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Por que mudar?

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Cláudio Emerenciano
Professor da UFRN
Nenhuma nação sobrevive sem o alimento de sonhos, ideais e esperanças. Nenhuma geração pode dizer à outra, que a sucede, não possuir nada para legar ou acrescentar ao seu caminhar na História. Essa talvez tenha sido a motivação de Gertrude Stëin, ao chamar intelectuais norte-americanos, radicados em Paris após 1918, de “geração perdida”. Seu pessimismo não se consumou. O tempo revelou uma auspiciosa contradição. Pois aquela geração não se pertenceu. Tampouco ao seu país de origem. Tornou-se de toda a humanidade. Escritores geniais como Ernest Hemingway, John dos Passos, Scott Fitzgerald e Henry Miller, compositores como Cole Porter e os irmãos George e Ira Gershwinn, artistas como Josephine Baker e muitos outros. Moldaram uma época fecunda em transformações.

Todos os países, nações e culturas desfrutam de momentos e circunstâncias em que incorporam algo mais aos rumos da História. Durante anos, atletas excepcionais da Etiópia se consagraram como os maiores corredores do mundo. Seria incrível imaginar que aquele país, no passado majestoso, chegasse ao século XX vitimado pela miséria e estagnação. Sua notoriedade bíblica remonta aos tempos da rainha de Sabá, por quem o rei Salomão exultou, em versos magníficos, a beleza do seu corpo e a fulgurância de sua inteligência. Do mesmo modo que os quadros de Paul Gauguin (obras-primas da arte universal) e os contos de Somerset Maugham ainda hoje conferem às “ilhas dos mares do sul” (Pacífico e Oceania) um conteúdo idílico e paradisíaco. Especialmente em tempos de desequilíbrio ambiental.

Esses momentos de alento não se restringem à cultura, à ciência e à tecnologia. A política e a economia são e precisam ser dinâmicas. Seu objetivo primordial é ensejar o aprimoramento da vida humana em todos os sentidos. Eis seu conteúdo humanista. Irrenunciável. Permitir ao homem realizar sua vocação básica: ser feliz. Assim, os grandes políticos não são apenas homens de ação. São homens de pensamento. Suas palavras e seus ensinamentos transpõem seu tempo. Há 2500 anos o “Discurso da Acrópole”, de Péricles, é reflexão soberba sobre a ética do poder e seus fins.

Dizem que o verão, que se prenuncia, não é propício às controvérsias, às reflexões e abordagens de temas complexos, traumáticos ou amargos. No mínimo, para não se exibir óbvias incompetência, demagogia e impostura de governantes. Pois a inépcia e a ignorância nem sempre são deficiência. Segundo o grande Norberto Bobbio (cientista político e filósofo italiano) também podem ser manifestação deliberada, consciente e maquiavélica de quem objetiva tornar imutáveis certas circunstâncias na sociedade. Que lhes são propícias. É uma estratégia estúpida, cruel, desumana, iníqua e aética de preservação ou uso do poder. É “maquiavelismo”, que inibe ou garroteia transformações sociais, políticas, econômicas e culturais de um povo, um país, uma nação. Práticas que fraudam e violentam a natureza e os fins de uma civilização democrática. Legado de ditaduras, como o fascismo, o nazismo, o stalinismo e o salazarismo. 

Por isso, em respeito à letargia, ao torpor e à liturgia desse verão, tratarei o assunto da maneira mais leve possível. Rendo minhas homenagens ao genial Antônio Maria, inesquecível, ao dizer que o verão é tempo de amor, descontração e desprendimento. George Sand (escritora francesa) revelou que, no verão, em “Palma de Majorca”, desfrutou seus momentos mais sublimes de amor com Chopin. Nesse ambiente idílico foi composta a “Sonata ao luar”. Shelley, poeta e amante eterno, fez ode ao amor e ao verão: “O ruído dos temporais do verão sobre a grama cintilante, as flores e as folhas que a chuva dispersou, a tudo teu encanto excede”. Enquanto João do Rio dizia que Machado de Assis deixava de ser taciturno no verão. Mas dois escritores islâmicos identificam essência filosófica e psicológica no verão. Tariq Ali, em “Sombras da Romãzeira”, diz que cristãos e árabes, em disputas na península ibérica, no século XV, paradoxalmente celebravam trégua no verão. E, por fim, Nagib Mahfuz (Nobel da Literatura), em “As codornas e o outono”, revela que as codornas se acasalam no outono. Depois, com suas crias, realizam périplos sazonais do Oriente Médio para a costa mediterrânica da Europa. Esses voos no verão evocam fertilidade e reprodução da vida.

No início de 1933 Franklin Delano Roosevelt assumiu a Presidência dos Estados Unidos. O país tinha quinze milhões de desempregados. Quase dez milhões de domicílios sem saneamento básico nem água encanada. A corrupção contaminara todos os segmentos da administração. Sistema jurídico em erosão. O cinema documentou fielmente o poder do crime organizado. Mário Puzzo, em “O Poderoso Chefão”, apenas converteu em ficção a realidade. Sindicatos e sindicalistas eram reprimidos à bala pela polícia. O Nobel da Literatura John Steinbeck, em “As vinhas da ira” e “Ratos e homens”, revelou a face mais cruel da depressão de 1929 e seus desdobramentos. Roosevelt transformou seu país numa sociedade próspera, com classe média predominante, sindicatos livres e mobilidade social. A corrupção foi vigorosamente combatida e a Justiça cumpriu seu papel. Juscelino Kubitschek foi o “Roosevelt brasileiro”. Modernizou o Brasil com vigorosa fé democrática e zelo pela coisa pública. Por que, no presente, isso não se faz plenamente? Porque…    

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