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Poder de mobilização enfraquecido

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VELHOS TEMPOS - Categorias como motoristas tinham um grande poder de mobilização no passado

Greves na Educação Federal, Previdência, Saúde, Receita Federal, Bancários e outras categorias, movimentos que não chegam a agendar o dia-a-dia dos jornais que se ocupam apenas a fazer o registro das pequenas mobilizações que quase sempre terminam em resultados pífios, sinais de um enfraquecimento do poder de mobilização e atuação dos sindicatos ou reflexos de uma tendência internacional provocada pela ascensão das políticas neoliberais associadas à reestruturação produtiva imposta pela globalização da economia?

O fato é que hoje não vemos mais aquelas multidões agitando bandeiras e entoando palavras de ordem por vários dias na frente das empresas fechadas, um movimento articulado e organizado de reivindicações trabalhistas que logo se expandiam entre outras categorias trabalhistas transformando-se em uma impactante greve geral. Um cenário protagonizado pelo poder de mobilização dos sindicatos que logo se transformavam em manchete dos principais jornais e rapidamente alcançava a agenda social disseminando o conteúdo da pauta de reivindicações em assunto obrigatório da sociedade em bares, escritórios, corredores, ônibus e outros lugares.

Esse foi o período de transição da década de 1970 para a chamada década perdida (1980), época de inflação alta, desemprego e nenhum desenvolvimento. Também foi tempo de transformações no regime político através do processo de redemocratização que culminou com o fim da ditadura militar, regime que contribuiu para o enfraquecimento dos sindicatos que passaram a existir de forma figurativa, pois as lideranças mais expressivas tinham os direitos políticos cassados, muitos eram presos ou extraditados e alguns foram torturados e mortos.

Com o enfraquecimento do regime no fim dos anos 70 e os primeiros sinais de abertura política surgindo no horizonte, começam a aparecer os grandes movimentos sindicais nas classes trabalhistas que arregimentavam verdadeiras massas de trabalhadores como os bancários e os operários da siderurgia com destaque para o Rio de Janeiro e o ABC Paulista de onde nasceu o Partido dos Trabalhadores composto de expressivos lideres sindicais com destaque para o então Luis Inácio da Silva, hoje presidente Lula.

Contudo, chegado o século 21, o cenário mudou e de acordo com pesquisadores, sindicalistas e ex-sindicalistas, os sindicatos, em vista das grandes mobilizações de 25 anos atrás,  perderam muito de sua força principalmente nos últimos dez anos por causa de uma série de fatores conjunturais não só locais como internacionais.

Em palestra proferida na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o professor de direito, José Francisco Siqueira Neto, que também foi relator técnico da reforma sindical sugerida pelo governo Lula, observou que apesar do surgimento do novo sindicalismo com o fim do regime militar, o movimento sindical até hoje ainda não se firmou como entidade forte poder de articulação política, ou seja, ainda precisam ampliar os espaços de participação. Siqueira Neto falou também sobre a reforma sindical que tramita na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Segundo ele, as propostas contidas na reforma visam fortalecer os sindicatos, pois alteram o sistema de contribuição sindical e também modifica o sistema de criação de sindicatos que passaria ser por representação nacional mínima, situação que ajuda a fortalecer as entidades que se encontram pulverizadas  em várias representações sindicais, muitas sem a menor representatividade.

Mais de cem anos de história e crise

Próximo a completar 104 anos de história no Brasil, o movimento sindical institucionalizado não está fraco, mas passa por uma crise de identidade que vem a reboque de uma conjuntura não apenas nacional, mas também global. Essa é a análise feita por políticos locais que já militaram em sindicatos.

Para o vereador Hermano Morais, ex-presidente da associação dos profissionais da Caixa Econômica Federal, se comparadas as ações de sua categoria há 25 anos atrás com o movimento hoje em dia, verifica-se uma certa acomodação do movimento que não conseguiu ampliar objetivos e causas a serem defendidas. Hermano Morais destacou que os movimentos sindicais têm sua parcela de culpa por não buscarem os caminhos da contextualização com o mundo de hoje, mas lembrou também que a interferência do Estado na existência dos sindicatos sempre foi muito forte como na época da ditadura e recentemente no governo FHC. Outro problema observado pelo vereador é a crise de identidade vivida atualmente por alguns sindicatos, cujas principais lideranças ocupam cargos no governo do presidente Lula, ex-sindicalista.

“Temos aí um conflito de identidade, pois os sindicalistas não sabem se o antigo companheiro é sindicalista ou é governo. Contudo, isso não se estende a todos os sindicatos e também não podemos tirar o mérito do movimento sindical para a garantia e manutenção dos direitos trabalhistas. Para se ter uma idéia, há 25 anos participei da mobilização que permitiu que os funcionários da CEF pudessem constituir um sindicato e a partir daí se beneficiarem das conquistas do movimento sindical dos bancários. Hoje precisamos avançar nas formas de negociação, pois as greves não estão alcançando a eficácia de antes. Também é preciso ampliar e contextualizar com o mundo contemporâneo a área de atuação sindical para não se limitar apenas as negociações salariais. Por isso, essa reforma que está em trâmite no congresso se não é boa para reforçar os sindicatos, pelo menos, traz à tona as discussões sobre o movimento sindical”, disse.

O deputado estadual Fernando Mineiro, que militou no sindicato da Educação, analisa o momento do sindicalismo brasileiro como uma fase de transição, pois o problema não é vivido apenas no Brasil, mas em todo o mundo. “Não podemos falar sobre o movimento sindical de hoje com a visão que tínhamos há 30 anos. Devemos levar em consideração que esse é o período mais longo de sindicatos livres desde de a institucionalização no início do século passado. Realmente, vivemos uma época de acomodamento provocado pelas mudanças conjunturais das ultimas décadas, mas isso não quer dizer que o sindicatos estão fracos, muitas conquistas foram contabilizadas nos últimos anos. O que acontece é que as bandeiras deixaram de ser gerais e passaram a ser coorporativas tirando assim, a visibilidade de alguns movimentos. Estamos recuperando o crescimento, o salário mínimo está em uma curva crescente e esse indicador também influencia na revitalização dos sindicatos”, disse.

Para a CUT, faltam debates

De acordo com a representação local da Central Única dos Trabalhadores – CUT, maior associação sindical da América Latina, o movimento sindical não está enfraquecido, na verdade está passando por uma crise motivada pela falta de debates sobre as mudanças políticas e econômicas vividas tanto no país quanto no mundo.

Segundo José Rodrigues Sobrinho, presidente da CUT/RN, o movimento sindical deve refletir sobre o papel desenvolvido pelas entidades no passado e rever, diante da presente conjuntura, qual é o atual papel das representações de trabalhadores. “Os sindicatos não estão enfraquecidos. O que está acontecendo, já aconteceu em outras épocas, ou seja, é um momento de transformação e adaptação à realidade política e econômica. Esses períodos sempre foram identificados no histórico do sindicalismo no Brasil”.

José Rodrigues lembrou que a evolução do sindicalismo no país sempre foi muito difícil desde a institucionalização de forma tardia em 1903, mas depois veio a crise na década de 1930 e até 1950, o sindicalismo vira um movimento apático até 1955 quando nasce a Confederação Geral dos Tabalhadores (CGT) que logo incorpora sindicatos de grandes segmentos como bancários, metalúrgicos e ferroviários, mas esse ressurgimento é estancado na década de 1960 pelo regime militar. Só na virada da década de 70 para os anos 80 é que o movimento sindical renasce com os operários do setor metalúrgico no Rio de Janeiro e com destaque para o ABC Paulista, de onde nasce o Partido dos Trabalhadores e se destaca a participação do sindicalista e hoje presidente Lula.

Durante os anos 80, as lutas foram duras e a essência do movimento de defender a igualdade social através de uma distribuição de renda equilibrada ganhou destaque na mídia e na sociedade, pois a briga para equilibrar o salário com a inflação era quase diária. Com a política neoliberal dos anos 90, o então movimento sindical que vinha correndo atrás do tempo perdido acabou sucumbido pela desestatização do Estado e com o crescimento da taxa de desemprego associado a automação que prejudicou vários setores de trabalho.

“Com a virada do século, o movimento, aos poucos, recupera o espaço e se depara com um tempo de reflexão para reenquadramento das funções na sociedade. Uma prova de que o movimento não está acabado como dizem por aí é que exatamente há três anos, o movimento sindical organiza a marcha em prol do salário mínimo com ganhos acima da inflação. Esse ano, o evento acontecerá no dia seis de dezembro e a meta é conseguirmos um aumento de 20% indo dos atuais R$ 350,00 para R$ 420,00”, disse José Rodrigues.

Movimento passa por transformação 

Para o professor José Antônio Spinelli do Departamento de Ciências Sociais da UFRN, o sindicalismo é um quadro complexo para ser analisado, pois existem vários fatores a serem levados em consideração, o que não restringe a problemática apenas ao Brasil, pois o movimento sindical enfrenta um fase de transição em todo o mundo.

De acordo com a análise do professor, os movimentos sindicais não estão se acabando, mas passam por uma fase de reestruturação. Para ele, o enfraquecimento dos sindicatos não é um fenômeno ocorrido apenas no Brasil, mas também nos países com maior tradição sindical como França e Alemanha. Um processo mundial de razão política e econômica.

Puxando para o plano local, na política, tivemos no início da década de 90 a ascensão das políticas neoliberais de desestatização através de privatizações que diminuiriam a intervenção estatal no social, também houve nesse período várias demissões. No campo econômico temos a reestruturação dos meios de produção e a globalização da economia, processos que redefiniram as relações entre trabalhadores e patrões, onde os primeiros passaram a produzir mais em troca de um salário baixo para se manterem empregados.

Toda essa conjuntura gerou uma massa de desempregados e trabalhadores informais, fato que contribuiu para a perda de filiados por parte dos sindicatos. Daí observa-se a relação da empregabilidade e do salário com o movimento sindical.

E o que se verificou nos últimos tempos foi uma década de 80 sem produtividade – tida como década perdida – e os anos 90 com um crescimento medíocre que enveredou-se pelos anos 2000. “A reestruturação dos sindicatos passa pelo crescimento da economia com formas alternativas de renda. O enfrentamento da economia globalizada deve ser feito através de um movimento sindical também globalizado”.

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