quinta-feira, 28 de março, 2024
29.1 C
Natal
quinta-feira, 28 de março, 2024

“Precisa legalizar o jogo do bicho”

- Publicidade -

A cantora Leci Brandão é daquelas artistas que cantam com o clamor das ruas, retratando a vivência e o grito de minorias. Esse tom vai não apenas nas canções, mas também no seu próprio discurso, que chegou a política, com a incursão de Leci Brandão como deputada, cargo que ocupa desde o ano passado. Logo no início da entrevista, a cantora demonstrou o quanto ficou indecisa para saber se entraria ou não na política. Afinal depois de quase quarenta anos de carreira enveredar por um novo caminho não era tarefa fácil. Mas foi nessa rota, após sete meses pensando, que ela enveredou e hoje como deputada afirma que procura legislar para todos. Na campanha de 2010, Leci Brandão obteve mais de 85 mil votos em São Paulo e se tornou a segunda mulher negra a assumir uma cadeira na Assembleia Legislativa do Estado. Como todo artista de posições fortes, Leci não se furta a responder nenhuma pergunta e traz nas respostas um tom de muita propriedade, até mesmo quando é provocada por assuntos polêmicos. Legalização do jogo do bicho? Claro! Leci Brandão é favorável: “Por que não há interesse do Congresso e do Poder Judiciário em legalizarem o jogo do bicho? Porque o jogo do bicho alimenta autoridade, financia campanha política, faz pagamento além do que recebe no contracheque”, responde a cantora, que esteve em Natal em show promovido pela Trupe Promoção e Entretenimento e DC Produção. A convidada de hoje do 3 por 4 é uma sambista reconhecida, uma mulher negra que canta para minorias, uma pessoa simples e de especial atenção com o interlocutor. Com vocês, o que pensa e ensina Leci Brandão:

Como todo artista de posições fortes, Leci Brandão não se furta a responder nenhuma pergunta e traz nas respostas um tom de muita propriedade, até mesmo quando é provocada por assuntos polêmicosDepois de 37 anos de carreira (em 2011 ela completou), começar uma nova carreira que é a política. O que lhe levou a isso?

Eu digo para as pessoas que eu sou artista e estou deputada. Eu não digo que sou deputada, digo que estou porque não sei o que vai ocorrer.

O que lhe inquietou a buscar a política?

Eu fui convidada mesmo. Quem me convidou foi o ex-ministro do Esporte Orlando Silva Júnior e o Netinho de Paula que é vereador em São Paulo. Fiquei sete meses para responder. Pensei em não me envolver nisso porque sempre fiz um trabalho linkado com as questões sociais, sempre fui uma artista onde participei de todos os processos democráticos, Diretas Já, demarcação das terras indígenas, campanha da fome do Betinho, MST, Luta das Mulheres, Luta dos negros, do Conselho da Igualdade Racial. Eu tenho uma vida pautada sempre por uma questão de lutas do Brasil inteiro. Sempre fui requisitada para cantar em favor de professores, em favor do movimento LGBT, enfim, já cantei para todo mundo e já compus por todos e para todos. O que eles (Orlando Silva e Netinho) disseram para mim foi que eu tinha que pensar que era muito importante que eu desse uma oportunidade para essa sociedade civil organizada como parlamentar. Estou na Assembleia Legislativa com 94 deputados, somente dois negros, sou eu e o deputado José Cândido que é do PT. Independente disso, sou a segunda mulher negra a entrar na Assembleia Legislativa, que tem 173 anos de existência. O Estado de São Paulo ,que é considerado o Estado mais importante do Brasil, tudo acontece em São Paulo, você ser a segunda mulher negra em uma Assembléia Legislativa. Veja que eu sou uma carioca que sobrevive artisticamente em São Paulo. O povo de São Paulo gosta muito da gente, se identifica com o meu trabalho, gosta da minha característica de cantar para  índio, para a mulher, para o gay. Eu canto para todo mundo.

E nesse período de um ano na Assembleia Legislativa, como você analisa sua experiência parlamentar?

Estou muito feliz, estou muito grata a Deus porque estou sendo muito elogiada dentro da Assembleia. Eu tenho sido considerada uma revelação. Por que? Pelo fato de ser negra, artista, as pessoas imaginavam que dentro do gabinete a gente ia ficar lá fazendo um samba. Eu sou da Comissão de Educação e Cultura, da Comissão de Direitos Humanos, fiz parte da CPI do Ensino Superior Privado. E a minha atuação na Comissão de Direitos Humanos tem sido muito legal, porque essa é a Comissão mais pesada. Na Educação e Cultura lancei a Frente Parlamentar em Defesa da Cultura. A minha agenda dentro da Assembleia é positiva. Não fui lá para xingar a situação, nunca xinguei parlamentar. Vou lá para defender os interesses do povo de São Paulo. Eu precisei mostrar para os outros deputados que tinha pauta boa para discussão. Eu abri um leque de contatos e expliquei as propostas do meu mandato e por isso estou sendo considerada uma deputada de atuação boa. Não estou preocupada porque não sou da situação (da bancada do prefeito Geraldo Alckmin), tenho que ver a prioridade e fazer projetos de lei.

Saindo da política e indo para o samba. Você tem quase 40 anos de carreira e traz um perfil de cantar para as minorias. De todas as minorias que você canta e para as quais compõe, qual a minoria que evoluiu no seu clamor?

Sem dúvida alguma a população negra porque conheço muitas pessoas que dizem para mim assim: “meu filho tinha vergonha de ser negro, levei para um show seu e ele mudou a cabeça”. Hoje eu tenho um público jovem muito grande em São Paulo e diz que foi ver meu show quando tinha 10 anos. Muitos que ouviram os vinis conseguiram fazer uma transformação, tiveram uma formação cultural, de cidadania em função damúsica que nós fizemos. Veja a música Anjos da Guarda. Nós fizemos para os professores. Essa música não foi música de trabalho, mas todos os professores desse país, onde eu vou, pedem para eu cantar Anjo da Guarda. É uma homenagem a educação, aos professores. Fiz essa música porque vi uma matéria na televisão mostrando professores fazendo uma passeata de reivindicação salarial, a polícia chegou e bateu nos professores. Quando terminou a matéria eu fiz a música.

Qual a minoria que está mais desfavorecida?

Acho que ainda é a população indígena. Ela teria que ter  mais respeito, mais visibilidade. Eu sou a favor das cotas. Não que eu queira que as pessoas entrem na universidade pela cor da pele. A gente sabe que a maioria da população pobre desse país é negra. A população negra acaba ficando fora dos patamares mais altos desse país porque ela não está no poder. A população negra não está no poder. Quem define nossas coisas é outra etnia. Olhe para a Câmara dos Deputados, você conta a dedo quem é negro. Você sabe que a universidade pública ela é frequentada pela elite. Os pobres não têm condição de entrarem no vestibular. O pobre vem da escola pública, que está jogada e não entra. Quem vai para universidade pública é quem deveria pagar. A questão das cotas eu abro mais um pouco. Não penso cota só para negros, mas cota para pobres. Quando você fala em pobre você tem negro, branco, amarelo, caboclo. Os pobres tinham que ter mais oportunidade de inclusão, de acesso. É inadmissível chegar no hospital e não encontrar um médico negro. Não vejo executivos negros. Venho de origem humilde, minha mãe era servente de escola pública, eu fui operária, telefonista. Como consegui ser artista fiz da minha arte um instrumento para defender os desfavorecidos. Minha carreira sempre foi pautada por isso.

Depois de quase 40 anos de carreira, qual sua meta agora?

Quero fazer se Deus quiser um outro DVD, só tenho um DVD, e agora quero fazer outro focado no Brasil. Já fiz vários discos assim, sempre cantei o Nordeste, o Norte, todas as regiões do Brasil. Quero voltar a fazer isso. Quero, principalmente, gravar todas as regiões, falar do Brasil. Eu sou uma cidadã brasileira, carioca de Madueira, mas que já cantei em todo o meu país. Sou muito bem recebida em todos os Estados.

Você é da Escola de samba Mangueira, mas comentava o desfile de escolas de samba em emissora de televisão. Isso não comprometia seu equilíbrio?

Não porque a gente sempre procurou ter um equilíbrio.

Escola de samba traz temática muito relacionada a jogo do bicho. Como você vê esse desvirtuamento da imagem da escola de samba?

Serei muito real na minha resposta. O carnaval virou espetáculo hollywoodiano. O carnaval não é mais aquele que comprava o cetim e tinha comunidade que sambava no pé. Esse carnaval tomou outras direções. (Antigamente) Era o carnaval que tinha arquibancada e você levava seu lanchinho e via seu parente desfilando. Depois do sambódromo a coisa começou a ficar muito maior e escolas tiveram que ter dinheiro para colocar o carnaval na rua. O Joãozinho Trinta sobe os carros alegóricos, tem a célebre frase que pobre gosta de luxo quem gosta de pobreza é intelectual. A gente começava a ver a dificuldade das escolas em colocar o carnaval na rua. As escolas pobres foram perdendo espaço. Entraram os bicheiros que começaram a ajudar as escolas.  Não se pode esquecer que bicheiro construiu creche, colégio. Proporciona (o bicheiro) as pessoas uma coisa que o poder público não cumpre o seu papel.

Mas o jogo do bicho deve acabar?

O que tem que acontecer é a legalização. Por que não há interesse do Congresso e do Poder Judiciário em legalizar o jogo do bicho? Porque o jogo do bicho alimenta autoridade, financia campanha política, faz pagamento além do que recebe no contracheque. Camarote de bicheiro é frequentado por diversas pessoas de autoridades públicas. Os chiques todos querem estar lá (no camarote dos bicheiros). Não sei porque ninguém quer legalizar. Os bicheiros querem legalizar. Não tenho nada contra os bicheiros. Eles são queridos pelas escolas de samba.

Detalhes

O que faz um bom samba: uma boa letra e boa melodia

O samba no Brasil: sendo olhado de forma diferenciada, para melhor. Tem muito jovem querendo fazer samba. Agora precisa as rádios tocarem o samba de raiz. Precisa ter uma democracia na execução do samba de raiz

O que busca a deputada Leci: melhorar a qualidade de vida do povo de São Paulo, principalmente os menos favorecidos que foram esses que me elegeram, tive mais de 85 mil votos.

Perfil

Nascida em Madureira, criada em Vila Izabel, Leci Brandão foi a primeira mulher a fazer parte da ala de compositores da Mangueira. Ela já foi comentarista do desfile da escola de samba na televisão e hoje, além de cantora, é deputada estadual pelo Estado de São Paulo. Em 2012 completa 38 anos de carreira.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas