prof. Paulo Freire.  

Seus criadores ousaram implantar uma educação de massa e metodologias inovadoras valorizando a cultura popular.  Dom Eugenio Sales, na Arquidiocese de Natal, o ex-Prefeito Djalma Maranhão, e o ex-Governador Aluízio Alves.  Todos eles foram vítimas da repressão por suas iniciativas pioneiras. Eles e alguns dos seus auxiliares diretos a quem confiaram a concepção ou/e a execução das atividades educacionais. Perseguidos e obrigados a mudar o rumo de suas vidas, rumo pessoal e profissional.

Quanto ao MEB, são lembrados “os 6 fundadores do chamado Movimento de Natal”, liderados por Dom Eugenio Sales, com atividades diversas através do SAR – Serviço de Assistência Rural. Na Prefeitura, a equipe na área de educação, cultura e saúde era liderada pelo Secretário Moacyr de Goés. No Estado, a Secretaria da Educação era liderada pelo jornalista Calazans Fernandes.

Para a alfabetização, o Estado contou com a consultoria do Professor Paulo Freire e sua equipe da Universidade do Recife. Contou com o apoio financeiro do MEC e da Aliança para o Progresso, através da SUDENE. Sem o uso de cartilhas, exigiu plena liberdade sobre os métodos e conteúdos da alfabetização, e solicitou que sua direção seja entregue à liderança estudantil, indicando meu nome.

Vale lembrar o contexto geral no Brasil, influenciado pelos Presidentes JK, Jânio Quadros e João Goulart (Jango) mais comprometido com as reformas de base. Após a vitória da Revolução Cubana em 1959, acentuou-se a Guerra Fria, com o pretexto de opor-se à temida influência de Cuba sobre os países americanos. Este contexto favoreceu uma ativa participação dos estudantes universitários nas três iniciativas, graças à influência da UNE e sua filiada estadual, a UEE, empenhados na Reforma Universitária e nas atividades de alfabetização e cultura popular.

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