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“Precisamos de um programa permanente de incentivos”

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A presidenta da Fundação de Apoio à Pesquisa no Estado do Rio Grande do Norte (Fapern), a professora Maria Bernardete Cordeiro de Sousa, é uma das profissionais que mais entendem de pesquisa científica hoje no Estado. E pelo panorama traçado por ela, o setor vivencia um substancial avanço mas ainda muito aquém do ideal. A falta de conhecimento, escassez de recursos, descontinuidade nas políticas de incentivo e a baixa participação da iniciativa privada são alguns  desafios encontrados por quem faz pesquisa científica no Brasil hoje, e em especial no RN. Nesta entrevista, ela comenta os avanços e as metas para os próximos anos.

Como está o Rio Grande do Norte hoje no quesito Ciência e Tecnologia? Temos bons resultados ou o trabalho ainda é incipiente?

O cenário local no panorama da Ciência e Tecnologia ainda está sendo encaminhado. O passo inicial foi a criação da Fundação de Apoio à Pesquisa do Rio Grande do Norte (Fapern), em 2003. No ano passado, com a realização da 1ª Conferência Estadual de Ciência e Tecnologia também demos um passo importante porque conhecemos todos os atores do sistema – que é o setor acadêmico, as universidades, o setor governamental e a própria iniciativa privada. Mas uma das coisa mais importantes e que ainda não fizemos é o mapeamento estadual do setor de ciência e tecnologia. Essa estruturação é importante   para que possamos, no conjunto, competir de igual para igual com outros estados da federação. Como ainda não temos esse diagnóstico geral, a gente não consegue se articular da maneira devida. Já fizemos alguns diagnósticos pontuais que foram publicados, mas o mapeamento completo ainda está em curso.

Do que trata esse mapeamento? Qual o objetivo e o que ele vai mostrar?

Ele vai detalhar quem faz pesquisa – instituições e professores –, quem financia, quanto se investe, entre outros pontos. Hoje no sistema de ciência, tecnologia e inovação temos o que nós chamamos de tripla hélice que é formada pela Academia, que faz pesquisa, o governo, e o setor industrial, que também faz pesquisas e é responsável por colocar o produtos dos estudos em comercialização, e o oferta ao grande público. Nós estamos mapeando todos esses entes aqui no Estado.

Existe alguma peculiaridade nessa cadeia aqui no Rio Grande do Norte?

Nosso Estado tem um número reduzido de grandes empresas, em contrapartida temos um número significativo e uma ação muito robusta de estímulo a micro, pequenas e médias empresas. Nós já temos algumas linhas de financiamento aqui na Fundação que proporciona essa aproximação. Existem muitos recursos para isso, inclusive a fundo perdido – você faz uma associação entre pesquisador e empresa, entra-se com os recursos do governo federal e contrapartida do governo estadual e vai se fomentar a cultura da pesquisa e inovação, para que ela passe a ser desenvolvida dentro do setor empresarial.

Quais são os principais empecilhos para o desenvolvimento do setor na sua opinião?

A descontinuidade das políticas de governo é uma delas. A fundação precisa urgentemente ser blindada com relação às questões políticas. Em São Paulo, por exemplo, o conselho da Fapesp é formado por 12 membros. Seis deles permanecem mesmo quando um novo governador é eleito. A renovação é a cada dois anos, por quatro anos, de modo que há um desencontro dos diretores da fundação com os governadores do Estado, levando a uma certa perenidade dos programas. A sobreposição de ações nos diferentes entes é outra coisa que dificulta. A falta de articulação acaba pulverizando as ações e elas perdem a força.

Em alguns países, o setor privado é um dos principais financiadores de pesquisas. Aqui, porque isso não ocorre?

Culturalmente, nós sempre fomos condicionados a esperar que o governo faça, a esperar incentivos, a esperar que o dinheiro venha do governo. Mas a nossa política demanda também um vetor de financiamento do setor privado. Mas uma dificuldade que encontramos é que boa parte do empresariado não tem a cultura da inovação. Nós sempre fomos grandes importadores de tecnologia, então para a gente fazer essa transição, é preciso saber que é um processo demorado. Não temos a cultura da inovação. Voltando o foco para o setor local, o fato de não termos grandes empresas, com recursos disponíveis para investir, dificulta esse processo. O empresariado também tem resistência à investir em pesquisa por causa da questão dos resultados, que só aparecem a médio e longo prazo. E eles querem um resultado rápido.  O ideal é que haja uma sintonia, o empresário quer uma resposta mais rápida e a universidade também precisa se preparar para dar agilidade a esse processo.   

Diante desse panorama de pouco investimento por parte da iniciativa privada, hoje, quem é que financia a pesquisa científica aqui no Estado?

Cerca de 80% do financiamento da Fundação vem do Governo Federal. O Governo Estadual também tem participado com uma contrapartida. Do ponto de vista da nossa fundação, nos observamos que os recursos, nos últimos anos, nunca foram executados. Ou seja, a contrapartida do Estado não foi executada integralmente. Ela veio no orçamento mas não foi feito o repasse financeiro. Então para este ano, estamos buscando que esses recursos realmente cheguem à fundação.

São recursos da ordem de quanto?

É uma verba da ordem de R$ 5 milhões a R$ 6 milhões por ano, referente à contrapartida do Estado. Para se ter uma ideia, no ano passado a fundação só conseguiu executar cerca de R$ 800 mil, em recursos do Estado. Então, este ano vamos buscar dar celeridade a essas execuções do orçamento até mesmo para não comprometer os recursos que chegam do Ministério. Em alguns casos, eles só fazem o repasse da segunda parcela com a comprovação do pagamento da contrapartida por parte do Estado. Também pretendemos efetuar o pagamento da nossa contrapartida com os institutos internacionais, que estão em atraso – tanto o Instituto Internacional de Física quanto o Instituto Internacional de Neurociências. 

Então nós podemos dizer que nos últimos anos o governo federal fez um investimento considerável em educação superior, ciência e tecnologia, mas que o Estado não acompanhou.

É, o nosso Estado não acompanhou. Agora, nós estamos buscando ampliar o orçamento em ciência e tecnologia, através da sensibilização da governadora e da equipe como um todo. Vamos ver se conseguimos aumentar, gradativamente, esses R$ 6 milhões ao longo dos próximos anos. Já para o orçamento do próximo ano pretendemos levar uma proposta bem objetiva, aumentando esse orçamento e com garantias de que esse valor será executado.  

Quais são as áreas que se destacam no campo de pesquisas científicas aqui no Estado?

As áreas onde se concentram o maior número de pesquisas e de recursos são a física, a neurociências, a engenharia química, engenharia de materiais e biologia molecular (genômica e proteômica). A pesquisa em saúde também é um foco importantíssimo de novas descobertas. No setor de ciências humanas e sociais se destaca a área de políticas públicas.

Essas pesquisas têm a preocupação de se enquadrarem na realidade econômica e social do Estado?

Nós identificamos essa necessidade já há bastante tempo. Há cerca de 20, 30 anos, a pesquisa ainda não tinha esse enfoque regional, mas hoje nós já temos pesquisas fortemente voltadas para os setores produtivos do Estado. Essas pesquisas são aplicáveis não só economicamente mas também socialmente.  

E além da UFRN, as outras universidades do Estado também realizam pesquisas?

Sim, é importante citar a Ufersa, que realiza um trabalho interessante com fitotecnia, que é um arranjo científico importante considerando a Embrapa e a atividade de fruticultura irrigada desenvolvida aqui na região. A UERN tem três cursos de pós graduação, na área de fruticultura também, na área de tecnologia da informação e na área de letras. A contribuição científica também é importante, especialmente no interior do Estado. E o IFRN também deve ser destacado. Ele entra no sistema apoiando os chamados “arranjos produtivos locais”. 

Como a senhora avalia os últimos anos no setor de ciência e tecnologia? Houve um avanço no setor e, em especial, no quesito investimento? 

Há uma tendência real, concreta e financeira de avanço na área de pesquisa em ciência e tecnologia sim. Quando observamos as principais agências de fomento – especialmente o CNPq e o Finep – eles têm diversos editais de apoio a pesquisa lançados, nas mais diversas áreas. Para se ter uma ideia, só a UFRN captou mais de R$ 2 milhões por pesquisadores individuais, professores que se inscrevem e conseguem os recursos para bancar a pesquisa. Então além dos incentivos às universidades, os professores/pesquisadores também podem captar recursos individualmente. Também podemos perceber esse avanço se observarmos o número de bolsas de pesquisa que estão sendo concedidas – aumentamos de 20% a 30%. Eu acredito que se tivéssemos um estado mais competitivo economicamente esses resultados seriam ainda melhores.

Os professores das redes pública e particular aqui do Estado estão preparados para estimular e desenvolver a visão dos estudantes para a importância da ciência?

Acredito que essa questão ainda precisa ser melhor trabalhada. Apesar de que algumas licenciaturas já têm em suas grades algumas atividades voltadas para esse foco da ciência e tecnologia, nós precisamos de um programa permanente nesse sentido. Essa iniciativa poderia ser executada em parceria com a Secretaria de Educação e teria o objetivo de formar agentes multiplicadores. A ideia é que criássemos um centro, pequeno mesmo, com um programa para a formação de recursos humanos, os monitores, que seriam esses agentes. Já apresentamos o projeto ao Governo do Estado para viabilizar essa ideia. Outro ponto que está sendo discutido é a criação de uma rede de colaboração para todas as escolas de ensino médio onde cada uma delas seria polo de formação em uma disciplina – matemática, química, física… Para termos diferentes polos, em todo o Estado, de formação dos professores formados nas licenciaturas. Concomitantemente a isso, criaríamos também um programa de bolsas para alunos do ensino médio, que além de serem monitores nos laboratórios também seriam monitores para os alunos do ensino fundamental. Existe um projeto semelhante que é desenvolvido pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Ceará. Nós vamos tentar aperfeiçoar a ideia e colocá-la em prática por aqui a fim de aumentar a divulgação científica nas escolas. 

A senhora percebe que a sociedade, em geral, está mais próxima do setor de ciência, tecnologia e inovação ou ainda existe uma distancia muito grande entre os pesquisadores e a comunidade?

Ainda existe uma distância, mas percebemos também que ela vem diminuindo com algumas iniciativas muito bem sucedidas. É o caso da atuação do Sebrae, por exemplo, que aproxima o setor produtivo, as micro e pequenas empresas, de professores e pesquisadores de diversas áreas. E aos poucos a ciência está sendo mais discutida, em novelas, filmes, nos meios de comunicação em geral, mas falta uma ação mais concreta. A situação está melhorando, mas ainda precisamos investir muito nessa área.

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