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Ponte é marco da engenharia no RN

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Quem cumpre o ritual diário de atravessar o Potengi, via Igapó, atormentado pelo calor e  trânsito lento, talvez não repare no gigante obsoleto e corroído pela ferrugem, que se mantém imperturbável sobre as águas. Muitos sequer sabem da contribuição do monumento para o desenvolvimento da cidade. Fato é que há quase 100 anos a Ponte do Rio Potengi, inaugurada em abril de 1916, abriu as portas de Natal para o progresso desembarcar pelos trilhos do trem. Quase parte original do cenário natural e urbano, a “Ponte de Igapó” como é mais conhecida, ainda guarda no leito do estuário segredos sobre a construção.
A ponte construída pelos ingleses e que hoje serve apenas como trampolim foi uma das reponsáveis pela chegada do progresso à Natal  do início do século XX
Para desvendá-los, um grupo de engenheiros civis, coordenado pelo engenheiro e pesquisador Manoel Fernandes de Negreiros Neto, desenvolve estudos para identificar o método capaz de deixar intacta a estrutura de concreto que sustenta os arcos metálicos. O resultado da pesquisa, iniciada a partir de 2006, será publicado no livro “A história da construção da ponte metálica sobre o Rio Potengi”, até o final do ano. Até lá, muita água há de rolar sob a ponte. Mais que isso. Os especialistas se propõem, além de historiar a obra e a Natal de 1916, a recalcular e reprojetar com os métodos usados no início do século XX, a obra que marcou a era da revolução industrial na construção civil potiguar.

“Em resumo seria uma arqueologia da engenharia. Há 100 anos e ela ainda está aí. Como foi feito? Tentaram demolir e não conseguiram, tiraram só 40%. Esta ponte nos dá uma prova de durabilidade de obras, que é uma coisa que engenheiro sempre procura. As obras de hoje com 30 anos já estão com problemas. Existem hoje prédios novinhos, na beira mar em Natal, que em cinco anos apresentam problemas no concreto”, observa o engenheiro. Enquanto isso, a estrutura cravada a partir de 1914 permanece “sem problemas, niveladas, perfeita”, abaixo da lama negra do fundo do rio.

A antiga técnica foi planejada para suportar os açoites do tempo e,  resistiu inclusive ao descaso dos gestores públicos.  “A engenharia moderna ainda tem muito a resgatar do conhecimento aplicado na antiga ponte de Igapó, relembrar  como fazer coisas que funcionem. Considerando que o hoje é aluno do ontem”, observa Negreiros.

Estrutura

Construída pela inglesa Cleveland Bridge Engineering and Co. para suportar o impacto do fluxo ferroviário, as fundações (bases de concretos submersas) ainda são um enigma. Estes blocos de concreto descem até o fundo do rio, alargando a base, como em degraus. As vigas metálicas estariam abaixo dessa camada.

Mas, apesar de quase 15 anos de pesquisa e análises ‘in loco’, ainda não é possível precisar o tipo de estaca usada – possivelmente metálica – nem mesmo a profundidade e forma como foram afixadas. “Esperávamos encontrar estaca, como as da  ponte vizinha, a de concreto que é de estaca cravada, estaca batida. Mas ainda não há uma definição”. 

A ponte do tipo “treliçada”, cuja autoria é atribuída ao francês Georges Camille Imbaul, custou aos cofres 2 contos, 474 mil e 939 réis, e teve seu projeto inicial alterado, sem custos adicionais, de dez vãos de 50 metros cada, para nove mais um de 70 metros.

Toda a estrutura metálica, incluindo perfis, rebites e parafusos vieram de navios a vapor da Inglaterra. Como também o cimento usado na construção. Daqui só areia, pedra, muito dinheiro e trabalho. O “carma” pode ter explicação em falhas do projeto, segundo Manoel Negreiros.

Artista tem sugestão de uso para estrutura

Criar um espaço para receber a comunidade, pesquisadores e estudantes, no trecho já destruído da ponte velha de Igapó. Essa é uma das alternativas levantadas pelo artista João Natal, para a utilização do monumento tombado pelo patrimônio estadual. “Hoje ela não tem uma proteção além do tombamento, o que está se pensando em criar aqui é um grupo de trabalho para avaliar os bens patrimoniais tombados, identificando os proprietários e fazendo uma avaliação mais abrangente das intervenções necessárias”, aponta.

Coordenador do Centro de Documentação Cultura Eloy de Souza (Cedoc), ele reconhece que a Fundação José Augusto não possui, atualmente, condições adequadas para fiscalizar e notificar os proprietários de bens tombados como a ponte de ferro sobre o rio Potengi. “Por estar tombada, a ponte não pode mais ser descaracterizada, mas é preciso uma avaliação sobre as necessidade de intervenção em sua estrutura. Próxima ao mar, a salinidade vai corroendo e será necessário fazer algo para preservá-la”, observa.

Artista visual, João Natal admite que entre as intervenções a serem analisadas tanto pode estar a reconstrução da parte da ponte que foi desmontada, com materiais mais modernos e seguindo a arquitetura original, ou mesmo a adoção da ideia de criar um espaço de visitação, em estilo mais contemporâneo. “Essa intervenção poderia gerar uma discussão permanente sobre a questão de patrimônio”, entende.

A opinião do artista é que “recompletar” a ponte com espécies de contêineres, fechados, mas no mesmo desenho da ponte, com capacidade para receber visitantes, estimularia uma discussão permanente se a ponte estaria sendo destruída, para dar lugar à estrutura fechada, ou reconstruída, voltando ao seu projeto original. “Claro que essa é uma ideia no campo da arte visual, mas seria interessante, inclusive para usos educacionais, para visitação técnica de alunos, ensaios fotográficos”, exemplifica.

Os investimentos, cogita, poderiam vir junto com os da Copa do Mundo de 2014. “Já que se fala muito em construir e reconstruir, a gente poderia pensar também na preservação da paisagem”. João Natal se mostrou feliz em saber do interesse dos engenheiros em escrever o livro e acredita que iniciativas do tipo podem reanimar o debate a respeito desse patrimônio da cidade.

Tombamento

João Natal explica como se desenvolveu o processo de tombamento da ponte: “Ela foi vendida a um empresário particular, que começou a retirar parte da ponte, mas por uma questão de inviabilidade econômica interrompeu o desmonte. Depois houve uma movimentação da sociedade civil pela sua preservação, pois a ponte é vista como um bem que já faz parte da paisagem da cidade, então decidiu-se pelo tombamento. Ela é hoje um emblema de Natal e esteticamente é um grande atrativo.”

Desativação é fruto de uma série de erros

A Ponte Metálica se perdeu na sua maior ambição: comportar a linha férrea. Projetada para dar vazão ao transporte de cargas e pessoas ao longo dos 550 metros de extensão, no eixo Natal – Ceará Mirim, desconsiderou o fluxo de embarcações e o avanço da indústria automobilística. O “vacilo” rendeu-lhe uma vida curta, 54 anos de exploração, e uma aposentadoria como trampolim de mergulho, de onde meninos das comunidades ribeirinhas se lançam ao Potengi.

Ao tempo em que transformou  a vida urbana dos dois lados do rio, com a velocidade das locomotivas a vapor, trouxe o declínio comercial a uma região próspera: a vizinha Macaíba. As embarcações que à época abasteciam o comércio daquela cidade foram impedidas de adentrar o “Rio Salgado”, tendo que retornar do cais da Ribeira.

Uma correção no projeto e mais alguns mil contos de réis poderiam ter revertido o quadro. Segundo o construtor, os navios teriam acesso, caso a ponte tivesse estrutura basculhante, elevatória ou giratória. “Não poderia ser erguida em altos pilares, como a Ponte Newton Navarro (Forte-Redinha), em que os navios passam por baixo, uma vez que o trem tem limitação de rampa. Mas uma das três opções resolveria a situação”, acredita. 

O segundo erro e o mais mortal, na opinião de Negreiros, foi não ter sido projetada para receber a produção em série da Ford, que tomou conta das ruas e estradas de todo Estado.  “Isso para obrigar o pobre do habitante na zona norte de Natal, que  quisesse trazer uma galinha para o seu compadre ou ate mesmo vir ao médico, na Ribeira, ter que pagar o bilhete do trem, porque nem vir caminhando podia”, pondera. Na década de 1910, a zona norte se resumia a dez pequenas casas.

Após 54 anos de uso se tornou “sem serventia”. Desativada em 1970, após o fim do contrato de exploração pela companhia inglesa, e com a inauguração da ponte de concreto, ela foi relegada ao esquecimento não só de quem passa e não a vê, mas do poder público.  Tombada pelo patrimônio histórico estadual – Fundação José Augusto – em 1992, a única providência foi evitar a retirada do que restou de uma das três primeiras pontes brasileiras.

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