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Plantando ideias nas areias de Pipa

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Michelle Ferret – Repórter

“A ponte não é de concreto não é de ferro/ nem de cimento/ a ponte é até onde vai o seu pensamento”… A canção de Lenine pode ilustrar o que foi o I Festival Literário de Pipa. Crianças em oficinas de literatura, debates ácidos outro adocicados, espaços para lançamentos, oficina de Raimundo Carrero, Sebo Vermelho, escritores de todo canto e um público ávido por novidades. Alguns gostaram, outros nem tanto, pediram mais. Mas a realidade é que um Festival pode sim oxigenar um lugar – quase remoto – e acender a chama da literatura.
Com um orçamento de aproximadamente R$ 500 mil reais, o Flipa durou três dias
Prova disso é a estimativa de mil estudantes no lugar participando das tendas literárias, oficinas e tecendo seus versos e contos. Essa participação – pode-se dizer – foi um dos pontos mais fortes do Festival que teve o objetivo de formar público para discutir uma das linguagens artísticas mais inacessíveis nos dias de hoje, a literatura.

Raimundo Carrero deixou nas crianças e nos adolescentes, um pouco de sua experiência de escritor com sua oficina de criação literária que durou os três dias do Festival. Lá, ele despertou em cada um o processo criativo. “A oficina não é bruxaria. Explico para eles que literatura é liberdade. Não tem que estar obrigado a dizer nada a ninguém”, contou o escritor que confessou durante a mesa não ter coragem de escrever para crianças devido à responsabilidade.

O debate de Carrero com Heloísa Buarque de Hollanda, sobre a literatura de periferia deixou o público com vontade de escrever. A outra tenda “A Amazônia de Euclides” com os jornalistas Tácito Costa e Daniel Piza, trouxe à memória o desbravamento de Euclides pela Amazônia e seu livro que não foi publicado, chamado “Um Paraíso Perdido”, homônimo do documentário realizado por Daniel, que percorreu o mesmo caminho do escritor, revendo as paisagens e as histórias, traçando um paralelo à realidade contemporânea.

 O debate mais caloroso foi o de  Lobão (que vale lembrar esteve praticamente vazia no debate anterior sobre Homero Homem). Ele falou sobre seu desprezo pela Bossa Nova e a autobiografia que está escrevendo -ainda sem nome – que deverá ser lançada no próximo ano. Pouca literatura e mais música, Lobão criticou a aposta feita pela contemporaneidade na internet. “A divulgação de um trabalho deve ser feita nas rádios e nas televisões. Precisamos sim ir a programas como o de Faustão. Quem aposta na internet como fuga está fadado a desaparecer”, disse com seu jeitão troglodita de ser, como ele mesmo afirmou.

Entre polêmicas e aplausos calorosos da platéia, Lobão deixou a tenda literária prometendo uma canja numa livraria da cidade, o que não aconteceu.

Na visão de Dácio Galvão, organizador do Festival, todos os debates foram importantes. “O interessante num Festival como esses é o acesso à diversidade de pensamentos e ideias. E além do público assistir aos debates, esse mesmo público pode ter acesso à formação literária. Esse é o grande diferencial da Flipa”, contou Dácio ao VIVER no último dia do Festival.

 Na visão do secretário de Educação do Estado, Rui Pereira, o Festival alcançou seu objetivo com êxito – que é a socialização da literatura – e para o próximo ano já existe a previsão de aumentar a estrutura e modificar também o nome. “Como é o primeiro ano, conseguimos apontar algumas mudanças. A primeira é o espaço e triplicação do orçamento. Precisamos de uma estrutura maior. A tenda que comporta hoje 250 pessoas no próximo ano terá que comportar pelo menos 600. A outra mudança será o nome, não será mais Flipa e sim Flipipa”, apontou o secretário.

Ronaldo Correia, um oásis

Longe da verborragia de Lobão e da superficialidade de Danuza Leão, o escritor Ronaldo Correia fechou o Festival com um toque de sensibilidade que ninguém mais esperava. Ele que é do Ceará e escreveu o romance “Galiléia”, traz consigo a carga de ter recebido o Prêmio São Paulo de Literatura, como o romance do ano. Com um tema instigante, Ronaldo falou sobre a cristalização da palavra “regionalismo” que molda escritores e faz da classificação um enclausuramento. “Com a classificação dos escritores regionalistas estamos todos condenados à claustrofobia do gueto”, disse.

Ronaldo agora apronta um livro de contos para o próximo ano, está na tentativa de organizar um livro de crônicas e ainda encontra tempo para alinhavar os primeiros esboços do seu novo romance.  Confira a entrevista concedida ao VIVER.

Bate-papo: Ronaldo Correia de Brito – autor de Galiléia

O Sertão para você é uma memória inventada, como foi dito no debate. Seu sertão é infinito? Qual é o seu sertão?
Meu sertão é infinito porque se abre para o restante do mundo. Ele está na periferia das cidades, já não é mais fechado nele mesmo, medieval e ibérico, arcaico e impermeável. Meu sertão é o mundo.

A classificação de um escritor como “regionalista” tem como consequência uma prateleira diferente no mercado? Como o senhor observa isso?
Luto para acabarem com essa classificação bizantina. Defendo os que escrevem fora do sudeste, mas aqui no nordeste existem autores que barganham essas prateleiras diferenciadas e fazem até campanhas políticas para isso. É absurdo. Existe boa e má literatura brasileira. O resto é preconceito tolo.

O cineasta e escritor Ruy Guerra disse que a literatura de ficção no Brasil está perdendo a criatividade, por isso ele passou a ler livros de física quântica. Como o senhor observa isso?
Ruy Guerra já fez bons filmes. Também gosto de ler física quântica. Mas, a cada dia, descubro muitos autores escrevendo bem e com bastante criatividade.

O poeta Alberto Cunha Melo escreveu que seus personagens são complexamente urbanos e habitam um sertão sem endereço certo. Como você prepara seus personagens?
Desde os cinco anos moro em cidades. A partir de 1969 passei a residir no Recife, que é uma cidade bem diferenciada culturalmente.  Portanto, minha formação é urbana, embora guarde a memória dos anos que vivi no interior do Ceará. Sou um cara psicanalisado, que leu Freud e estudou psicanálise. Portanto, é compreensível que meus personagens sofram da neurose urbana. Construo memórias para eles e só depois desenvolvo os enredos narrativos. Esse é o meu método.

Conte um pouco da influência do livro Seis propostas para o próximo milênio de Ítalo Calvino na tua literatura. O senhor disse que trabalha duas propostas: a exatidão e a rapidez. Como funciona seu processo?
Desde que passei a escrever numa revista da internet, a Terra Magazine, editada por Bob Fernandes para o Portal Terra, considerei as sugestões de Calvino: rapidez, exatidão, multiplicidade, visibilidade e leveza. Não se trata propriamente de uma influência, mas de um método ou técnica. Escrever para um blog mudou minha escrita. Essa é a verdade. 

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