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Prática incompatível com a Copa

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 Marcelo Morais e Sheyla Azevedo – Ong Au-Que-Mia 

A vinda da Copa do Mundo em 2014 para Natal tem sido um dos baluartes para consagrar a ideia do progresso e, por sua vez, a ascensão do turismo e da geração de emprego e renda na capital e no seu entorno, a Grande Natal, que comporta quase a metade da população de todo o Estado. A princípio, não se tem como negar essas possibilidades, afinal trata-se de um evento mundialmente famoso que tem ajudado a espetacularizar e popularizar o futebol nos mais recônditos lugares do mundo. E a cidade terá o seu quinhão nessa grande festa. Mas, esse progresso é bom para quem?

A resposta poderia ser simples e direta: é bom para todos. Mas não é bem assim, quando se pensa no campo das ações. As obras estruturantes como construção de vias e o Estádio das Dunas, as capacitações profissionais e toda sorte de divulgação da cidade não são o suficiente para consolidar no pilar do progresso. Muito se fala em sustentabilidade e justiça social, mas pelo jeito as desigualdades vêm a cavalo. Aliás, figura de linguagem bem apropriada porque o objetivo desse artigo é falar sobre uma prática medieval que, infelizmente, ainda circula por Natal: o uso de animais de tração para carregar carroças. Até agora, sem nenhum tempo de controle ou disciplinamento por parte dos órgãos públicos e sanitários. O que torna a cidade um cartão postal do atraso, do descaso e do total desrespeito com esses animais, a sua maioria vítimas de maus-tratos e péssimas condições de sobrevivência.

E se o leitor acha que pode ser um exagero tais afirmações é adequado que tome conhecimento sobre o que pensa o veterinário sanitarista, Willian Bonfim, ex-diretor do Centro de Zoonoses da Secretaria Municipal de Saúde, profissional que há mais de 20 anos milita em causas sanitárias e preza pela boa convivência entre seres humanos e os outros seres vivos que habitam e dividem o mesmo espaço. Em entrevista concedida à Organização Não Governamental Au-Que-Mia, disponibilizada no You Tube, ele afirma que essa prática advinda de questões sociais e culturais – quando homens do campo migraram para os grandes centros – é incompatível com uma cidade que se pensa turística. É ele quem nos alerta para o fato de que somente cavalos, éguas e burros são animais compatíveis para carregar grandes pesos. Entretanto, jegues e jumentos – animais de menor porte – são frequentemente utilizados para o mesmo fim e vistos sendo açoitados, enquanto carregam grandes pesos, inclusive entulhos de construção civil. Na sua experiência clínica, até mesmo os primeiros têm graves problemas de saúde porque não são ferrados e apresentam calos que comprometem sua locomoção. Mas seus relatos vão muito além no que se refere a maus-tratos. O médico veterinário já viu cenas que considera como verdadeiras “atrocidades”: órgãos genitais amputados; fêmeas esfaqueadas porque não conseguiam trabalhar; outros com a língua esfacelada pelo arreio e alguns animais com a cauda queimada como “estímulo” para que eles pudessem se levantar para continuar a tarefa exaustiva. Durante sua gestão, Bonfim chegou a prospectar um projeto que previa albergues para esses animais maltratados. Mas a falta de previsão orçamentária deixou os planos no papel.

A maioria das pessoas não há de concordar com uma coisa dessas. Tampouco com as condições precárias – socialmente falando – em que vivem os carroceiros. Geralmente pessoas carentes de recursos financeiros, formação profissional e de informações acerca de legislação ou qualquer tipo de “progresso” que os insira no crescimento sustentável e na justiça social.

Para que a Copa 2014 seja realmente um advento promissor e gerador de divisas, é preciso que pensemos nos benefícios da cidade e para toda a população. E aí inclua-se na agenda da Copa, a definição de regras sérias e disciplinadoras para essa prática. Ou quem sabe, na melhor das hipóteses, extingui-la totalmente, dando melhores condições de sobrevivência tanto para os seres humanos, quanto para os animais, que merecem nosso respeito.

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