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Potiguar vai completar volta ao mundo

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Mariana Ceci
Repórter

“Do Morro do Careca à Aurora Boreal – uma coruja em voo”. É assim que a potiguar Gean Neide Andrade, de 49 anos, identifica a si mesma em sua página no Facebook. O que a tenente aposentada da Marinha faz, no entanto, é algo que não está restrito aos pássaros, mas sim que acompanha a história da humanidade desde os tempos mais remotos: viajar pelo mundo e desbravar o desconhecido. Cinco meses atrás, em agosto de 2017, Gean subiu em sua moto e decidiu fazer uma viagem, de Natal ao deserto do Atacama, no Chile. O que a princípio já era uma grande aventura, acabou se transformando em um projeto ainda maior – dar a volta ao mundo de moto.

No final do ano passado, aventura de dar a volta ao mundo teve de ser interrompida na Europa
No final do ano passado, aventura de dar a volta ao mundo teve de ser interrompida na Europa (fotos: Mariana Ceci)

Gean então deu início ao plano e percorreu a América Latina, América do Norte até o Alasca e parte da Europa. Foram mais de 115 mil quilômetros percorridos em sua moto, uma Honda NC 700x. No final do ano passado, no entanto, a viagem teve de ser interrompida na Europa: a militar aposentada recebeu a notícia de que seu irmão estava doente no Brasil. Gean então procurou um local para deixar sua moto na Croácia, onde se encontrava quando recebeu a notícia, e voltou às pressas ao Brasil.

Agora, no entanto, com o irmão recuperado, ela pretende continuar a aventura e embarcou na última segunda-feira (16) de volta à Europa para recuperar sua moto. Da Croácia, ela pretende percorrer o resto dos países do sul europeu, e seguir em direção à África, pelo Marrocos. “Quero muito fazer a África. Alguns países, infelizmente, terei de pular, porque dizem que em função de situações de guerra civil não é seguro fazer alguns trechos sozinha na moto. Mas meu desejo era passar por todos”, conta a motociclista.

A experiência de Gean, como de muitos que realizam esse tipo de viagem, foi obtida na estrada. Sua vida como motociclista começou há apenas 4 anos. A vontade de viajar veio após o seu divórcio, e persistiu até ela iniciar a empreitada de conhecer o deserto do Atacama. “Fui de Natal até o Rio de Janeiro, onde busquei minha filha que faz mestrado lá. De lá, fomos até o Chile, e decidi que queria continuar”, conta.

Da Croácia, Gean Neide pretende percorrer o resto dos países do sul europeu, e seguir em direção à África, pelo Marrocos
Da Croácia, Gean Neide pretende percorrer o resto dos países do sul europeu, e seguir em direção à África, pelo Marrocos

Pelo caminho, ela além da quilometragem, Gean foi colecionando histórias dos lugares por onde passava e, principalmente, das pessoas que conhecia. “Eu aprendi que existem muitas diferenças entre as culturas e as pessoas mas, mais do que isso, aprendi que existe algo para além dessas barreiras, como a língua, que permite que nos identifiquemos uns com os outros. Acho que foi aí que entendi que há algo que dá a liga, entende? Algo que faz de todos nós seres humanos, no fim das contas”, diz ela.

Para fazer a viagem, no entanto, ela precisou de muito planejamento além da coragem. Ela conta que opta pelas opções mais baratas em termos de hospedagem e alimentação, e carrega consigo apenas as coisas necessárias para usar no dia-a-dia, já que com a moto é impossível levar bagagens extras ou desnecessárias. O principal gasto, de acordo com ela, está no combustível para a moto. “Não vou dizer que é uma viagem barata. Mas quando você faz as contas, percebe que acaba gastando proporcionalmente ao que se gasta no dia-a-dia vivendo em um lugar só, porque você não gasta com coisas desnecessárias. É aí que você aprende também o que o ser humano precisa para viver e o que é supérfluo. Meu maior gasto é com combustível, que na Europa e nos Estados Unidos não é tão mais barato do que aqui. Em alguns países da América Central  no entanto, às vezes conseguia encher o tanque com 28 reais”, disse.

“A língua é uma barreira menor do que se imagina”

Apesar de saber o básico de inglês, Gean Neide conta que não é fluente na língua, e já passou dificuldades para se comunicar em alguns países, especialmente no Leste Europeu. “Russo, esloveno, eslovaco… Essas línguas todas são muito diferentes da nossa. Mas descobri que a boa vontade das pessoas é muito maior do que a diferença da língua. A língua é uma barreira menor do que se imagina”, disse.

A internet foi uma grande aliada durante a viagem. Em países como a Rússia, sua história chegou a estampar as páginas de jornais locais, e ela foi homenageada em um desfile de motociclistas na cidade de São Petersburgo. “Mesmo assim, é importante que as pessoas pesquisem um pouco a respeito da cultura e do local que vão visitar, principalmente se não possuem o domínio da língua, como era o meu caso”, recomenda.

As tecnologias também serviram para diminuir outro sentimento, presente ao longo de boa parte da viagem: a solidão. “É difícil. Solitário demais. Às vezes você chega em um lugar e está sozinha, e ninguém fala com você, ninguém conversa com você. Nessas horas ajuda um pouco ver quantas pessoas ao redor do mundo, e não apenas na minha cidade, estão me acompanhando e mandando mensagens de carinho, dizendo que meu projeto ajudou elas a terem coragem de tocarem seus próprios sonhos pra frente. Mas é muito solitário sim”, conta.

Apesar da solidão na estrada, Gean conta que foi colecionando amigos ao longo do caminho. “Você aprende a se entregar. Às vezes pode ser ruim, mas eu descobri que, no geral, as pessoas não são ruins. A probabilidade de você encontrar alguém bom, alguém que se desarme também depois de você se desarmar, é grande”. No Canadá, a brasileira chegou a dividir um saco de dormir com um Argentino que não tinha onde ficar. “A gente aprende muito sobre solidariedade. Um dia a gente ajuda, outro dia nós somos ajudados. Temos que nos permitir e nos abrir para as pessoas para isso”, completa.

A aventura deve se transformar em livro

De Jack Kerouac à Diários de Motocicleta, os relatos sobre grandes viagens, seja em filmes ou livros há gerações despertam o interesse popular. Gean Neide tem planos de, quando retornar para o Brasil, escrever suas memórias e publicá-las, para compartilhar um pouco do que foi a experiência de dar a volta ao mundo.

O livro, que está sendo escrito aos poucos à medida em que a viagem avança, vai abordar algumas de suas aventuras na estrada e situações em sua vida que levaram com que a militar aposentada escolhesse viver como viajante. Os “causos” são muitos: Gean já teve que fugir de homens armados enquanto pilotava na Guatemala, afastar um urso de sua barraca no Alasca e inclusive ficar cara a cara com situações de preconceito e assédio.  Sua história, inclusive, traz uma nova visão raramente vista nos relatos de grandes viagens: a perspectiva feminina, o que pode colocá-la ao lado de pioneiras como a americana Amelia Earhart, a primeira mulher a voar sozinha sobre o Oceano Atlântico, e que desapareceu em seu avião ao tentar dar a volta ao mundo.

“Não é fácil ser uma mulher e viajar sozinha, ainda mais quando se é brasileira. Muitas pessoas acham que podem fazer o que querem conosco, que nosso corpo está ali para ser tocado independente de nossa permissão. Já passei por situações de assédio, infelizmente. Uma vez estava em um albergue, ajudei um homem a levar as malas dele e, ao chegarmos lá em cima, ele tentou me tocar de forma inapropriada. Foi muito triste. Mas a verdade é que esses foram casos pontuais. Ao longo dos mais de cinco meses de viagem, sofri com o assédio três vezes. Minha experiência com as pessoas foi, em geral, muito positiva”, relata.

Ela pretende procurar uma editora interessada em publicar as memórias quando retornar ao Brasil. Até lá, pretende continuar escrevendo, pouco a pouco, as situações que vão acontecendo “Não escrevo todos os dias, mas a história flui naturalmente, porque foram coisas que aconteceram comigo e me fizeram chegar até aqui e aprender as coisas que aprendi”, diz. Ela também pretende compartilhar mais em suas páginas nas redes sociais – Instagram e Facebook – a experiência com aqueles que já a acompanham, na esperança inclusive de encontrar algum patrocinador para o projeto, que é bancado exclusivamente com recursos próprios.

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