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Políticos e intelectuais boêmios

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Ticiano Duarte
escritor

Nas leituras e pesquisas que costumo fazer, por uma incontida fascinação, descubro coisas maravilhosas, ao meu gosto boêmio, de figuras de minha admiração e simpatia.

Algumas vezes discordei das posturas políticas e ideológicas de Carlos Lacerda, sem perder o respeito à sua inteligência, o talento de jornalista, orador, polemista, parlamentar e homem de oposição, reconhecendo os méritos de seu governo competente e empreendedor, no antigo estado da Guanabara.

O escritor Pedro Paulo Filho, no seu livro “Notáveis bacharéis na vida boêmia”, faz revelações sobre alguns nomes ilustres da área do direito, da política deste país, de suas intimidades e preferências, do bom gosto pela música, pelo bom uísque e pelos vinhos envelhecidos da Europa. E fala do período em que Carlos Lacerda, estudante de direito, atuava como rábula criminal, no júri popular ao lado do grande Evandro Lins e Silva. Lacerda não concluíra o curso de direito, mas dizia que gostava dos advogados, sobretudo dos que resolviam, não dos que criavam dificuldades. E exemplificava: “Houve homem mais necessário ao Brasil do que o incômodo e admirável Sobral Pinto?”.

Outro desabafo genial de Lacerda, ao justificar-se de não ter terminado o curso, abandonando-o no segundo ano de direito: “Preferi ser advogado de todos – até dos que, tantas vezes me condenam. Mas tenho muito respeito pelo jurista que se incumbe de pôr ordem na liberdade, sempre que não a sufoque em nome da ordem”.

Pedro Paulo Filho cita Luiz Martins, o grande cronista da boemia carioca, nos tempos de glória da velha Lapa, que foi ultimamente restaurada, voltando ao seu esplendor antigo, da época do “Túnel da Lapa”, do “Danúbio Azul”, dos anos 35 e 36.

Lacerda era presença constante nos cabarés mais famosos, sempre na companhia do cronista Rubem Braga. Outro seu companheiro foi Moacyr Wernech de Castro, com quem iria se desentender depois, a política os separando para sempre.

O livro fala na agitação das boates e cabarés, “barulho dos tangos e sambas… Trechos de óperas, canções húngaras, violinos ciganos, barqueiros do Volga, valsas de Brahms, serenatas de Schubert e Toselli…”.

Quando a Lapa começou a decair, logo após a guerra, invadida por gigolôs, prostitutas e desordeiros, as reuniões literárias e boêmias passaram para o “Vermelhinho”, e no Alcazar, à noite, em Copacabana.

Mário de Andrade, deixando São Paulo, reunia seu grupo, do qual fazia parte também Lacerda, na famosa “Taberna da Glória” e a turma do Alcazar era formada por Carlos Lacerda, Rubem Braga, Vinícius de Morais, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Dorival Caymmi.

Outros dois grandes freqüentadores da Lapa foram o jornalista e escritor Raimundo Magalhães Júnior e a figura do grande jornalista Odylo Costa Filho, maranhense da melhor estirpe, grande companheiro e amigo de Aluízio Alves.

A Lapa do passado, com seu inesquecível esplendor, com os seus cenários luxuosos, os palcos, as gambiarras, a figura de Orestes Barbosa, o grande compositor e poeta, nos bares “Café Nice” e “Chave de Ouro”, ladeado de sambistas, parecendo um rei, falando sobre Augusto Comte, Oscar Wilde, para encantamento dos circunstantes.

Lúcio Rangel rememora o compositor, escrevendo versos na ponta da mesa, que a cidade inteira anos depois iria cantar “… cansei de esperar por ela toda noite na janela” ou o clássico de todos os tempos – “a porta do barraco era sem trinco e a lua furando o nosso zinco, salpicava de estrelas nosso chão… tu pisavas nos astros, distraída… sem saber que a ventura desta vida é o luar, a cabrocha e o violão…” 

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