Brasília – A entrevista concedida pelo presidente dos Estados Unidos, George W Bush, a cinco jornais da América Latina, entre eles “O Estado de S. Paulo”, nas vésperas de sua viagem ao Brasil, demonstra que, nos grandes temas, como etanol, Haiti e Rodada Doha de negociações comerciais, os discursos dos dois países “estão sintonizados”.
As afirmações do presidente norte-americano, na avaliação do Itamaraty, sinalizam que existem interesses comuns entre Brasil e Estados Unidos e que isso demonstra que as relações entre eles só tendem a melhorar. No Planalto, a repercussão foi ainda mais otimista. Auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva comentaram que a fala de Bush mostra que os dois países podem caminhar juntos em muitas questões, com destaque especial para a atenção dada ao presidente norte-americano à importância da parceria para disseminar a tecnologia do etanol na América Latina. O mesmo vale para as questões da Rodada Doha, que o Planalto concorda que, sendo bem sucedida, certamente irá colaborar para a redução da pobreza na região.
“Os dois presidentes estão comprometidos que os entendimentos avancem”, comentou um auxiliar palaciano, ao citar ainda que George W. Bush foi “muito gentil” e “simpático” nas referências a Lula. “É uma demonstração clara da boa relação que tem marcado todos os encontros e conversas que eles tiveram até hoje”, acrescentou. Mas o Ministério das Relações Exteriores evita comentar temas da entrevista em que Bush envolva o nome de outros países.
É o caso do trecho em que Bush critica o presidente venezuelano, Hugo Chávez, ou cita que não se pode dar como certo que os Estados Unidos querem fechar acordos bilaterais de livre comércio na região, como pleiteia o Uruguai. “Não nos cabe servir de intermediários entre questões de outros países. Temos uma agenda positiva com os Estados Unidos. É isso que pretendemos discutir e não os problemas que existem entre os dois países”, comentou um diplomata ligada ao gabinete do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, reiterando palavras que próprio ministro repete sempre.
Na entrevista, Bush disse que “o socialismo bolivariano”, baseado na estatização, vai trazer mais pobreza à América Latina. Outro diplomata consultado pelo Estado, no entanto, comentou que esta discussão sobre estatismo leva a um falso dilema. Segundo ele, se as pessoas pensarem em termos de Brasil, irão verificar que existem estatais altamente lucrativas e bem administradas como a Petrobras e outras que não apresentam a mesma eficiência. Portanto, ressaltam que não há como generalizar.
Quanto à tentativa de Chávez influir na região, lembra que o presidente Bush já pediu ao presidente Lula que tente interferir ou neutralizar as ações de Chávez e amenizar o discurso raivoso que ele profere. O presidente Lula, por sua vez, já respondeu que se os norte-americanos pararem de comentar este tema e dar corda para Chávez, isso já ajudaria a baixar a poeira.
Uma outra questão referente a terceiros países que oficialmente o governo brasileiro prefere não se posicionar é em relação a não formação de acordos bilaterais, que o Brasil entende que prejudica o Mercosul. Mas, extra-oficialmente, há diplomatas que acham que este é um “bom sinal” para o País. Outros, no entanto, questionam até que ponto realmente acordos bilaterais vão ter futuro e podem beneficiar o Brasil. Para este diplomata, não se pode considerar este sinal dado por Bush na entrevista como uma vitória porque “isso não significa que este mercado vá cair no nosso colo”.
Esquerda queima boneco em Brasília
Militantes do PSOL queimaram um boneco do presidente dos Estados Unidos George W. Bush em frente ao Congresso Nacional, em Brasília, onem. Bush chega a São Paulo na noite de hoje e fica até a amanhã, iniciando uma viagem de seis dias pela América Latina.
A liderança do PSOL havia informado que a manifestação seria uma espécie de ‘anti-cartão’ de visitas ao líder americano, enfatizando que Bush desrespeitou resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU) ao invadir o Iraque e não assinou o Protocolo de Kyoto, que limita emissão de gases na atmosfera. As críticas atingiram também o presidente brasileiro. Uma faixa usada pelos manifestantes dizia “Lula é amigo do senhor da guerra!”.
Mais incendiária do que nunca, a ex-senadora e candidata derrotada à Presidência, Heloísa Helena, estava no protesto cujo ponto alto foi a queima do boneco. Heloísa Helena afirmou que “a visita do Bush é uma fraude política. Não adianta dizer que está se discutindo etanol. É desolador que o presidente Lula faça essa fraude política para elevar a popularidade do senhor da guerra”.
Enquanto Lula se prepara para receber o colega americano, seu partido, o PT, convoca a militância para o protesto “Fora Bush”, organizado por entidades e movimentos sociais como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), União Nacional dos Estudantes (UNE) e Movimento Sem Terra (MST). Uma passeata será realizada na Avenida Paulista, hoje.
Deputados do PSOL se mobilizaram na Câmara contra a visita do líder americano. A deputada Luciana Genro (RS) apresentou uma moção na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional propondo que Bush seja declarado “persona non grata” no Brasil.
Esquema de segurança impressiona
A Polícia Militar de São Paulo destacou mil policiais e 300 viaturas para acompanhar a comitiva do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, em seu deslocamento do Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos, até o hotel Hilton, no bairro do Brooklin, na zona sul da Capital, hoje. A distância entre o aeroporto e o hotel é de cerca de 35 km.
Além da Polícia Militar, participarão da escolta policiais federais e civis, soldados do Exército brasileiro e cerca de 400 agentes de segurança americanos. A avenida Luiz Carlos Berrini e as ruas Henrich Hertz e Arizona, próximas ao hotel, terão bloqueios para controle de carros e de pessoas hoje e amanhã.
A presença de Bush mobilizou a CIA, FBI, serviço secreto americano, além das forças de segurança brasileiras, como Exército e polícias Federal, Militar e Civil. No aparato, além do armamento pesado, artefatos antimíssil estarão à disposição da equipe do presidente. Tudo o que Bush vai consumir no Brasil vem dos EUA. Para se ter uma idéia, até o combustível utilizado pela sua comitiva foi trazido “de casa”. Foram enviados ao Brasil armas, furgões blindados, uma central de comunicação e uma unidade de emergência médica móvel, desembarcados de um avião cargueiro na semana passada.
A segurança será dividida em duas partes. As polícias brasileiras fazem a segurança externa, enquanto a americana fica junto ao presidente. Tropas do Exército e da Aeronáutica vão dar apoio ao esquema de segurança. O atentando contra Chaney, aumentou a preocupação com segurança.
Barracos são retirados da rota
Os barracos da Rua John Baird, na Zona Sul de São Paulo, removidos pela Subprefeitura de Pinheiros na manhã de ontem, ficavam a menos de 20 metros de um dos portões do hotel que receberá o presidente norte-americano George W. Bush na noite de hoje.
O portão dá acesso para a parte de trás do Hilton e fica no fim da Rua John Baird, que não tem saída e termina no terreno do hotel. De segunda a sexta-feira, nos horários de maior trânsito, o portão é aberto para liberar o tráfego dos carros provenientes da Avenida Engenheiro Luiz Carlos Berrini para cortar caminho em direção à Marginal Pinheiros. A calçada da rua, que pode servir de passagem para o veículo que transportará o presidente norte-americano, era ocupada por barracos havia cerca de 16 anos. Segundo moradores que permaneceram no local na tarde da quarta-feira para cuidar de seus pertences, que estão guardados em um estacionamento na rua, eles foram avisados para sair e desmontar os barracos menos de 24 horas antes de serem desalojados.
Maria da Cruz, ambulante que morava em um dos barracos havia 16 anos, disse ter se surpreendido com a necessidade de desmanchar também as partes de bloco e cimento, além dos tapumes de madeira. Maria, seu marido e dois filhos, ocupavam dois barracos na calçada. A família vai se alojar provisoriamente na casa de amigos na Favela da Espraiada, a poucos metros do local, mas ela dormirá no estacionamento da John Baird para tomar conta dos colchões e utensílios domésticos.
Além dos barracos de Maria da Cruz, havia a moradia e a barraca de lanches da família de Maria José. A moradora afirma que a barraca era sua fonte de sustento e que pretende montá-la novamente. “Eu preciso trabalhar”, afirma.
De acordo com o subprefeito Nilton Elias Nachle, a remoção dos barracos era “um processo antigo”, discutido desde outubro do ano passado. “Existem dois tipos de invasão: as de terrenos municipais e as de áreas como, por exemplo, uma calçada. Essa não pode acontecer. Eram duas famílias que se instalaram ali e foram ficando”, disse.
Nachle conta que a retirada dos dois barracos de alvenaria estava prevista para acontecer na próxima semana, mas houve condições de “adiantar os trabalhos”. Questionado sobre se esse adiantamento nos trabalhos foi provocado pela hospedagem de Bush na região, o subprefeito confirmou: “Como tem a visita do presidente, a gente conseguiu antecipar”.
Ainda segundo Nachle, a retirada dos dois barracos não tem nenhuma relação com o processo de remoção de barracos da favela Jardim Edith (próxima à demolição de ontem). “A decisão sobre o que será feito no Jardim Edith deve demorar algum tempo ainda. Não tem previsão.”
José Serra quer falar do etanol
São Paulo – O governador do Estado de São Paulo, José Serra (PSDB), disse que se tiver oportunidade vai conversar com o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, sobre o etanol. “É possível, sou convidado para o almoço (que vai ocorrer na Capital entre Bush, o presidente Lula e outras autoridades), não sou promotor do almoço, a agenda é do presidente da República. Se for chamado a falar, falarei.”
Segundo José Serra, a questão básica do etanol nesse momento são as tarifas norte-americanas sobre o etanol. E criticou: “Os Estados Unidos pregam o livre comércio. Mas quando é da sua conveniência, deixam o livre comércio de lado. Há uma contradição dos EUA nessa matéria (etanol).” E disse que os tributos incidentes sobre cada galão do etanol brasileiro (em torno de US$ 1,08), é prejudicial também aos consumidores norte-americanos, que poderiam estar pagando um produto mais barato.
O governador de São Paulo acredita que há espaço para o Brasil entrar na batalha pela redução do protecionismo norte-americano sobre o etanol. “O Brasil tem a economia mais aberta do que a americana. A economia brasileira está entre as cinco ou dez mais abertas do mundo, porque não há expediente de protecionismo não tarifário (taxas especiais e cotas), como há nos Estados Unidos”, reiterou.
Serra disse que o governo está criando uma comissão especial para apresentar um plano em relação à energia renovável em São Paulo, “especialmente na área de combustíveis, que inclui o etanol como principal protagonista”. E citou que a Fapesp já está realizando uma pesquisa nessa área, com a participação do setor privado, com recursos da ordem de R$ 100 milhões. Dentre as empresas do setor privado envolvidas nessa pesquisa, estão algumas da área de petroquímica. O governador disse que esta é a maior pesquisa a ser feita no Brasil, neste segmento. “Vamos estudar variantes mais produtivas da cana-de-açúcar para o etanol”.